terça-feira, 30 de dezembro de 2008

balanço

Do que sobra deste ano, as quebras e os enrodilhanços, as mazelas do corpo e as outras também, como chamar-lhes? seriam qualquer coisa que abstemos de lembrar, conscientemente, mas que não há meio de esquecer porque têm a propriedade de tingir, aderem e emprestam tonalidade às coisas, todas as coisas, quero dizer, às que se respiram mas também às que respiram por nós.
Benfazeja sorte, trouxe notícias dispersas e o presente de Natal, apesar de tardio, veio, e o seu tardar fê-lo embrulhar-se em rebuçado, doce e esperado.
De resto, andamos como à espera de uma ruína ou um cataclismo adiado. A falta de dinheiro é uma mentira bem pregada. Queimamos as unhas dos pés de tanto cirandar mas continuamos a andar, magníficos, que andemos então e sem medo, para a frente, um a um amassemos os dias em braçadas vigorosas e deixemos escorrer ao crepúsculo a melancolia, um poema que salte das mãos e se esfregue contra os vidros da casa e se espante e fique quedo a olhar,

agradeçamos então,que de todos os outros, neste momento, este é o mais tocante dos gestos.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Os caldos Knorr e a moralidade "autoral"

O post sobre o plágio atiçou a ira de alguns comentadores que aplicaram sem qualquer pudor ou justificação o óbvio, nada de mais enfadonho que o óbvio, escrevê-lo e dar-se ao trabalho de o comunicar é tão empolgante como uma lista de supermercado só com caldos Knorr. Um fogo de artifício só com foguetes de ruído, daqueles que as colectividades com pouco orçamento usam para lembrar que estão presentes mas sem com isso nos proporcionarem mais nada senão estrondos repentinos e monocórdicos. Gosto de fogo de artifício, em qualquer altura, de ficar com os olhos pregados nas luzes. De foguetes não, sobretudo quando têm pavio curto. Este meu texto auto-confirma-se, estaria tentada a seguir a norma e a reiterar aquela velha máxima de que a verdade é incómoda, mas resisto à tentação. Aliás, não resisti à tentação, que me desculpem mas que querem, a cada um o seu “panache” , um pequeno momento de glória, de autoria duvidosa.
Hoje, enquanto tomava a bica, alguém expressava a sua indignação por uma "coitadita" que copiou a tese de mestrado do namorado, que já a tinha copiado de não sei quem, entregando-a, com algumas alterações, num outro curso, passados seis anos. Pensei: porque não me lembrei disto há uns anitos atrás? Anda uma gaja a matar-se a estudar e na volta o seu esforço será sinónimo, a divulgar-se o método, de parvoíce, falta de esperteza enfim! As teses de mestrado proliferam na net. Não se deve. Não. Não. Não. As razões são óbvias. Mas que se pode, sim, facilmente. Ora quais as implicações dessa facilidade? Não se mata o bicho à catanada. Certamente que não. A única forma de repor a moral talvez seja uma nova classe de funcionários de fiscalização que percorram com afinco os milhões de artigos e teses, em todas as línguas. Pagos pelo Sócrates que segundo rezam as más-línguas obteve o seu diploma com as manigâncias próprias de alguém que não tem tempo para o estudo de tal modo a arte da polis o ocupava. Mas quem chamará ao Sócrates "coitadito"? Ninguém. A maioria votou nele para chefe da pátria lusa. Em guarda! Que se levante a polícia dos costumes! No tempo do Salazar…nada havia para copiar!
Um autor moralista, não é um autor mas um polícia de costumes, um autor produz, escreve, tremerá das perninhas se viver disso e se pelo plágio alguém puser o seu trabalho em risco. Lutará então pela reposição da verdade, não por questões de moralidade mas por questões de sobrevivência. A verdade não é uma questão moral.Dificilmente um texto moralista será verdadeiro. Assim como um autor não é um polícia de costumes.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Plágio

