sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Para começar o novo ano dançando!



SWAY

When marimba rhythms start to play
Dance with me, make me sway
Like a lazy ocean hugs the shore
Hold me close, sway me more

Like a flower bending in the breeze
Bend with me, sway with ease
When we dance you have a way with me
Stay with me, sway with me

Other dancers may be on the floor
Dear, but my eyes will see only you
Only you have the magic technique
When we sway I go weak

I can hear the sounds of violins
Long before it begins
Make me thrill as only you know how
Sway me smooth, sway me now

Other dancers may be on the floor
Dear, but my eyes will see only you
Only you have the magic technique
When we sway I go weak

I can hear the sounds of violins
Long before it begins
Make me thrill as only you know how
Sway me smooth, sway me now
You know how
Sway me smooth, sway me now


sábado, 25 de dezembro de 2010

BOAS FESTAS!!

domingo, 19 de dezembro de 2010

O luto vai bem com Electra


Nunca sei o timing destas coisas! Já se pode fazer a árvore e desejar Bom Natal? Não é cedo demais? Talvez ainda venha aqui ao blogue e depois tenho de renovar o desejo. Não é de bom augúrio, de modo que o melhor é deixar os votos para mais tarde e entreter-me a falar da noite de ontem, sentada durante quatro horas a assistir ao texto do O Neill "O luto vai bem com Electra" em Almada, no meio da chuva, uma tragédia.


Não sei se poderemos inventar hoje o espírito da tragédia. A tragédia explode dentro da ignorância da condição do homem no tempo, da sua relação com o destino inexorável. Essa relação hoje eclipsou-se. A nossa relação com o tempo não é metafísica mas física. O tempo deixou de obedecer à sua voz de comando, deixou de ser a espada da justiça divina, é apenas um conjunto de coisas que reunidas têm um determinado resultado, se soubessemos a natureza de todas essas circunstâncias que se relacionam até poderíamos prever o que pode acontecer, mas não podemos saber, às vezes, nem queremos, preferímos arriscar. O que O'Neill tentou foi projectar essa necessidade humana de justiça na psicologia, quando cometes um crime, de sangue, não é a sociedade que te julga mas a consciência, a linha de culpa e remorso inscreve-se na necessidade de expiação e esta conduz à destruição. Juntamos o incesto e temos um simulacro de tragédia. Falta-lhe o divino, e não há tragédia sem essa força. De qualquer modo, o gosto por estes textos clássicos, pelo teatro puro e duro, as grandes personagens, as grandes histórias, são como um espelho onde compreendemos, não só quem somos, mas sobretudo o modo como nos vemos e como entendemos a representação.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

passagem de nível

Caminho de ferro, passagem sem guarda. A semente de uma desconfiança germina ou fervilha na penugem do buço, não podemos deixar de seguir em frente ou voltar para trás, se o carro obedecer à ignição da parte mais quente, seria ligação automática mas se nos distraímos com o balanço das árvores? ou mesmo se arde um fogo onde menos se espera, longe, no sítio exacto do desejo, onde foi, que não me esqueça, ou poderemos deixar-nos ali, enquanto o comboio apita na esquina. Se não pinto as unhas para a tua chegada, se não me reconheço. é só uma passagem de nível , os cães a ladrar, o guarda bebendo um copo na tasca e mesmo que nada disso existisse, nada mesmo, só a nossa saudade, o que vem dar ao mesmo, porque saltamos sobre o tempo mas ele não desaparece, sibila, ríspido, vou guardar-te dentro de mim. é o que se faz, nestas circunstâncias, essa é a única imagem verdadeira.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

vórtice

deixa cá ver o que sobra dos dias, sublinhar, corrigir, pontuar.
e recomeça
sublinhar, corrigir, pontuar.

ir às compras, esperar nas filas.
sonho que nado resignada contra uma parede enorme de água, uma onda gigante, sei que vou morrer, a morte dá-se a ver nos sonhos, mas tenho alternativa, mergulhar talvez, qualquer coisa sabe a inevitável, mas nesse momento é só a parede enorme que se aproxima. o medo. e ficamos por aqui. não há nada depois do medo.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

sagitários!

Aos Sagitários, meus amigos, devo o gosto leve por uma boa conversa, o prazer de estar em festa, a piada inesperada, a mistura imprevisível de tons, roupas, pessoas. Dou de barato a verborreia dos signos. Adoro pensar que eles, os Sagitários ,são dos meus preferidos.

domingo, 5 de dezembro de 2010

desviar a atenção

Gripe.chuva. cigarros. No século XVIII os médicos aconselhavam o tabaco a quem sofria de doenças respiratórias, logo, não é de admirar que fumemos e tussamos, simultaneamente, um agrava o outro, diz-se na especialidade médica actual, mas o conforto psicológico é inquestionável. Como se ao agravar o estado de quebrantos respiratórios sentíssemos uma espécie de poder. tipo: se não podes vencê-los junta-te a eles! As crenças que desenvolvemos para ultrapassar maleitas têm insondáveis abismos racionais. Quem disse que a razão era só uma? Hein?? Ainda : ao fumar tenho a sensação de que não dando confiança à gripe, olhando para o lado, ela não se sente mimada e pisga-se. Boa. A ver vamos, se estes mecanismos de terapia poética, resultam.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

paixão

O funâmbulo Philippe Petit, vindo de uma recôndita aldeia de França, chegou a Nova Iorque e estendeu um cabo sobre as torres gémeas, a 500m de altura, corria o ano de 1974, havia nevoeiro. Da experiência uma frase: "Era como fazer amor com o vento!". As torres estavam ainda em construção e os terroristas islâmicos não existiam, existia só o nevoeiro, a loucura ou a paixão de um rapaz francês. Não era a mesma loucura ou paixão que fez uma série de rapazes despenharem-se contra estes gigantes de betão e destruírem milhares de sonhos. E, no entanto, podemos falar de loucura e paixão nos dois momentos, sinal que nada de bom ou mau ela nos traz por si mas só quando fala para nos inspirar, quando faz voar o que de mais belo existe, um desafio ao possível misturando-se no coração ardente do nevoeiro frio. Frágil recorte sem razão. Só do amor ou a bravura para a memória reter.

domingo, 28 de novembro de 2010

circularidades do coração. ponto parágrafo.difícil é o amor.esquisito.estranho.volátil e sólido.branco e negro.soberano e escravo.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

corações

OS CORAÇÕES DA ALEXANDRA MESQUITA
NA FEIRA DE ARTE DE LISBOA. (FIL)
LINDO!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

os trabalhadores

a médica discorria sobre o seu estatuto, sim, funcionária pública, sem dúvida,
como me enfadam estes títulos. como "trabalhadores" na boca do Carvalho da Silva me enfada, como me enfadava o FMI há uns 20 anos, na cassete Cunhal! Finalmente chegou! O FMI, ei-lo! O banqueiro usurário. Esta é a velhíssima história que nos contavam quando tínhamos 5 anos, a velha história do Hensel e da Gretel, comeram muito chocolate e veio a bruxa má e comeu-os a eles!Tudo isto é ridículo! Esta catástrofe de déficits e contas. Ninguém percebe, mas as medidas de austeridade são necessárias, como o café é preciso e o pão. mas a natureza humana, a nossa aqui, não se pode reduzir ao essencial. Como respondia o Rei Lear à sua malvada e ingrata filha: julgas que não são necessários guardas para me protegerem? São necessários os vestidos bordados quando tens apenas frio e te bastava um casaco? Não nos podemos reduzir a "trabalhadores", áquela mitologia do operário. O operário vai passar férias a Cancun. e ainda bem. chegou a altura da sociedade se unir e uns ajudarem os outros. os despojados, os Lear atraiçoados têm subsídio de desemprego. O que temos de ver é o tipo ao nosso lado e deixarmo-nos de greves. das contas deve e haver.
a foto é do Egleston

