segunda-feira, 12 de outubro de 2020


 

 

 

 

 

 

 

 

Sou responsável por este mundo

este que avistais aqui

de pé mas cambaleante

o mundo aligeirado da verdade

faz de conta

sangrando debaixo do telão.

Construi este mundo faz de conta

também

- sorris porque já foi escrito

o que acabo de escrever -

eco do eco reverberação 

do mesmo chocalho.

Mas atenção deixo-me conduzir 

com alguma resistência

altaneira, prevista

Normalmente dou sangue para a causa

apesar de toda a doença onde tropeço

me retirar esse direito.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Estado de espírito

 

 


 

É demasiado curta a linha que vai

da mais funda tristeza

à mais forte alegria.

Loiça somos

ocipitais

reflexos de ouro na água agitada

 imersos no azul mais ocidental

das profundezas

cismados reativos antecipados

acontecemos a todo o momento

ou acontece-nos o ar

a onda o sol

acordar rei adormecer mendigo

domingo, 12 de julho de 2020

Hoje mergulhei na água baça e muito salgada
da praia de Carcavelos
eram sete horas da tarde
(aproximadamente)
o peito branco da Rita não cabia no sotien
ou seria bikini estreito e verde demasiado verde
ela nem mergulhou porque a praia era
surdina de carros na margem
mal havia crianças
e as que havia eram proíbidas pelos pais
de fazer cócó na areia.
Acho que vou entrar na vida
(outra vez)
como quem entra numa sala repleta
de pequenos criminosos desocupados.
A propósito do poema de Fernando Pessoa que saiu este ano no exame de Português, 12ºAno...

Sofro, Lídia, do medo do destino.
A leve pedra que um momento ergue
As lisas rodas do meu carro, aterra
        Meu coração.
Tudo quanto me ameace de mudar-me
Para melhor que seja, odeio e fujo.
Deixem-me os deuses minha vida sempre
        Sem renovar
Meus dias, mas que um passe e outro passe
Ficando eu sempre quase o mesmo, indo
Para a velhice como um dia entra
        No anoitecer.

Inspiras-me Pessoa
aludes sem me nomear
tenho em minha casa todos os livros
que escreveste um dia, há muitos anos atrás
quando eras um ser vivo que
falava e respirava e tomava o pequeno almoço
antes de ir para o trabalho.
Também gosto de pensar que eras tu,
(tu ainda a outra que me inspira)
quando acordava de noite
em chamas com o calor de Verão.

sábado, 11 de julho de 2020

Gotas de absinto vermute e gin
Áleas desertas
Estátuas de pés grandes
o eu solitário e decrépito
que volta a si próprio
nas horas concretas.

Tão filho pródigo o desejo
entra na respiração, reproduz-se
destrói a passagem onde se deita
boa intenção arvoredo
inaugura por mim
a cura e o incêndio.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Estado de alma 2

















Podes contar com a tua psicologia
e com balões murchos no final da festa.
Entre coisas vãs ser-te-á prazenteiro
pontapear os dois para onde fugia
a lembrança e até afagar a lesta
imagem de um corpo parado num outeiro
verdejante de possibilidades nunca satisfeitas.
Sim, a tudo podes dar forma esguia
do desejo que erigiste antes das contas feitas.
Tomar posse de rainha perdida nas algas
e respirar de novo com a nudez do novo dia.

domingo, 12 de abril de 2020

Estado de alma 1

 Susan Meiseles

Não vejo notícias, também não quero explicar, inquietam-me as notícias, mortes e sofrimento , quando nas palavras ou nas imagens, ou ainda no não saber lento precedido de uma vacilação, todos estes infelizes momentos afastam-me, repudiam-me. Vejo comédias românticas. Il faut s'énivrer!, agradeço-te Baudelaire pela satisfação de uma carruagem a horas, uma abóbora que os meus olhos fechados nunca verão como tal, ver é não querer saber do que chamam bombardeio, a Pearl Harbour das notícias e da informação. A multiplicação de fontes de informação teve este trágico epílogo, já não o suportarmos mais. Queremos beleza sem mácula, arrepios de serenidade e o refúgio de bocados de céu azul entre prédios, mulheres belas como torres de Babel, sinuosas na leve colina por onde ocasionalmente passamos. Um vento intrérpido que faça soar as trompetas da nortada marítima! Atirem salpicos de água fria às rosetas do meu desejo e deixem-me ficar insane, se o julgarem assim, ou apenas uma froxidão alargada ao entretecer das narrativas do prazer.