Dá para surpreender e ao mesmo tempo gozar com a indignação irritada e sedenta de vingança de alguns "autores" da blogosfera quando descobrem que foram "plagiados". O modelo é sempre o mesmo, para começar nunca são eles que descobrem essa falcatrua infame, como génios mal compreendidos o seu nariz fino e perspicaz não se familiariza com o cheiro fétido da coisa criminosa que dá pelo nome de Plágio (quase parece o nome para o cavalo alado e ficaria bem se dessa mesma família alada pudéssemos tratar o plágio) atribuem pois a pesquisa e descoberta do crime a bloguistas amigos mas secundários que num tributo ao seu génio mal compreendido lhe vêm beijar as mãos com o presente. Ficam então furibundos e atacam sem piedade os ditos infames que ousaram tocar de mãos emporcalhadas e medíocres tão belo e original bocado de prosa copiando para a colocar lá no seu canto. Esquecem-se os irritados autores que aqui não há moradas nem propriedade privada. Toda esta reacção revela mesquinhez e falta de visão. O que tem graça aqui neste espaço apaga a pompa da autoria. Aqui um texto é de todos, e por duas razões fundamentais: primeiro porque quem o escreveu não tem nome nem rosto definido, é um nome ao qual não corresponde identidade, em segundo lugar todos podem ir ao canto uns dos outros, sem bater à porta, nem pedir licença porque a casa é de todos. Tudo pode ser livremente copiado. Quem não quer ser copiado não coloca aqui a sua preciosa obra, quem o faz aceita tacitamente as regras deste jogo, e não vocifera por ter a casa roubada quando nem fechadura existe! É essa plasticidade, essa facilidade de acesso que torna a blogosfera um espaço de divulgação imparável de palavras sem dono. Palavras só.Que interessa quem as disse primeiro, se alguém as lê e lhe fazem sentido está de parabéns o autor pois o seu texto não só foi sentido como foi útil para muita gente. Haverá maior prestígio para a palavra escrita que ser útil, servir, como serve a enxada ao cavador?

domingo, 14 de dezembro de 2008

Ao Fernando

O frio, o lancil molhado do passeio, o vento que soprava vindo do mar, a brancura sem mácula da parede onde a gaiola se recortava a negro com dois ou três vestidos dependurados, compuseram esta tarde. Venho por este meio, eheheh, não vim por este meio, enganados ambos, o meio ou nós que se viemos fomos vindo e aqui aportamos gente a olhar como olhamos simultaneamente para dentro e para fora de nós. Há sem dúvida uma mágoa na mulher que se abeira de rosto enrugado, mas ela nem sabe, enquanto vimos a Arte no Museu, e aconchegamos o cachecol, há mulheres sem eira nem beira para as quais o museu é uma cinza escorregadia e incógnita, nenhum museu, para elas, a tocha do tempo, o gesto dos amarrotados, procurar no lixo, como um gato. essa a verdadeira arte, o som ritmado do sofrimento e a sua infinita, colossal surpresa.
Mas nesta tarde, ao olhar para dentro reconheço-me, o puzzle de repente acertou peças num bocado de céu, e escrevo aqui em tua homenagem, que não te esqueças que guardámos o teu sorriso numa caixa de ferro da memória e que nenhum mecanismo de desfazer pode simular o teu desaparecimento. O suicídio, o teu suicídio não faz nenhum sentido.Mas qualquer in memorian é ridículo. Continuaremos todos, na vida, com esse teu gesto. Consertou-nos algumas peças, reagrupar-nos-emos como feras feridas à roda dessa força cega que nos faz seguir e ter esperança.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

doença

Falar de doenças é o que há de mais estúpido! Mais enfadonho!Mais inútil! Enquanto estive doente lá ia desafiando o rosário para não defraudar expectativas, que sim as dores... mas sentia a inutilidade da verborreia, se estamos doentes nada como alguém para nos fazer um chá, para se encostar a nós e ler-nos uma história, um mimo, o mais simples dos gestos como levantar a palma da mão para a encostar à fronte. só.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

o sentido do dever ou o dever sentido?


Passei a mão sobre a sua cabeça a arder em febre. tens de ir para casa, estás doente. não, stora, tenho de fazer o teste, se não fores para casa ficas muito pior e depois terás muitos dias sem poder vir às aulas, além disso, nessse estado, és portador de uma série de vírus, vais contaminar de gripe alguns colegas...(como eu gosto de pessoas com bom senso)...ele não se convenceu com o argumento, continuou a olhar para mim com a cara inchada e vermelha, os olhos lacrimejantes.Vou mandar chamar o 112, disse. Pôs-se imediatamente de pé! Não é preciso, eu vou.vou para casa!

assim mesmo, porque se tivesse que chamar o 112 por uma gripe...

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

supermercado

Ao vivo no supermercado.
Pedi licença mas ainda assim o carro estrebuchou contra os calcanhares de alguém, o cheiro a peixe afastou-me dali, para um outro sítio onde a gincana era só para peritos, o senhor do carro cheio de óleos alimentares não conseguia, apesar do seu peso ser muito superior ao do carro, pôr a coisa em movimento. passo olhos por prateleiras e reconheço-me enfurecida contra gentes, quantidades, anseio por espaços abertos e lunares, onde um eco do começo do mundo pode surgir, um qualquer som primordial. somos assim arrastados para este circo, sem querer, um pouco às cegas, fugidos do frio, e entre esta multidão sinto perfeitamente que nos buscamos e fugimos uns dos outros.Que mundo esquizóide este.