domingo, 21 de novembro de 2010

livres

quando pensamos em liberdade ou mesmo quando a sentimos abre-se no peito um espaço imenso e é de uma ave planando a imagem que vem em nosso auxílio. como se leve fosse essa sensação, voar, mas a liberdade é muitas vezes apenas o peso de tomar decisões sem medo, de ser fiel ao que pensamos, ser fiel ao que queremos, nada há de leve nesse passo, a liberdade custa. libertação do que nos oprime, do que nos fixa, mas mesmo as aves voam para comer, no seu gesto largo há somente a resposta a um apelo da raíz do ser. sejamos homens, os homens libertam-se para prosseguir comprometendo-se com a liberdade, primeiro a sua, porque onde há um homem livre há um exemplo, onde há um homem livre há um compromisso. O sistema parece manietar toda a veleidade de revolta, as greves de hoje, já não se parecem com movimentos libertadores mas com formas de perpetuar laços do passado,retórica e manipulação, nada verdadeiramente libertador. Não sei como se faz para alterar este sistema tentacular que nos hipoteca a prazo, mas não é já com a greve. no dia 24 vou trabalhar e falar sobre a liberdade com os alunos, talvez façamos um manifesto, talvez juntos possamos compreender como se faz, o que é possível e desejável fazer.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

entidade

qual é o perímetro da emoção danada? a configuração com papos de toranja do medo?, ou a curvilínea e alquebrada linha da espuma? a seguir. se seguirmos. tenho na mão o mundo, quando vejo em marte o sol fugir. ou o mundo. a fugir. as minhas imagens inspiro-as, na mesma proporção com que as expiro é dor e alegria, sabes, à vez, numa mesma verbal procura. então marte. lá inclinada sobre a sua imensa distância de coisa no ar e nós cá em baixo a olhar para cima, parando ao som de um violino aparecido exactamente no deslizar das nuvens. estaríamos tentados a chamar às alturas, céu, mas é tão só imensidão não imaginável. um deus que o fizesse não gastaria tanto espaço para lá colocar apenas lua e estrelas e uns tantos gases e sólidos girando, a música são as nossas vertentes fadas que a ouvem, mesmo se ela teima em não ser audível. disse-te. é grande o espaço. pequeno, muito pequeno o coração, e tu pensaste que era uma metáfora, mas não era, depois tentei fechar os olhos e ver para dentro e não fui capaz de ver o coração de tal modo tinha encolhido. atravessei a rua, essa defronte, e fiquei a ver-te de lá, e a rua, aquela defronte, pareceu-me, digo que o senti como e não minto, a galáxia, esse caminho ar e ar entre o meu nariz e marte.
imagem: Howard Schatz

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

a iarte

tenho alguma dificuldade em entender certa arte contemporânea, como por exemplo as esculturas ou intervenções no espaço. Esta peça de que falo, um contentor com alguns espelhos, de escultura só tem a tridimensionalidade mas mantém viva aquela primária questão: é isto arte? Não poderá um contentor por acaso, um dos muitos anónimos contentores ali de Alcântara zona ribeira (a minha homenagem à preciosa expressão que li há pouco de uma criativa mulher do norte: pedras ribeiras) transmitir as mesmas sensações visuais e ter o mesmo efeito artístico, que aquele contentor/obra do José Pedro Croft? se fosse observado e visitado com a mesma atitude estética, com a qual visitámos o outro, quase igual? A realidade das coisas anónimas.os artefactos na sua ligação fortuita com a natureza, mar, vento, espuma e vértices, linhas, quando olhados esteticamente são também peças artísticas. o segredo está no olhar. até um contentor pode ser nau, pode ser épico e toda a arte é épica. nesse aspecto esta intervenção do artista é útil, porque nos apela a um certo modo de ver, um certo modo de ver contemplativo, desinteressado. Mas de um ponto de vista, o meu, a experiência ali das espinhas do vento e o momento único desse encontro entre elas e o objecto, foi, como dizer, brava, forte, é isso, épica.
A imagem é de uma outra obra do artista, ainda não estão disponíveis, na net, imagens da obra referida.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

titi

Sempre que estou com as minhas sobrinhas dissipo as ondas de nevoeiro cerrado com que a sua ausência me brinda, nada tem de bom a ausência quando nos afasta dos mais queridos. criamos mil fantasmas, mil medos e saudades. esta semana finalmente, conheci o namorado, o primeiro, e gostei. gostei dos seus dentes brancos e da tez corada, ainda me incomodou o abraço, mas rapidamente pus a mente ao largo, ela ama-o, espero que não sofra e se sofrer não demasiado, porque amores de adolescência não são para durar. acalmei, era a mesma, só feliz. depois a mais nova, segui-a no hambúrguer e ri-me durante todo o almoço, tem sentido de humor, irreverência, e sobretudo carácter, não sabe bem o que quer mas percebe perfeitamente onde se esconde o que deve evitar e depois não atira palavras a eito (não sai à tia definitivamente) não, diz o que pensa, mesmo se não vai ao encontro das expectativas dos outros, e percebi que não há medos, está lá o que sempre esteve, autenticidade, foi bom, eu já nem sei o que andava a imaginar...


Imagem daqui: http://troll-urbano.weblog.com.pt/arquivo/adolescencia.jpg

domingo, 7 de novembro de 2010

filme



El Ultimo Verano de la Boyita é um filme argentino de Júlia Solomonoff. Mais um filme argentino para me fazer suspirar, A Argentina, ai, ai, um dia hei-de lá ir, já estou quase convencida por não parar de o repetir, então da Argentina lembro-me das pampas, os terrenos férteis de grandes dimensões, clima ameno e aquela língua carinhosa (a pronúncia argentina é mais suave que a castelhana) que nos envolve em segredos e sussurros. este é um filme sobre os segredos da sexualidade e a curiosidade que eles despertam no esboço ainda pouco distinto da puberdade. O que é ser homem? O que é ser mulher? Que papel tem a biologia nessa definição, que papel tem a cultura e a psicologia? Resumindo: como sou, como os outros me vêem e como me vejo ou sinto. As variações possíveis neste trinómio são muitas: sou rapariga, vêem-me como rapaz, sinto-me...confuso/a? Sou rapariga, vêem-me como rapariga, sinto-me rapaz. Sou rapaz, Vêem-me como rapariga, sinto-me...etc. Tal é o dilema de Marquito (estes diminutivos são mesmo calorosos) depois disto a ameaça e a violência, que são o prato costumeiro de reacção à diferença e, a ciência, que pode apaziguar e esclarecer mas não resolve. A ver.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

para esquecer


ir buscar alguém ao aeroporto de carro, em dia de jogo na Luz é como tentar suster a respiração debaixo d'água, fica-se estafado sem qualquer resultado prático. é um teste demasiado duro, acho que tive várias recaídas, insultei, yeee, não há como não insultar, até o Apóstolo Paulo insultaria. só não levei com uma murraça porque pus o cachecol do Benfica, nunca se sabe. Aposto que esta paixão portuguesa por coisas muito grandes, muito juntas, ainda nos vai fazer mudar os jogos para Alcochete ou para a Ota, se nesse tempo ainda estivermos na Taça dos Campeões Europeus e se ainda houver futebol... Cronologicamente falando se ao Salazar devemos o casamento dos três FÊS : FÁTIMA , FUTEBOL E FADO, devemos a quem os três BÊS: BENFICA, BONÉS e aBIÕES?

