sábado, 27 de fevereiro de 2010

ao ataque do museu

à parte duas mulheres e um homem de ar nórdico, o Museu de Arte Antiga não tinha mais ninguém, além de nós, grupo ruidoso e agitado que durante hora e meia se abateu sobre imagens de santos e paredes brancas, para incómodo dos guardas meio embrutecidos pelo tédio e pela proximidade do almoço.Pisou -se o chão (Ó Ignomínia) escorregou-se no chão rigorosamente encerado ( ó desleixo!)e abraçou-se, beijou-se entre Santas hieráticas e guardas mal humorados. Houve um tempo em que o Museu era sítio a ir, no tempo em que marcar visitas era sempre um acto dialogante, onde nos sentíamos desejados, hoje o Museu está morto ou, na melhor das hipóteses, adormecido, à espera de outra Dalila que o faça respirar.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Os 50

William Eggleston, Mulher no " Outono"

fiz 50 e entrei em pânico. total. as mãos e as rugas em redor da boca parece que cavaram canais, de repente perdi faculdades (a única que não perdi e que parece ter aumentado é a de sofrer, magoar-me terrrivelmente e passar uns dias a gemer baixinho e a fugir não sei para onde) a idade, certo, parece o discurso da costureira despeitada, perdoem-me, não sou costureira mas a minha mãe sim, era costureira, ficou-me o dedal da hereditariedade, costuro como ela costurava, no éter eu, ela no pano, eu na caixa de ferramentas das palavras, com a caixinha dos alfinetes ela, eu toda susceptibilidades e emoções,ela saia-casaco. sou um caso definitivamente perdido para a costura, embora houvesse tentativas, aliás, sou um caso perdido para muitas coisas e essa verdade acabadinha de encontrar lembra-se agora de nos entrar pelos olhos dentro.Sei, não há interrupções na estrada, caminha-se simplesmente.Mas aos 50 há um deslizamento de terras, por ali já não podes continuar. uma pequena catástrofe individual. até me sinto com má consciência trazendo à baila um tema que só interessa às mulheres da minha idade e quiça nem a elas, quando há verdadeiras catástrofes a acontecerem, mas é assim, já contribui para a Madeira, agora deixem-me comprazer nas minhas efabulações.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

medicamento

pensar que um medicamento para o tratamento de quimioterapia custa 5.000 euros, um medicamento de superior necessidade para os doentes que precisam dele para viver mais uns anos ou, (nestes casos nunca se sabe) apenas uns meses, deixa-nos incrédulos, faz-nos parar para reflectir. Afinal, este valor superior da vida quando ameaçado tem logo algozes atentos para o negociar. São as farmacêuticas senhores, não há ninguém para dizer "O rei vai nu"? andam a roubar com a justificação de salvar? custa acreditar que este preço corresponda ao valor real do medicamento, ou se corresponde porque não se agiliza o processo de modo a torná-lo menos dispendioso? não interessa, diriam, porque se perde o lucro? é intolerável pensar no mercado das vidas, em quem utiliza a doença para enriquecer à sua custa, de novo me deixa céptica em relação ao grande capital, deixemo-nos de lérias, é o Estado a pagar, e o Estado somos nós todos, escravos destas leis viciosas do mercado.
Picasso: No quarto do doente.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

aos namorados,amantes, apaixonados, danantes,sonhados, ruidosos,amantes,calados.

Nathaniel Goldberg





Vaza-me os olhos: continuarei a ver-te,


Tapa-me os ouvidos: continuarei a ouvir-te,


Mesmo sem pés chegarei a ti,


Mesmo sem boca poderei invocar-te.


Decepa-me os braços: poderei abraçar-te


Com o coração como se fosse a mão.


Arranca-me o coração: palpitarás no meu cérebro.


