quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Golpes de marketing rendem dinheiro, os criadores, os que ganham muito dinheiro à custa das suas criações são exímios, já não é a obra a valer mas a figura ou o nome. Annie Leibovitz vai hipotecar os direitos de autor em troca de uns milhões de dólares, e a sua fotografia, inegável, promove as respectivas obras, dá-lhes visibilidade e por conseguinte valor. Seremos ainda capazes de apreciar a arte pela sua capacidade pura de originalidade, beleza ou comunicação surpreendente? Ou estaremos ofuscados por nomes? o prestígio dos nomes que a comunicação social e uns quantos capitalistas de arte produzem como quem produz garfos ou utensílios de primeira necessidade apaga a justeza do olhar, a sua capacidade de ver. A Arte como tudo o mais não foge ao mecanismo promíscuo do capital e perde, sem dúvida, com isso.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

O Tejo ondulava e o dia chegava ao fim, que nos podem trazer ainda as palavras? as mesmas e outras novas, às vezes abrimos a boca e simulamos uma autenticidade, tens razão, há qualquer coisa de falso, ou de forçado na autenticidade, como alguém que se põe em bicos de pés e se estica, como se não soubéssemos para que serve mesmo, qual a sua utilidade, talvez seja um artifício de criança, um “olhem para mim! Sou capaz de fazer este truque!” Nós queremos que nos tratem bem, essa também releva de uma autenticidade ambígua, será? Meio mundo anda a sonhar com gente que os trata mal, para quem tratar mal deriva de uma incapacidade e como tal precisa de ser compreendida e acarinhada, as mulheres então têm uma certa atracção maternal por quem é bruto, desprendido ou indiferente. De modo que contas feitas, ficam os traços de uma descoberta, descobrir tacteando no escuro, onde as palavras não têm lugar, haverá um sino, no alto de um campanário que toca para nós, uma tarde onde a opacidade do corpo é sempre real, muito mais que os pensamentos desordenados e o Tejo, como o corpo ondula, emudece, segue inexorável o seu destino.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Às 4 da manhã na bomba de gasolina, com um frio de pôr os pelinhos em pé umas pernocas ao léu, um senador romano de túnica dava beijos apaixonados a uma bruxa de verruga, enchi o depósito e não resisti à saudação “Ave César, os que vão dormir Saúdam-te!” interrompi o beijo mas não a gargalhada! Nós os vivos, no mistério efémero da vida, erguemos a taça aos que se beijam e aos que não sentem o frio, aos que nos trazem a meio da noite contornos da festa, aos que na festa confundem as histórias, aos que se perdem nas histórias. Esqueçamos então o preço do viscoso oil e entreguemos a alma por breves momentos ao oráculo Baco! Deus do fortuito, profeta do sapateado!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009


hoje na biblioteca atendeu-me uma nova funcionária, tinha um ar carrancudo, as mãos papudas e as unhas grandes, até aí tudo bem, são muitas as funcionárias de biblioteca de ar carrancudo e unhas grandes, o modo como pegou nos livros entre o cotovelo e o peito, alertou-me para a deficiência, o braço esquerdo estava imobilizado, quando se levantou com muito custo o seu corpo abanou, melhor, oscilou de tal modo que pensei que ia cair, mas contra toda a evidência equilibrou-se e aos livros debaixo do braço, depois de uma série de equilíbrios in extremis motivados pela sua paralesia parcial das pernas, lá conseguiu desmagnetizar os elementos e entregá-los escrevendo com a direita no computador. Fiquei muito tempo à espera mas não me importei nada, ali estava um exemplo bom, uma coisa bonita de se ver. Respirei melhor, gosto muito de bibliotecas, cresci a olhar para livros, a sentar-me naquelas mesas a cheirar a cera e a deixar-me vaguear naquele silêncio. As bibliotecas hoje são mais luminosas e menos bafientas mas continuam a ter aquela suspensão do tempo que me é cara. Os óculos grossos da funcionária lembraram-me que o prazer de ler nos ensinou, possivelmente às duas, a ser tolerantes e a tratar com infinito respeito esses objectos que o tempo todo do mundo depositou ao nosso colo para com eles retomarmos um diálogo infinito, titubeante, às vezes ensurdecedor, sempre compensador.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Somos chamados a dar opiniões e achamo-nos no direito de as dar. democracia significa intervenção de todos em tudo o que diz respeito à sua vida, só à sua vida, para a dos outros estamos basicamente nas tintas, podemos achar que não, mas aqui as opiniões não são precisas para nada, são uma espécie de ilusão a que não corresponde uma verdadeira utilidade. Os problemas das pessoas são delas, e opiniões dão-se à mesa do café, entre a bica e o croissant, se queremos chegar perto temos de levantar o rabo e dispôr-se, ora a disponibilidade é pouca, temos que fazer. Reparo nas crianças, o infantário abre às 8 e fecha às 19. Crescem no meio das outras, uma entre outros, sem ninguém com verdadeira disponibilidade para as fazer crescer. Dizia-me uma mãe depois de saber que o filho estava reprovado a todas as disciplinas menos a uma: "Pelo menos mantém-se na escola!" O problema estava então resolvido desde que houvesse sítio para onde pudesse ir. Penso que se o trabalho nos impede de prestar atenção aos que nos são queridos, então qualquer coisa de estranho se está a passar no reino da Dinamarca, não basta ter opiniões, nem é preciso, toda a gente já está imune de tal modo são banais, seria melhor calarmo-nos e observar.
Fotografia de Nana Sousa Dias