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

abertas

Dia de pão, por Deus. Esta expressão quereria dizer: dai de comer, hoje, a quem tem fome. Fazei-o por Deus. Não o façais por teus irmãos, nem perguntes qual o desígnio, esse, o desígnio, só a Deus pertence, fazei-o simplesmente.
Começaram às 10h a tocar à campainha. São daqui, crianças do bairro, alguns traziam um saco de pano e abriam-no à minha frente, e, ali no hall de entrada do prédio moderno, onde as luzes acendem com a presença dos corpos mesmo de dia, ouvi o tilintar das moedas pretas e o muito obrigada nos sorrisos e senti que era bom começar o dia assim, dando a quem pede.
Fotografia de Cristina Garcia Romero

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

estado de coisas

a minha impressão espúria sobre o irreversível envelhecimento da Europa confirma-se no casal à minha frente. ele de pé envia um MSN, ela, sentada, com a criança ao colo. a criança, meio adormecida, vai engolindo o sumo que a mãe lhe dá e mastigando o hambúrguer devagar. São 10h30 da noite no centro comercial dos subúrbios. No amplo espaço do serviço de restaurantes, há ainda muitas mesas ocupadas apesar de ser um dia de semana, os écrans gigantes debitam a novela da SIC, Laços de sangue. A criança não quer mais hambúrguer e a mãe põe a criança no chão e o lixo no contentor. O casal deve rondar os 30. Ambos com ar estafado e tristonho, parecem estar há muito fora de casa. Daqui a poucas horas terão de estar todos de pé, novamente, não serão muitas as horas de sono. Pergunto-me quem, no seu perfeito juízo, quererá ter filhos nesta situação de trabalho até à medula, sem horário definido, e com o espantalho da competição e do desemprego nos calcanhares? Quem quer ir buscar a criança ao infantário ao começo da noite ou, no melhor dos casos, fim da tarde, depois de saber que ela lá está há oito horas? Quem quer chegar a casa e fazer jantar, loiça e todos os dias o mesmo? Fim de semana, tratar da roupa, fazer compras. Quem quer uma merda de vida destas? Que sentido tem uma sociedade que não deixa espaço para a respiração familiar? Que não cuida do futuro? Depois admiram-se da Europa estar a envelhecer. Só pode.

domingo, 24 de outubro de 2010

word is out



Word is out é um documentário americano de 1978, o primeiro do género, são 26 testemunhos de pessoas que contam a sua experiência da sexualidade homo numa época em que o assunto era escondido como se não existisse. O que ressalta nestes testemunho é a diversidade de experiências e de atitudes face ao facto incontornável de cada um deles descobrir que amava pessoas do seu sexo. Desde os que se organizaram em sociedades secretas em busca de um pouco de apoio, aos que a viveram silenciosamente tentando apagar a pulsão que sentiam e levando a vida normal, casando e tendo filhos, até à impossibilidade de o fazerem sem o sacrifício de si mesmos e dos outros, aos que se sujeitaram a terríveis tratamentos de choque sem qualquer resultado prático. Todos eles falam com um brilho no olhar, como se todo o sofrimento por que passaram não tivesse alterado um milímetro o gosto de estarem vivos, sem ódio, sem ressentimento. As atitudes são díspares mas têm em comum a inteligência e a compreensão de que não pode haver juízos morais face a factos, claros e inequívocos. O modo como essa verdade se inscreve no seu sorriso de aceitação, demonstra a íncrivel vitalidade das suas convicções e das suas personalidades, a força positiva que emana do seu discurso e da sua postura é absolutamente essencial para desmistificar esse mundo que continua a aparecer-nos distorcido pela escandaleira e pelo voyeurismo social e mediático.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

divagações a propósito da Arte

estava a pensar no que será a Boa Literatura, o que serão Bons Escritores. a questão da apreciação da Arte, em geral, passa por uma definição mais ou menos aceite de Arte, tal coisa, contudo, não existe. portanto se não poderemos partir de uma definição universal de Arte, não poderemos ter um padrão comparativo através do qual possamos julgar se tal livro é Arte. Mas será que ser Arte e ser Boa Arte é o mesmo? Arte será um substantivo ou um adjectivo, será o nome dado a certos objectos, com determinadas características, ou será uma qualificação desses objectos? Exemplo. O urinol de Deschamps. é um urinol. mas é Arte porque sendo um urinol não é isso que o define. O que o define é ser um objecto artístico. Uma obra de Lobo Antunes. um livro, é Arte por ser um livro de literatura, convencionalmente considerada uma das Artes. mas será Arte se dentro da literatura for má literatura? Haverá tal coisa de "Más obras de Arte"? Como se o termo Arte encerrasse já uma qualificação que confere ao objecto um certo estatuto, assim, nesta perspectiva o objecto seria qualificado de Arte, não por ser de literatura mas por ser único, autêntico, bom. portanto nem toda a literatura seria Arte, mas somente aquela cuja apreciação, de um grupo de críticos ou do público em geral, assim o determinasse. Isto é Arte. Seria um juízo de valor. Não teria um carácter objectivo, logo, não haveria unanimidade. Um livro do Lobo Antunes poderá ser Arte para alguns, para outros não, porque não o apreciam. Todavia esta conclusão não nos satisfaz, vemos claramente que há certas características objectivas que separam por exemplo uma peça musical de Beethoven, dos discos do Tony Carreira. Que mesmo alguém apreciando muito Tony Carreira e não apreciando Beethoven, não poderá afirmar com legitimidade, ser o primeiro Arte e o segundo não, pela simples razão de que há unanimidade acerca das peças de Beethoven. Aqui estas peças superam os juízos de valor. A 9ªa Sinfonia é Arte. É um juízo de facto. Não merece controvérsia. Poderíamos então conceptualizar as qualidades da 9ª Sinfonia e teríamos um definição universal de Arte. Só que as qualidades que fazem com que determinado objecto seja Arte não são as mesmas de outro. Mas se a questão está parcialmnete resolvida para certas obras, porque não está para todas? Se considerarmos ainda que hoje a Arte que gera unanimidade é má, e que a boa Arte é provocadora do status e gera anti-corpos, então a confusão ainda é maior.
Há o factor tempo aqui a fazer o papel do juíz. Submeta-se a obra ao tempo. Aqui ninguém é juíz em casa alheia. Nem o artista pode saber se vai sobreviver, nem nós, público, excepção feita a certos Artistas como o Lobo Antunes que sabem. Ponto final. Como sabem? Porque não produzem livros, mas Arte, neles, em vida já foi reconhecido o poder mediúnico dado a deuses e semi-deuses e aos génios literários. Ora aqui é que me parece estar o nó, um livro é um objecto cujo desígnio não é ser Arte, cujo desígnio é outro, contar uma história, ser testemunho de um acontecimento, expressar um sentimento etc. Esse é o propósito, por isso é que certas obras nos soam mal, porque nelas vemos o artista a tentar fazer Arte, vemos a inutilidade de toda aquela formalização que nos maça, uma espécie de carrocel que não quer chegar a lado algum, o artista encantado com a sua genialidade, com o toque divino. O Lobo Antunes e o do Livro (a pretensão é espantosa) são assim. O Saramago não era assim, tinha a mestria do artífice na relização da tarefa de artífice, mero homem fazedor, não artista, o Techiné, disse que gostava de ter encomendas e o Billy Wilder, o Ford diziam limitar-se a fazer fitas para entreter.Mas alguns acham-se tocados do poder divino de dar de beber a quem tem sede e adivinhar o futuro.
A propósito: Os textos desta senhora aqui, não têm o desígnio de ser Arte, mas a qualidade que têm eleva-os à categoria)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

segmentos de recta

neste mundo de Orçamento de Estado haverá tempo para outras vozes que não sejam lamúrias? outras vozes sem teatradas? Voto, não voto, passa, não passa? O discurso político, embaraça-nos, meus senhores. vamos nós de coração nas mãos, tontas, atrasadas para o bendito trabalho e em vez de uma musiquinha louca, uma diatribe cómica, uns parodiantes de Lisboa, (valha-nos o Portugalex), temos de ouvir variações infinitas do mesmo.agora não há nada a fazer, não batam mais! há quem pense, eu sou uma delas, que ninguém confia nesses políticos de meia tigela que se põem em bicos de pés por umas luzinhas de ribalta. A verdade é que deviam ter previsto o descalabro antes dele nos rebentar as mãos! Façam-nos o obséquio: Mudem ou deixem-nos! Tenho esta maldita impressão que a água correrá do mesmo modo, os job for de boys, as empreitadas, os investimentos e a banca governam, governarão. Os políticos falam.

