quarta-feira, 30 de maio de 2012

Cerejas

Aí estão elas, alinhadas e expectantes nas caixas de papelão do supermercado. Cerejas do Fundão, lindas, frágeis, deliciosas. Se não houvesse razões para se aninhar ao colo do fim da Primavera, para abrir os braços ao Verão, haveria sempre a surpresa de Maio nos trazer morangos e cerejas, a surpresa  deste país poder orgulhar-se de ser eleito entre aqueles (poucos!) que têm condições para as criar, como se cria um filhote de compleição pouco robusta mas de admiráveis qualidades. E, para além desta admiração profunda que me enleva a alma, reparto-me na alegria de saboreá-las e na tristeza de as ver desaparecer demasiado rápido para o meu enlevo, da taça de vidro onde cuidadosamente as pousei.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

In memoriam Bernardo Sassetti

visita ao museu

Fomos ao museu. professores e alunos. Noto as salas vazias do Berardo, lembro um museu em Espanha onde tínhamos de encontrar um buraco para espiolhar as obras, entre hordas de crianças de escola. Não há lá muito movimento por aqui; o guia é bom mas os alunos mais rebeldes torcem o nariz, não, isto não me diz nada, uma placa de ferro no chão...Arte? reparo num facto insignificante: em Belém é o McDonalds que detém unanimidade. Seja como for, a atmosfera calma, a beleza dos objectos nas suas poses expectantes, a existência de um espaço onde se exige um novo olhar ou, quiça, uma limpeza no olhar e um desafio aos nossos hábitos, só por si, teriam valido esta visita.

quarta-feira, 9 de maio de 2012


hoje, dia 9 de maio, não é dia da mãe, nem do fumador, nem da nossa senhora, nem da árvore, nem da sida...poderia ser o teu dia. apreciá-lo do mesmo modo delicado e guloso com que comemos, num restaurante chique, polvo à lagareiro. Colocar taças e cristais em cima da mesa e imaginar altas janelas sobre um mar fluvial, com fumos de barcos em partida, uma atmosfera ainda moderna mas clássica, a lembrar filmes princípio de século,  depois encostar o olhar ao lado, centrar-se no gosto aveludado do polvo e servir-se sem cerimónia, das iguarias. Não esquecer de empurrar os barcos um pouco para trás para que eles voltem a apitar na chegada ao porto.   

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Michel Houellebecq



"Às quinze horas pararam numa escala um pouco antes de La Souterraine; a pedido do pai, enquanto este atestava o depósito, Jed comprou um mapa das estradas "Michelin Departamentos" da Creuse, Haute-Vienne. Foi ali, ao desdobrar o mapa, a dois passos das sanduíches de pão sem côdea embrulhadas em celofane, foi ali que conheceu a sua segunda revelação estética. Aquele mapa era sublime; transtornado, pôs-se a tremer diante do expositor. Nunca contemplara um objecto de tal modo magnífico, tão rico de emoção e de sentido como aquele mapa Michelin à escala de 1/150.000 da Creuse, Haute -Vienne. A essência da modernidade, da apreensão científica e técnica do mundo, estava ali misturada com a vida animal. O desenho era complexo e belo, de uma clareza absoluta, utilizando apenas um restrito código de cores. Mas em cada um dos lugarejos e das aldeias representados em conformidade com a sua importância, sentia-se a palpitação, o apelo de dezenas de vidas humanas, de dezenas ou centenas de alma - umas destinadas à condenação, outras à vida eterna."

Michel Houellebecq, O mapa e o território, pág.47

Já aqui afirmei, dos romances contemporâneos poucos me interessam, volto atrás,  este apaixonou-me. Sinto agora uma pena imensa de o ter terminado e vou dedicar-me a ler o anterior do mesmo autor "As partículas elementares". Já o requisitei na biblioteca e  tenho-o  ao colo, ao meu colo. O que me apaixonou? A narrativa é soberba, e magnífica a tradução, (o próximo passo será ler no original). Mas, na minha opinião de mujique, o que é uma narrativa soberba? Pois bem, respondo já, é aquela que doseia bem, isto é, naturalmente, os pormenores mais corriqueiramente desinteressantes com a essência fulgurante das grandes revelações. Colocando tudo ao mesmo nível narrativo dá-nos o importante como uma escolha nossa, verdadeiramente aleatória ou não, dependendo do lugar que queremos ocupar nós mesmos, leitores na história. Depois escapa milagrosamente, isto é ,de forma rente e difícil, aos estereótipos, ludibria expectativas, mas, ao mesmo tempo, não decepciona, mantém viva a chama de uma tortuosidade triste, que se queria outra e até por vezes se assemelha a uma história boa, mas que não passa de uma semelhança, neste aspecto não escamoteia o valor do romance enquanto obra literária escrita por um gajo, qualquer gajo, entregue às suas próprias obsessões.
Nomearam-no original,como se fosse coisa de louco, ser original, levantou celeuma, há aspectos mórbidos, mas há humano aqui, há humano até às mais recônditas fibras dos músculos e da alma. Declaro por isso a minha total rendição!! Quem disse que o romance estava gasto?

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Fernando Lopes




Morreu o Fernando Lopes. Lembro dois dos seus filmes. Gostava da atitude. Estes tipos deviam olhar para a morte e passar ao lado. Deixa a obra, essa sobreviverá.

Vou rifar meu coração



 No Indie Lisboa, documentário sobre a canção "brega" das periferias brasileiras.