a testemunha

Depois de várias tentativas para me colar às palavras do Nobel, desisti.era mais de outras escritas, das que ligadas ao vórtice do estômago propiciam dois ou três mundos perfeitamente coerentes e sólidos. Só não percebia a tendência para ser protagonista, saltar para cima de uma personagem e vivê-la. Seria infinitamente mais razoável ser testemunha, porque sejamos honestos, o livro está acabado, ninguém foi chamado, o autor morto não pode aconselhar ou alertar para o que pode acontecer, por momentos, ao mundo de cada um. O meu mundo tinha uma change total. A coisa durava cerca de uma semana. Também seria difícil discernir quem salta para cima de...também podia ser a personagem. Em Orgulho e preconceito, fui durante várias semanas o Darcy, foi um caso de sucesso, durante semanas não me importei e escrevia e sentia e agia como ele agiria, evidentemente agora, sem casaca, sem mãos prometidas e sem mansão, sem ingleses, na altura parecia-me promissor, estas particularidades culturais eram perfeitamente secundárias, havia soturnidade e grandeza nos seus gestos e aqui nestas ruas, a esta temperatura e com esta poeira instantânea, andavamos como submersos, nariz ostentando o fedor da merda, então, sim, adoptei-o. Deixou-se adoptar mas resistiu, a esta distância compreendo-o. Ele estava-se nas tintas, a Austen não, deve ainda pavonear-se e com razão, embora de nada lhe sirva, levar almas moles e obscuras ao frenesim de serem outras.

domingo, 30 de novembro de 2008

com a mãe e o mar

Hoje há a realçar o modo como o mar sendo apenas e mais uma vez mar, foi um mar novo. a minha mãe de braço dado comigo na modorra da chuva fininha, também deu por isso. ela estava a lembrar-se há muito tempo, desde que estacionámos o carro na ladeira defronte que se vinha lembrando, mãe, o mar. ela, no entanto também achou coisas sobre o mar e disse-me: "Olha, bonito". Os homens e as mulheres , olham com ar nostálgico este acontecimento, entretanto, eu e a minha mãe falámos da morte, da que é real e não há que temer se for rápida, como o coração, magnífico órgão esse, até na morte nos consola! a minha mãe também acha mas falar sobre isso, agora...não ficámos o tempo suficiente para que alguma coisa acontecesse ao mar e viemos embora, eu com a bota suja e também o amor sujo pois comigo levo as frases e os sentimentos do amor, apesar de não querer. resisto a tudo como uma estuporada. o final do dia saldou-se por olhares trocados, ainda me surpreendo, à força de estar aqui trancada perdi o sentido das proporções, um simples olhar atira-me de jacto para a boa disposição, um toque põe-me a tremer da perna...um estado como outro qualquer,

como sempre, vamos tentar edificar, depois em casa mudo os livros , da mesa para o chão e do chão para a cabeceira e depois para a cama, carrego-os com as suas páginas brancas mas não leio, detesto-me por não o fazer, sou tomada de óbvias tonturas de criança e sonho, não resta muito mais, deambulo, perco-me, e aqui, na casa de pedra onde o aquecedor faz deslizar o contador da luz a velocidade estonteante, volto a escrever e a sentir a efervescência de o fazer e, caros bloguistas, sei que não me vão ler, os que me leriam não se contam no caminho, ficaram a meio da estrada tapados pelo sol a pique. Quanto a vocês, passam por aqui os olhos cansados, seguem em frente. São muitos, muitos, e o número é um número a seguir a outro, mas sabem: Todos ansiamos na atenção do outro, ou julgamos que sim apesar de ser lúgubre esta consciência dependente. Para não desgostar os que apenas lêem a última linha, aqui vai:
há uma multidão de feras azuis na noite mais longa.
certo

Obviário

Uma das certezas que tinha não era despropositada. A torre erguida pela árvore de Natal, o caminho entre as espigas quebradas da chuva e as suas mãos geladas apertadas no bolso das calças. Estas eram algumas fulgurâncias, não únicas mas recorrentes e rápidas.


Outra das naturezas do seu obviário melancólico era seduzido por proximidades, o calor de um braço, um encosto em desequilíbrio, um riso bem no centro da boca, ou seria num outro centro, sim, talvez. Aquele rabo-de-cavalo...a moral de Kant, os brinquedos apinhados em caixas até ao tecto no supermercado. a recusa em falar de ti. Jamais. um começo, onde nem sei, talvez na forma, a forma como o aluno discutiu comigo o argumento. vamos lá, nada está perdido, ainda é tudo possível...era assim, as imagens fugídias e dolorosas e o tecto do mundo a chamar com a sua vozinha de carruagem ou abóbora, vide, este óbviário, vende-se um pedaço de trapo, umas migalhas de pão, uma promessa de beijo, e é tudo, para nos aquecermos basta, pois como dizia o tal de Pessoa, não somos "padres", nem romancistas russos aplicados e prometemos estar atentos se de humana voz ainda ouvirmos falar sem sombra de submissão.