Acelero o carro quando se mete conversa para o endividamento das famílias, e neste empreendorismo de cordel, as greves em França e o imposto europeu, tudo bem "shecado" dá um só coqueteile: a Europa tem boas maneiras e bons literatos mas está metida num capitalismo corruscante e vazio, para o qual homens são força de trabalho e os novos, a força, são poucos para pagar a factura dos velhos,que são muitos. para desanuviar tem de competir com uma China básica, vagamente histérica mas que tem a seu favor MASSA. ora a massa é a massa, seja em que sentido for, contra factos não há argumentos. A vista alcança o lado de lá, a Costa da Caparica e recordo a famosa e erudita frase tão oportunamente repetida no "Conversa na Catedral" Onde é que nos fo.....??Hein?!

domingo, 17 de outubro de 2010

uma coisinha e uma grandeza, para assinalar a semana




1.nega
alvalade. sexta. 23h.30m da noite. noite cálida de Outono. todas as esplanadas fechadas, e no entanto ali perto há sessões de cinema a acabar às 24h, gente sequiosa por uma imperial, uma bifana. nas ruas desertas voam papeis, um tipo grande e solitário aproxima-se para pedir um cigarro, a chusma que saiu do cinema rumou a outras paragens porque estas por aqui não auguram nada de reconfortante. lisboa é cada vez mais uma cidade onde há pólos de vida nocturna intensa e outros completamente mortos. uma cidade onde parece que a vida vem de fora, trancam-se em casa os locatários, ficam por lá, e as ruas estão desertas. estamos a falar da capital de um império falido, mas mesmo assim não faz sentido. acabrunharmo-nos agora, justamente agora que era preciso um golpe de asa...



2. Excelente:

Situação épica no chile. épico o chile. épica a humanidade. não interessa o que custou. A famosa frase " A vida humana não tem preço" esvaziada à força de repetida apenas da boca para fora, ganhou novo fôlego, rabiou no ar. os homens, às vezes, estão mesmo à altura dos desafios. Que vivam os operários! Que vivam os engenheiros! Que vivam os gajos que tornam estes milagres possíveis!

terça-feira, 12 de outubro de 2010

do prazer

Tenho muitas vezes um problema: tentar conciliar o que sou de uma forma natural com o que penso. há certamente um instinto natural para o prazer e há por outro lado uma educação e um chamamento para não lhe ceder e a culpa se o fizermos. no meio-termo, na recusa do excesso do prazer, parece residir a virtude. procurá-lo na justa medida embora ninguém saiba em que consiste "a justa medida". A virtude surge como o meio de ultrapassar racionalmente a carência de prazer, porque a carência é dor e esta infelicidade. Haverá um certo prazer na virtude.Maybe. Mas não será maior prazer desviar-se da virtude? Sempre me fizeram impressão aqueles que dizem, e são muitos, que o trabalho lhes dá prazer e que muito tempo sem nada fazer perturba e entedia. fico confundida. prazer e trabalho parecem-me pólos belicosos porque o trabalho é exactamente o que fazemos para poder ter alguns momentos de prazer. Por exemplo: trabalho para poder ir ao cinema, mergulhar nas água mornas de uma praia, conhecer sítios que nunca vi. Descubro a força do capital nesta enumeração. Estar na conversa com amigos, ler livros, pensar, o prazer não tem de ser pago. não pode. mas cada vez mais há uma certa forma de o vender, como se vende roupa. A questão é epicurista: liberdade , amigos, gente como nós. o problema é que no nosso percurso individualista não temos gente como nós e desviamos a necessidade de ter amigos para a necessidade de estar ocupado. preferimos investir no trabalho a investir nos amigos. Depois há a liberdade que o trabalho não dá.chocalha-nos um guizo de diabrete quando nela pensamos, uma posição horizontal e um vernáculo na língua.

domingo, 10 de outubro de 2010

doclisboa

Aí está uma nova edição do doclisboa, (é por estas e por outras que é bom viver perto de Lisboa). Temos "à mão" documentários impressionantes. Alguns exemplos: há dois anos, passou um sobre uma casa em Paris (pós 2ª guerra) onde habitavam famílias de judeus exilados, o seu sentido de comunidade, as trocas, a ajuda, a alegria apesar da pobreza e da difícil situação. Ainda um outro sobre uma comunidade de famílias egípcias no Cairo que habitavam o cemitério e faziam dos túmulos casas de habitação. Chamava-se a Cidade dos mortos. Outro ainda com uma câmara oculta relatava as consultas de um médico de clínica geral numa vilazita de província, as situações que por lá passavam eram no mínimo caricatas, trágicas ou apenas risíveis. É surpreendente o papel do médico em determinados lugares, as suas funções ultrapassavam largamente a prescrição de medicamentos e o dianóstico. Só boas surpresas. Este ano o cartaz é também muito bom. A não perder.

sábado, 9 de outubro de 2010

LA PASIÓN

Salimos del amor
como de una catástrofe aérea
Habíamos perdido la ropa
los papeles
a mí me faltaba un diente
y a ti la noción del tiempo
Era un año largo como un siglo
o un siglo corto como un día?
Por los muebles
por la casa
despojos rotos:
vasos fotos libros deshojados
Éramos los sobrevivientes
de un derrumbe
de un volcán
de las aguas arrebatadas
y nos despedimos con la vaga sensación
de haber sobrevivido
aunque no sabíamos para qué.


Cristina Peri Rossi

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

prefiro o Joseph ao Philip

Os escritores vivos precisam comer, comem da escrita, são profissionais do ofício.Os direitos de autor de um escritor vivo e famoso são uma barbaridade, os direitos dos escritores mortos há anos, nem por isso, daí as editoras rentabilizarem o investimento feito com a promoção. o marketing. Temos também os prémios e o facto de morrerem novos, como o Bolano e o Larsson. Mas veja-se por exemplo, Roth, Philip Roth. Entrevistas, fotos, reportagens, opiniões, críticas. os "gajos" são como as novelas, a toda a hora,em todo o lado, familiares, mais até que primos, gente de braço dado, grandes escritores acessíveis. É o isco. Neste momento o protagonista é o José Luís Peixoto, não há mais nenhum como ele, confesso, não aguento três linhas daquela escrita a"olhar para o espelho" e a fazer malabarismos. Em cada linha leio:"olhem com'eu sou bom escritor!!" Sorry dizer-te: "Não és, garanto-te que não, mas tens mulher e filhos e quem vive só do ofício, à conta de ter boa pinta, tem de vender senão morre à fome!" Agradece ao teu editor!!O marketing livreiro funciona, pena que seja com os objectos errados.


