é suposto admirar este lugar a norte do meu apartamento de três assoalhadas nos subúrbios da grande capital; esta cidade esfingica de secretismo e história, de capas negras e sabedoria. Coimbra reagirá certamente mal a este odor pequeno burguês, que lhe fareja o rasto escondido, este halo de visita turistica sem guia, entre máquina digital e contemplações embevecidas. Ela que foi cantada pelos barbos mais sérios nas curvas do seu mondego triste, nas arcadas e escadarias dos doutores, na eloquência dos seus manifestos onde o regime começou a desfazer-se. E se não fosse o seu passado anti-fascista, teríamos Pedro e Inês, os amores e segredos, a sua tragédia. Talvez estes novos tempos de números e vacuidades clubísticas a tenha desolado e amargado o vinho dos toneis; hoje Coimbra parece-me muda e expectante, só, cenário de uma movimentação a que é alheia, tumular como um velho correndo a guardar os seus pergaminhos e tesouros com a chegada dos vândalos. Há almas assim que não se dão logo, ocultam-se num ponto recuado onde ficam à espera que desistas e te vás. Assim deve ter acontecido, não tive tempo para bater forte com os pés no chão e abrir a gruta, faltou-me ou esqueci esse dom, o dom da palavra que desvela as pedras.
terça-feira, 22 de abril de 2014
terça-feira, 15 de abril de 2014
Arsenal
Glória aos Vândalos
Aos tártaros
Aos sândalos
Aos mártires robustos do
apocalipse dos tesos
Às varinas, aos mágicos
Glória soturna e
franca
aos Fantasmas ou rainhas santas
Permeáveis à treva mas
também
Entusiastas da plebe
Eurásia
Eufrásia
Glória Tomásia
Entre nós a máxima a genuína
transumância
Aforística
Ribeira Odalisca entre
frase
Suástica
A bomba pomba rasurada
Sobre um Sol tombado com
mosca
De plástico
Cartolas gigantes
Na Câmara ardente dos génios
Moribundos fonemas
E Ficção
Ficção a rodos para os
presidentes
E para o Povo
segunda-feira, 14 de abril de 2014
Paródia, abril.
como as praias, os bares são testemunhas da passagem do tempo, a vertente Saturno a funcionar para quem vive por fora do tempo no pensamento e no tempo pelo corpo tem uma tendência obsessiva de marcar a linha sinuosa do antes e do depois, precisa de elaborar um cardápio de lugares onde possa fazer o jogo da Glória pra vida. casa 1, casa 2, cada uma como uma imagem e uma sensação particular inscreve-se poderosa na lembrança para poder parar o tempo ou para o compreender nos fotogramas dos momentos, nas pequenas fronteiras bem delimitadas de espaço tempo. Agora, Abril, o bar Paródia. As margaritas, o cinzeiro do Bordalo Pinheiro cheio de pontas de cigarros até ao filtro e o timbre abafado das vozes, das que se movem como arabescos no éter, das que se deixam apanhar amorosas, na teia dos desejos. Os bares, como as praias, ritualizam-me, amedrontam na sua exigência de cenários perfeitos mas vem deles ou de nós também, o fluir da dolorosa e fina mancha de prazer perdida e retomada não sei bem se no gosto de desmanchar palavras, se no ponto de descobrir formas, de as imaginar entre o quartzo meio negligente da luz.
domingo, 6 de abril de 2014
Vic e Flo viram um urso.
a sala compôs-se, era ainda dia, a textura do filme , a sua coloração amarelada cumpria a do ocaso como algo antigo, uma fotografia velha, quase o mesmo para a escolha dos rostos, para os movimentos da câmara, lentos, pesados, inertes, opacos, expectantes, e os diálogos crus, ou de uma estranha poesia, quão estranha quanto assoma de uma realidadde que parece que a esqueceu em definitivo e para todo o sempre. Árvores e pessoas, um estrebuchar dos corpos contra a fatalidade da natureza nos ligar simetricamente à morte e à vida, carregando um estigma, o que somos resultado do que fomos, o passado desenha a linha do inevitável para quem vive. O amor brotava do seu desespero, do desespero das duas mulheres, forte mas frágil, diante de uma lei implacável, uma impossibilidade de fuga, o amor redime e dá sentido mas abocanha-o o absurdo. No absurdo do mundo nada é sagrado, nada está ao abrigo da voracidade dos homens e das plantas de transformar a vida em morte.
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