E se me incendiares o cérebro,


levar-te-ei ainda no meu sangue



Rainer Maria Rilke (1875-1926)

duas notas

Esta fantochada da Face Oculta só serve para vender os jornais à míngua de notícia. As duas ostras mais rentáveis do jornalismo oportunista são: a pérola das catástrofes e a pérola dos escândalos. Deixámos há pouco a Catástrofe, a prospecção foi de modo a deixar a terra estéril por uns anos, ou melhor, explorou-se à exaustão o filão dramático, até se queixarem as almas que, nestas matérias cansam-se depressa. Agora abriu-se ,como por magia, outra ostra a da FACE OCULTA. Ma que face oculta? O primeiro ministro sabia que a PT queria comprar a TVI, é a notícia, o Granadeiro já veio dizer que não sabia que se enganou, mas sabia, mas ele disse, mas nós dizemos, mas eles disseram e as escutas telefónicas. Mas em que Reino estamos quando colocamos o primeiro ministro que tanto quanto sei não é arguido em nenhum processo crime sob escuta? Que é isto, meus senhores? Quem tem autoridade e porquê, de pôr alguém sob escuta? Há grande promiscuidade entre a justiça e os média, há aqui fugas de informação que dão para fazer uma investigação séria. Que o governo quer controlar a TVI só porque a PT queria, (coisas de negócios) comprar a TVI, daqui se infere que o governo quer controlar a informação? Por amor de Deus,. poupem-me.

Alternativa de notícia: um estudo sobre a Escola Pública, como estamos a acabar com o Bom Ensino Público pressionando os professores para não reprovar,como andamos a enganar-nos com índices de alfabetização falsos, como andamos a dizer que o ensino é para todos mas em vez de ensino temos fábricas para entreter as horas vagas, fábricas onde a expectativa é nula e a exigência nula, como nos deixámos iludir pela avaliação docente e esquecemos as regras básicas de quem estuda, como a de que não há progresso sem esforço.Vá! Mexam o rabo. Vão às Escolas!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

comunidade

falávamos de nós, vivendo sozinhos. Pensámos arranjar uma casa grande para viver em comunidade. A ideia interessou, um jardim comum, excelente, uma sala comum, excelente, cada um com o seu quarto, excelente, e por aí fora em escrutínio às partes de casa, localização e outras terapias de futuro, mas eis de súbito este caudal de sintonias imaginadas convergir para um lugar onde, não sei bem porquê, a realidade entra pela porta grande: a casa de banho, os lavabos, a toilette, o Wc? comum? Não!
2 para quatro nã! 1 para quatro, nem pensar! as opiniões passaram de convergentes a divergentes, tudo por causa de uma casa e banho, (bem se faz o pudor, com paus de dois bicos). realizo então que a higiene e outras funções "poéticas" são a parte menos comum de cada um e, no entanto, é exactamente o contrário por natureza, mas a questão é toda mental...quero dizer, a intimidade, pensam as psiques, é o corpo e suas manias, e estas não podem ser partilhadas. Como se as casas de banho tivessem um orifício onde cada vez que alguém entrasse, uma chusma assistisse pelo ralo! A Vigilância está dentro de nós, o medo de fora é um reflexo da vergonha dos nossos pensamentos. não cheguei a dizer, mas acho que pensei, hoje deu-me para a psicologia, sorry, para a próxima falo do frio.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

a cidade

A peça da Cornucópia devia antes chamar-se Cidadela. naquele teatro de paredes pintadas ficou mais claro o prognóstico de estarmos sitiados numa ópera bufa. não era só a Carmen Miranda de muletas e olhares espios para debaixo da saia, uma linguagem vernácula e um Aristófanes incompreendido, havia um teatro cheio mas obediente, um teatro sem o rasgo de Príapo mas com a indulgência dos, como chamar-nos? a nós consumidores de cultura ao sábado à noite no teatro restaurado?, um rasgo de decência a meio rir de obscenidades. a festa senhores, acabou, aquela de que fala Aristófanes, dai-nos a benção da consumação da cultura e livrai-nos do mal.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010


fizeram uma aposta, não iam prometer ou esperar a imortalidade e se alguma confusão, alguma decepção pudessem surgir, então tinham que se atirar ao mar e nadar até perder costa. uma delas não voltou.