Porque não podemos comprar o Joseph em vez do Philip? O primeiro nasce 50 anos antes, também judeu, naquele caldo Austro-húngaro da 1ª guerra mundial, jornalista, pobre e bêbado mas fulgurante, não se compreende a dificuldade para comprar um livro seu. "A Marcha de Radetzky", a sua obra-prima, não existe, pura e simplesmente (foi editado no Brasil e está esgotado). Podemos encontrar na Assírio e Alvim " A Lenda do Santo Bebedor" e é de ler. Ficamos com um "piqueno" excerto do Hotel Savoy:


"sou um egoísta", disse eu, "um verdadeiro egoísta". "Isso é uma palavra culta", repreendeu-me Zvonimir. "Todas as palavras cultas são uma vergonha. Em linguagem simples tu não podias dizer um horror desses." p.62

temos na fotografia o Joseph a apanhar o comboio, algures nos anos 30

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

o estado de algumas coisas

Os efeitos da crise, o espectro da recessão, da austeridade e da fragilidade dos empregos, já tem implicações práticas, faz-nos sentir medo, medo de errar porque os erros associados a frases ou acções mais arriscadas que têm o poder de nos fazer sentir vivos, livres e criativos, podem custar-nos caro. exemplo: para poupar dinheiro levo o computador avariado a um centro comercial longe, carrego com ele para o carro em vez de chamar a casa um "mecânico de informática", na precipitação deixo que as chaves se envolvam no computador porque já estou atrasada, efeito: ficam as chaves no porta-bagagem e o carro fechado. Chamo um táxi, para não faltar ao emprego, aviso, quando chego uma colega já ocupou o meu lugar, indiferente ao meu acidente considera que iniciou a aula de substituição e não vai de lá sair. resultado catastrófico: tenho falta, zango-me com a colega e ainda derreto 20 euros no táxi.A crise faz-nos ser agarrados. junkies da prestação funcional, obedientes à norma e vigilantes cegos do nosso percurso e interesse.Não é bonito, não senhora, mais ainda; torna-se perigoso porque nos torna cães uns para os outros e facilmente manipuláveis por "superiores", aos olhos dos quais, independentemente do valor do que fazemos e do que somos, queremos estar bem vistos. Esta tendência, só por si, sem daí retirar as devidas consequências, (óbvias para quem pense em regimes totalitaristas) é responsável pelo esmagamento das liberdades individuais.
Fotografia: Jacques Henri Lartigue

domingo, 3 de outubro de 2010

coisas da vida

Surpreende-me a dificuldade (eufemismo de incapacidade) que muito boa gente tem de confessar um fracasso, assumir uma derrota, um desaire, uma impotência, seja ela qual for, é tudo gente excelente e com excelentes resultados, como uma voz colectiva que fala por todos e com eco repetido, num mundo de heróis, como dizia o Pessoa: "não conheço ninguém que tenha levado porrada", "os meus conhecidos são campeões em tudo" e eu, eu "tantas vezes vil " "irrespondivelmente parasita", "indesculpavelmente sujo". Estas palavras no poeta que transcendeu a vil matéria anónima, transformam a vileza mais mesquinha em sublime consciência, mas numa tipa com gravidade q.b, olheirenta e normal, quero dizer, sem traço distintivo ou aparência fulminante, é só queixa, e todos fugimos das queixas como do vírus da gripe, esforçamo-nos muito por ser gente bem sucedida e com um sorriso na cara. o resto é restolho, coisa cinza que embaraça e corrói. percebe-se então o corrupio a psiquiatras, psicólogos e outras sumidades nos tratamentos das almas adoentadas, (nós por cá temos muitas), é que toda a gente secretamente e só ao abrigo de um contrato confessional rigoroso, deseja desmanchar-se e dizer toda a verdade que lhe entope a garganta, sim, fui enganada, sim enganei-me, sim fiz um erro grosseiro, sim gozaram comigo, sim, ignoraram-me, sim não faço a mínima do que se passa mas estou triste e pesada e um farrapo e....ai se eu tivesse uns dinheiritos a mais... enterrava-o todinho no divã de um psicanalista, e ficava por lá, há tanta coisa por resolver, tanta para falar, mas não me posso dar ao luxo, ou ao vício, não sei bem, se os dois se um deles, porque das duas uma: ou estas queixas e desabafos vão saindo para alguém, ou viram letra de música e faz-se poesia, ou então se não nos calhou nem pinga de talento, o melhor é começar a juntar dinheiro para as consultas senão desabamos a chorar só porque o semáforo virou vermelho, justamente no momento em que íamos a passar.
Fotografia de August Sander

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

outra banda

não sei como é o mundo, não sei tal como ele é, não adianta reconhecer os rumores e afastar-me das listas de palavras que perdem a magia, procurar as que ressuscitam as pedras, as que nunca ouvimos porque não se dizem. não há ouvidos ou cansaram, desbotaram, também não sei como vim aqui parar, há a estranheza dos números no mundo pequenino, 24.000 milhões. déficit. salário. recordo o autocarro que me levava às 6 horas da manhã de Benfica para o barco do Barreiro, o sol nascente reflectido nas torres das Amoreiras, discutíamos se eram belas ou inúteis as torres das Amoreiras, enternecia-me a lancheira dos operários que se sentavam ao meu lado no autocarro. o salário existia, a crise era um rancho de pássaros. era. não acredito que essa qualquer coisa que neste momento ganha, possa ganhar de facto. essa qualquer coisa que insiste em cair. essa que fala sem se calar. tenho saudade de um barco, da proa de um barco fendendo as ondas, acredito na boa vontade.é pueril. sei. as virtudes não se apagam pela opacidade do presente, no esgravatar oficioso, somos todos operários.ponto. não somos funcionários.
Imagem: "Operários" de Tarsila do Amaral

terça-feira, 28 de setembro de 2010

a gaivota, ou quem não se tornou, pelo menos uma vez, repetitivo?


ainda "A gaivota" e o desencontro


1ª CENA 1º ACTO


Medvédenko: Porque anda sempre de negro?

Macha: Estou de luto por mim própria. Sou muito infeliz.

Medvédenko: Porquê? (Pensativo) Não compreendo. Tem saúde, o seu pai não é rico mas vive sem dificuldades. A minha vida é bem mais dura que a sua. Não ganho senão 13 rublos por mês sobre os quais me descontam um tanto para a reforma, e não ponho luto por isso...

(sentam-se)

Macha: O dinheiro não tem importância. Um homem pobre, pode ser feliz.

Medvédenko: Teoricamente mas na prática...tenho à minha guarda a minha mãe, duas irmãs, um irmãozinho, eu próprio... e apenas 13 rublos...Havemos de comer não é verdade? O chá, o acúcar são necessários. O tabaco é preciso! Experimente pôr-se na minha situação.

Macha: O espectáculo está quase a começar.

Medvédenko: É verdade. Com uma peça de Constantino Gravilovitch e a participação de Nina Zaretchnaia. Estão apaixonados um pelo outro e hoje, as suas almas vão-se unir no desejo de oferecer uma só imagem dramática. Enquanto a sua alma e a minha nada têm em comum. Amo-a, a nostalgia afasta-me de casa. Faço todos os dias 6 verstas para vir aqui outras tantas para voltar e não encontro da sua parte senão indiferença. É compreensível. Não tenho meios de fortuna, não pertenço a uma grande família. Quem quererá casar com um homem que nem sequer tem comer para si?