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Quando me ponho a sentir tudo me dói, não sei se é de mim que vem este procurar o bico da faca, se só sinto esta tristeza agarrada a tudo misturada com tudo, mesmo com aquele gosto leve da alegria ou se, simplesmente, as coisas foram acontecendo sem o meu consentimento. sinto-me ostra com sangue e veias dentro e lembro-me de ti sempre e continuamente, na claridade dorida das praias, na confusão das tascas, dos teus pés no meio das poças de chuva e do teu ar sério a lançar a toalha ao ombro, do vinho que entornámos numa noite, do calor do teu corpo ao meu lado. E sinto e sinto e sinto e agora já não devia sentir e não o quero fazer porque contra toda a razão se apresenta o meu sentir e tenho coisas para decidir e só sinto e quando assim é contra mim mesma me ponho em luta, e apesar de haver todo o mundo à minha espera só sinto que já me perdi e ao mundo comigo ou sem mim.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Entre a serra húmida de Sintra, a nossa serra, as ruas desertas e as casas, ai aquelas casas todas musgo e recantos e sótãos esquecidos! como se de repente desembocássemos num conto infantil onde há duendes e bruxas! no meio da infatigável chuva uma luzinha desarvorava à beira de um antigo cinema teatro, espaço do grupo de teatro de Sintra, aí, justamente aí, um novo grupo dava voz a uma peça que me lembre inédita em Portugal, Pirandello, Henrique IV, numa revisitação burlesca e trágica da peça de Shakespeare. Traição e vingança, poder e loucura. As pedras por onde se constrói o vinco do que somos ao limite, ou no princípio sem mais nem menos, a massa informe de que são feitos os actos e os hiatos. Vai de ver e comer com os olhos!
No deserto teatral a que "A CRISE" parece ter-nos colocado, o riso é mais que um oásis, é um pôr-se de cócoras e despir as calças!! yops

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Hoje poderia falar daquele cão abandonado à chuva a dormir em cima do passeio. Tem um olhar meigo e triste, não resisti a parar o carro e a arranjar-lhe um plástico para se abrigar, no meio da noite, fiz-lhe umas festas no pêlo molhado e ainda gritei para as janelas apagadas "Ó de casa, ninguém recolhe este animal?", nenhuma se acendeu, toda a gente dormia na noite gélida, senti mais uma vez que sentir é só o nosso pequeno inferno pessoal porque nada pude fazer pelo animal e deixei-o, ainda perguntei a algumas pessoas conhecidas: "alguém quer um cão?" mas não tive sorte. Ontem quando vinha do teatro, enganei-me na estrada e fui dar com ele parado no meio da rua, aí, só aí ,compreendi que me tinha enganado, que não era aquela a estrada que devia seguir para voltar a casa. O cão entrou de novo, com o seu olhar interrogador, na minha vida.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009



Hoje acordei cega, completamente cega, às apalpadelas lá me dirigi à casa de banho mas esqueci que a porta do quarto estava fechada (coisa inabitual) e choquei de frente,
Frederico II da Prússia iria contratar-me todas as manhãs, doravante, e a partir deste precioso momento, para cantar em alemão todas as madrugadas, não propriamente eu mas ao Galo que há em mim e que é poliglota,



e acrescento que o galo também teve outro efeito para além do de me arranjar emprego em terras prussianas, abriu-me rapidamente os olhos!

moral da história: quem pode cantar! emigra!
ou será que quem não vê é como quem não canta!
ou ainda quem fecha uma porta descobre uma capoeira!
nã sei