Macha: (Toma uma pitada de rapé) O seu amor sensibiliza-me mas não posso corresponder-lhe, mais nada.
abre assim a peça. estão ali sentadas duas pessoas, uma declara o seu amor e as contas a pagar, a outra projecta-se num futuro, num espectáculo que irá começar e do qual ela não é senão espectadora. ambos espectadores. nós como eles.espectadores. os protagonistas irão ser aqueles para quem nada é solúvel, é tudo irremediável, vibra e parte, não esperam mas são esperados.

domingo, 26 de setembro de 2010

a gaivota, again



não vou resistir à tentação de apanhar o comboio e desaguar no S. João para assistir a umas quantas horas de recriação da peça mais bela. nem sei porque estou tão apaixonada por este texto, mas estou, mesmo.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

para interromper o amor

De um modo geral não gosto dessa escrita "light" do pessoal da madeixa ao vento, com montes no alentejo, jeeps, uma bolanda constante de amores cama e sexo bom mau e assim-assim. faz-me lembrar a continuação das músicas do Tony Carreira, há só "mins" e "tis", nada que faça eriçar os pêlos dos braços, coisa cool essa de escrever livros desabridos- não gosto da moda, não é nada pessoal como agora se diz muito, (quando em geral quase tudo se passa entre as pessoas e mais nada). mas este livro... folheei-o numa livraria do centro comercial na pausa do almoço, comprei-o por causa de uma passagem e devorei-o até ao fim da tarde, (este tempo abençoado de poder ler livros de fio a pavio entre o remoínho das ondas), então..."sabes como são as coisas, as pessoas podem envolver-se por causa de uma fatalidade, uma frase, uma perdição, um copo que toca no outro, uma luz muito azul,insectos que voam na varanda."A voracidade, das relações e também a consciência lúcida do encantamento como o vôo das borboletas, efémero mas trágico: " Se tens vontade, se tens o quê, se tens medo, se já sentiste tanto por alguém, se sabes o que queres, como queres, onde queres, se achas que vais sobreviver bem, se achas que estás capaz de morrer porque se morre sempre, se vais comer-me com os olhos, os teus olhos nos meus olhos,se vai ser tudo finalmente,se vai ser tudo de repente, se vai ser tudo com calma, se vai ser. Se me adoras, se te faço rir, se te faço gozar, se me queres, quanto queres, se sou o que tu queres agora. Eu e mais ninguém.Na tua cabeça, na tua boca,nas tuas mãos..." talvez porque é uma mulher a falar do amor com outra mulher e talvez isso, só por si, seja terrivelmente sedutor. É forçosa a criação de uma outra linguagem porque a velha não lida bem com este tema. Havia um escritor (hei-de lembrar-me de quem) reclamando que entre mulheres a narrativa não era possível porque elas entopiam a narrativa, este é um caso para testar essa orquestra que foi fantasma e ganha corpo.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

sábado, 18 de setembro de 2010

os lugares naturais



Os lugares. O que faz com que alguns sejam irreconhecíveis enquanto outros poderiam ser qualquer lugar? a natureza é a mesma, mudam os costumes dos homens, as suas filosofias e mercadorias. de onde são as imagens?, as árvores, os relvados, são de nenhum e de todos os lugares, mas há cidades que se apartam deles. Poderia ser a primeira imagem de Lisboa? acho que não. porquê? Lisboa não tem lugares naturais, os que há são dentro das casas, com vidros e pertencem a alguém, estão cercados e não é reconfortante, não, quanto à generosidade da natureza é outra coisa, tem sininhos e respira connosco, um grande suspiro (hoje sinto-me edificante, construtiva, socialista! mas habitualmente sinto-me deprimida, preocupada, anarquista, acho que isso é natural)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

portimão


Ponto da situação: a sul respira-se bem, há uma de luz mediterrânica com cheiro de algas, uma quietude repousante e as gaivotas não são ameaçadoras.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

prendam os tipos e acabe-se a chinfrineira

O caso Casa Pia:
1. Lançam os pedófilos apelo à praça pública para se defenderem quando tiveram 5 anos em tribunal com os melhores advogados para o fazer. Que quer isto dizer? que a justiça pública é mais justa? se os largassem sem escolta e sem medo das penalizações alguém lhes limparia o cebo.É por causa da justiça que temos que estão vivos e bem de saúde. Mas estamos todos fartinhos dessa escória, sobretudo do Sr Carlos Cruz.Para além de culpado de um crime provado, em vez de preso como seria de justiça, não,o Senhor ainda goza com o estado de direito e a TV dá-lhe cobertura. Lança a suspeita, todos somos suspeitos, e se fosses enfiar esse argumento no sítio onde....cala-te boca!The show must go on! Tenham vergonha! Ó Fátima, tu vai mas é regar as plantas lá de casa e ajeitar o naperon!!
2. O Marinho Peres devia ser internato num hospital destinado aos que sofrem de diarreia mental. Serve bem a causa dos advogados...serve tudo para ter protagonismo, não sabe nada do processo mas acha coisas, acha (como quem vai à praia apanhar sol e na areia, por acaso, acha um berlinde) entretanto crescem-lhe as unhas dos pés e aparece garboso na TV. Internado e sem pensão de alimentos!
3. Os tribunais com tanta confusão tremem das cruzes, é muita gente a gritar ao mesmo tempo, interne-se a televisão e os jornais tenham aulas de ética. liberdade não quer dizer que vale tudo e todas as opiniões se equivalem. ou se é assim, ponham lá a ucraniana da fachina como bastonária da ordem e promovam a juíz o Cristiano Ronaldo. (estava a pensar que talvez o Luisão, defesa e coisa e tal...)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Berlim. as fotografias ficaram expostas, a máquina pregou-me partidas, as Nikon, Canon, os flashs a disparar,são just device para ajudar a reter na memória o que a memória não retém ou porque não lhe apetece ou considera puro entulho, mas, como todo o mecanismo, olhado com confiança primitiva e sem apoio logístico, encrava. não, nem é sobre isso que quero falar, tal como o pardal também me sentei na esplanada a deitar migalhas e diferente dele imaginei que no futuro muitas cidades serão como esta, ao centro, onde foi terra de ninguém, terreno baldio entre muros, ergue-se um labirinto de vidro, equivalerá pensar se o sentimos como racionalmente vemos, segurança e força. Berlim é uma cidade racional, no que racional tem de belo, equilibrado, eficaz, funcional. Apagada a memória da divisão mais que a da guerra, ambas de qualquer modo, pequenos sinais remotos para entreter turistas, sobrevive nela uma das muitas metáforas da liberdade: capacidade de nascer, de começar de novo, desprendendo-se do passado. liberdade como capacidade efectiva de mudar, não sonho de passado, projecto de futuro. Gostei das pernas ágeis dos homens e mulheres a pedalar, da sua leveza, da velocidade dos corpos deslizando. quis ficar. alugar um quartito, começar. adorei a chuva no último dia e a simpatia, a simpatia constante. não voltarei a Berlim ou, talvez não volte, mas despedir-se sempre foi uma forma de prolongar a emoção.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010


Lisboa, 38 Graus, é penoso dar a volta ao quarteirão. o povo lança-se na correria do banho refrescante e queda-se aos magotes nos areais da outra banda, ou na de cá, um pouco mais a oeste, até à noite e depois dela.

quinta-feira, 29 de julho de 2010


Bem, vou a banhos, deixo-vos com as gaivotas...

domingo, 25 de julho de 2010

um blogue é uma espécie de diário com novos meios técnicos de suporte e divulgação. a qualidade do que escrevemos e as escolhas que fazemos não são independentes do meio. a verdade é que podemos escrever um diário para milhares de pessoas (em potência) ler, isso não nos afecta porque de facto escrevemos para alguém, alguém mais imaginado que real, alguém no limbo da nossa misteriosa vontade.contrariando um pouco a essência dos diários adolescentes de serem tão íntimos, tão íntimos que ninguém, nem a melhor amiga, poderia descobrir. quando se escreve um diário da nossa pequenina vida para (em potência) milhares de pessoas, ou de facto para alguém, não podemos fugir a uma certa pose, a uma certa imagem do que se deve, pode ou não deve ou não pode escrever. de um modo prático damo-nos à censura. mas a censura é tão pessoal, revela-nos tanto como os textos que escrevemos para nós próprios. talvez haja uma pinta egocêntrica mas não é determinante, determinante será a vontade de comunicar, de dizer, de contar, de prender por palavras a voracidade do tempo dando-lhe um certo sentido, uma certa ordem, esperando talvez uma revelação, uma revelação que as palavras em cifra, acumuladas ao sabor dos dias por teimosa permanência, nos permita encontrar.
foto: Raymond Depardon

quinta-feira, 22 de julho de 2010



E ao anoitecer

e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia

AlBerto

segunda-feira, 19 de julho de 2010

As sombras na luz da manhã, linhas expectantes, o marulhar ainda muito solitário do mar, a neblina da noite, relutante, abrindo no azul do céu manchas de distância, mitos de ilhas perdidas bailando na nesga ainda adormecida dos olhos, o cerco das coisas sentidas, as pontas da rocha, os passos virgens, a súbita generosidade do mar, novo, mais uma vez, as algas abrindo caminho à força nas narinas, a sede, da manhã, a sede que tudo possa ser gravado, que nada se desperdice.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

há muitas coisas que ganharam um novo valor diorético ou terapêutico, o valor catártico: assim: a arte tem valor porque é catártica, a dança também, a ginástica, a conversa, o sexo, os diários, os blogues, ir à praça, ouvir música, comer chocolates, roer as unhas, fumar, "yogar", enfim ,dentro do saco está uma infinitude de atitudes, gestos, hábitos, práticas, etc. A coisa catártica é assim absolutamente vital e plural. Comungo. Tenho um imenso amor às minhas catarsezinhas, pequenas e redondinhas, razoavelmete correctas. O meu cigarro, a minha natação, os meus discursos indignados em prol da igualdade. Aristóteles falava do efeito catártico das tragédias, nelas o herói era sublime e também heroicamente castigado pela hybris. O efeito catártico estaria nisto, por maior que fosse a nossa dor individual, um outro com o qual todos nos identificávamos tinha uma dor maior, incomensuravelmente maior e sem esperança, libertavamo-nos assim da nossa dor individual por um efeito de empatia para com a dor do outro. Interessante verificar que hoje o efeito catártico é obtido em actividades razoavelmente solipsistas e relaxantes, ao contrário da tensão suprema sentida por mor da participação na tragédia. Tensão/empatia, Distensão/ Nenhuma empatia. Assim poderia ser equacionado o problema. Daí, considerariamos catártico o que é incontrolável e nos dá prazer, numa espécie de selvageria egocêntrica. Arrrrr, mas a coisa dantes funcionava através do outro. a tensão era vivida por nós face ao outro. Os estudos americanos que dão a empatia como um comportamento em extinção nas novas gerações são preocupantes but... just look around.

domingo, 11 de julho de 2010

a rapariga abordou-nos à mesa, a meio das sardinhas. continuámos a comer. mostrou uns saquinhos com uns artefactos, colares e pulseiras, e percebi logo mesmo sem lhe ver a cara, talvez pelo tom de voz, que era a Teresa. Os colares que vendia eram toscos, mas avancei temerária para o primeiro, antes que ela me reconhecesse, queria despachar aquele mal estar. A Teresa abandonou o 10º Ano quando ficou grávida, foi sempre maltratada pelos colegas porque era fala barato e mentia muito, inventava. a vida dela não tinha sido fácil mas vè-la assim, quase a mendigar, com trinta anos, custou. tive medo que me reconhecesse, da última vez tinha inventado uma história qualquer de um emprego bem pago na TAP, e agora teria de admitir que era treta. mendigar a estranhos não faz mossa mas a gente conhecida é humilhante, acho eu, se calhar não é. Bom, a tarde de sábado.
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Fotografia de Anders Petersen

quinta-feira, 8 de julho de 2010



Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
Vinicius de Moraes

segunda-feira, 5 de julho de 2010

tudo o que é sólido: o mármore, o granito, as linhas verticais. tudo o que é fluído: as disposições, os sentimentos, as convicções, o tempo desgasta e anima. tem assim, o tempo, duas tarefas para diminuir as diferenças: tornar o sólido, fluido e o fluido, irremediável. ao almoço, domingo, no centro comercial, um ensurdecedor ruído de fundo, dois velhotes comem sem dizer nada. ele, cabelo ralo, colado com brilhantina ou suor, vermelho, ela míope com os seus braços largos, flácidos, sobre a mesa, leva o garfo à boca. ele acaba um arroz de marisco aguado, levanta-se e vai embora. ela fica a olhar em frente, a maleta a tiracolo "se ficarmos em casa estamos sozinhos, assim vemos gente" diz, ansiosa por conversa. "ele faz sempre isto" "levanta-se e vai para casa, daqui a um bocado volta para me vir buscar" "para que casei eu? estou tão sozinha como quando era solteira!" Ao fim da tarde, no meio da avenida, dois jovens abraçam-se e beijam-se furiosamente. entre eles há apenas os anos, só o tempo, nada de sólido.
fotografia de August Sander

sexta-feira, 2 de julho de 2010


Quero revoltar-me contra o capitalismo desbragado e sem limites!


Dizem.nos, estas mentes de gravata que povoam os telejornais, que tudo se vende e tudo se compra, tudo tem um valor de mercado, nada está acima do capital, pois anda tudo amalucado com o dinheiro, desculpem-me a afasia, em terra de galos de capoeira convém chamar o dono, como dizia Kant, tudo tem um preço menos a dignidade, a dignidade não tem preço no mercado de acções porque o seu valor é intrínseco não pode ser substituído por outro. neste caso da conversa das empresas, já não é só portuguesa a PT mas sabe-nos bem crer que sim, fomos nós que a ajudámos a crescer, e sabe-nos bem sentir que o governo também crê que sim, é uma questão de dignidade e aí o discurso capitalista é só oco e repetitivo.
fotografia de Christopher Anderson

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Ana Carolina no festival Delta Tejo



É no Sábado, a não perder."Pegue o vestido estampado, guarde para um carnaval" bem, adoro este tema...

domingo, 27 de junho de 2010

Rapunzel

Comecei um atelier de escrita criativa e ilustração a meias com uma colega de artes. Planeámos uma viagem pelas histórias tradicionais e na passada quinta feira foi a vez da Rapunzel, como todas estas histórias cuja origem é provavelmente oral, as versões são diferentes umas das outras mas há certos acontecimentos que se mantêm e, pela sua persistência podemos inferir que são mesmo os traços essenciais da história. Em todos as versões se mantém o modo como Rapunzel vai parar às mãos da Bruxa. Tudo começa com a esterilidade dos pais da futura Rapunzel, anseiam muito um filho, até que um dia por milagre isso acontece, mas em vez de ficarem sossegados e felizes, a futura mãe deseja desmesuradamente as alfaces, espinafres ou raponzos (consoante a versão)do quintal do lado. À beira da morte por inanição consegue comover o marido que salta o muro durante a noite e rouba os ditos legumes. Mas a mulher não fica satisfeita,a obsessão é cada vez maior e o crime do futuro pai irá continuar, até ser apanhado pela bruxa, proprietária do quintal. Incapaz de lhe dar um murro ou de negociar, aceita as suas condições e dá-lhe a filha recém-nascida em troca das alfaces roubadas.A facilidade com que cede às exigências da bruxa sem se bater, são inexplicáveis. Passemos à frente, anos mais tarde Rapunzel, encarcerada numa torre, infeliz e solitária, encontra um princípe, e parte com ele (em muitas versões fica imediatamente grávida quando o conhece...) é então proposto ao grupo que, a partir da frase :E RAPUNZEL GANHOU ASAS continue a história e oh espanto! quais as versões propostas?Pois são as seguintes: Rapunzel tinha os filhos, enlaçava-os juntamente com o marido, na sua longa trança (ficando com um peso brutal) e ia à procura dos pais para lhes perdoar. Dos pais que a tinham trocado por um punhado de alfaces ou espinafres, legumes enfim. Surpreendeu-me esta resposta, tinha outra expectativa, contava com mais ousadia por parte dos adolescentes. Uma loucurazita, não?

quinta-feira, 24 de junho de 2010

hoje, tenho uma imagem, mas não tenho palavras.

domingo, 20 de junho de 2010

SARAMAGO

Morreu José Saramago, morreu o homem mas a sua obra agora talvez seja apreciada de outro modo. A obra de um escritor, os livros escritos e por nós lidos, ganham mais autonomia depois da morte do seu autor, apreciarei melhor a sua obra depois da sua morte, sinto já que relê-lo é o meu tributo ao escritor que admirava pela coragem e pela lucidez. A familiaridade com um autor que, de algum modo, é um amigo, como nós, capaz das maiores fragilidades, parvoíces e grandezas, aproxima a escrita de uma certa vulgaridade, retira-lhe a distanciação e a neutralidade necessárias para uma apreciação livre. Um autor engrandecido por prémios e pela divulgação impar da língua portuguesa, pressiona a leitura, distorce-a, talvez ao lê-lo queiramos ver tudo aquilo que o tornou grande,presos de um certo ressentimento face a outros escritores amados que não obtiveram nenhum desses reconhecimentos. Os criadores laureados são, de algum modo, homens do sistema e, como tal, afastados do mito do escritor maldito ou incompreendido, esse pormenor/ garantia da verdadeira obra de arte estar sempre além do seu tempo, a morte do autor reconcilia-nos com a sua obra, afasta o ressentimento associado ao homem. Voltar a ler Saramago sem essa pressão é libertador e obrigatório.
Reconheço o seu valor de homem público, a sua luta, a responsabilidade cultural que sempre abraçou com seriedade e generosidade, reconheço o seu valor enquanto homem de crenças profundas, enquanto desmistificador do ofício de escritor, um escritor é um trabalhador, não um artista: "Estas paredes foram pagas com palavras" dizia, ao falar da sua casa de Lançarote. Agradeço-lhe a obra que legou a Portugal e a sua coragem de nunca fazer o que se esperava dele, "Seguir em frente" era o seu lema. Também lhe agradeço esse exemplo de liberdade.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Resolvi mudar de visual, aquele preto estava a deprimir-me e como estou a ficar meia cegueta custava-me ler, assim é mais fácil. foi só pintar paredes, a casa é a mesma.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Alfama

Alfama aprumou-se, das casas velhas a cair, das ruas sujas a cheirar a peixe e das tascas sombrias há apenas a lembrança. pintam-se as casas para o turista, as tascas viram restaurantes com esplanada e até se aprende umas coisitas de inglês. como o turista ama o pitoresco, um dia destes, em prol da causa, recriam-se as ruas nos anos 50 com varinas de canasta à cabeça, pregões, vizinhas a discutir de janela a janela, fado ao desafio pela noite fora. Compreende-se o saudosismo, as cidades estão cada vez mais impessoais, Hi-tech, marasmo de vidro e mobliário clean, gente a passar cheia de pressa. Se houvesse um beco parado no tempo onde pudessemos ver carvoarias e homens sentados num banquinho a jogar às cartas, melhor, para apaziguar a consciência, afinal ainda há gente, pensaríamos, e tudo voltaria à normalidade. O saudosismo responde ao medo do desconhecido, não sabemos como irá ser, agora que tudo se modificou, ansiamos pelo que foi, aí sim estaríamos seguros. Os portugueses dão-se bem com este sentimento, a saudade, há quem diga que inventámos a palavra, não me lembro de saudade em francês, ou mesmo a "soledad" espanhola, não tem o mesmo significado.
"Sódade" canta a Cesária com os pés calejados, balançando no seu tom triste, "Sódade da m'nha terra S. Nicolau.". A saudade dá-nos esta mania de olhar as coisas na perda, de penetrar docemente na dissolução, sem revolta, abrindo os braços à fatalidade. Não há outro sítio como Alfama para encontrar esta saudade e não é só a presença do fado, do fado que foi, porque o fado tem esta estranha forma de comemorar a sua ausência, de celebrar antecipadamente a sua morte, são também as casas, as escadinhas, a banca dos mangericos, os becos improvisados, os pormenores de arcos e balões soltando-se esfiapados ao vento. Na decência composta desta Alfama turística, adivinhamos a dissolução das velhas almas, escorregando mansas para a sombra e a embriaguês, enquanto alguém , contra sua vontade ,as engalana para a festa.

Fotografia daqui

domingo, 13 de junho de 2010

mostrar o corpo

talvez seja "bota de elástico" (onde terá vindo o raio desta expressão idiomática? ) mas esta moda modernaça de mostrar o corpinho mais as partes íntimas a toda a toda a hora e em qualquer situação causa-me uma certa náusea, aquela de que falava o Sartre, quando sentado no café, com uma bica caneta e papel, imagino, se punha a olhar em volta e via a opacidade das vestes e das expressões. diria que se vivesse no Brasil, talvez não lhe desse para escrever sobre essa espécie de tédio antecipado que deriva da súbita emergência de uma falta de sentido, talvez que para os países quentes faça sentido esse despe despe já com umas tantas bejecas e caipiras, uma boa música uma disposição para seguir embriagado em desejos, mas aqui no país de Viriato, não sei, não cola bem, parece exibição de boneco de feira, tipo olha para mim, que despudorado sou, que me estou lixando pra roupa, é uma montra de vaidades de ginásio ou de banhas de hamburguer ,coca cola e tardes mornas entre canais Zon a ver os Losts deste e doutro mundo. temos uma rigidez de costumes, ou se quiserem, uma tradição que não se dá bem com isto de andar a mostrar o rego do rabo, ou o tronco nu, no restaurante ou nas aulas ou no centro comercial, seja onde for. serei "bota de elástico" mas gosto de decoro, de um certo pudor, o pudor é infinitamente mais erótico que a barriga ao léu. dirão que o pudor é um sentimento íntimo que nada tem a ver com a forma como vestimos e concordarei, se nos vestirmos, claro, continuarei no entanto a pensar que o corpo é a nossa intimidade, expô-lo demasiado é fazer da intimidade um "out door" com luzinhas a acender e a apagar.fica tudo no mesmo plano, há só o corpo na sua imediatez, para ser visto, sem que o olhar, possa seguir desocultando-o, entrevendo ou imaginando, quando tudo se dá ao olhar, ficamos cegos, cansados de ver.há uma certa confusão modernaça entre a exaltação do corpo e a libertação sexual, a sexualidade é da intimidade ou do privado, a exaltação do corpo é público, confundi-los molesta as duas esferas, enfraquece-as ou mesmo nadifica-as, tira a graça toda, o mistério de haver corpos por dentro de coisas que os protegem, roupas.
Fotografia de Verena Grobli

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Agradeço à R a lealdade e respondo ao seu desafio:

1. Porque que é que criou um blogue e, quando o criou, tinha expectativas de que fosse popular?
Li um livro há dois anos da Fred Vargas que se chamava: “Vai e não voltes tão depressa” lá surgia um pregoeiro que tinha uma rubrica nos pregões, essa rubrica era um “obviário”. Adorei o livro, a palavra era soberba, decidi-me a pô-la em qualquer lado e foi no blogue. Criei-o pela escrita, para trocar impressões e para ser impelida a escrever.

2. Em que data exacta iniciou o blogue?
Em Novembro de 2008.

3. Nomeie 5 seguidores leais.

isto é complicado, vou nomear mais de cinco, por lealdade, e porque sim.

JPD

Distopia

Mixtu

À conversa

Ardósia azul

O corpo estremece de saudade

Catharsis

Alma gémea

Se quiserem aceitar o desafio, por favor, sejam meus convidados, estou curiosa.