quarta-feira, 13 de julho de 2022

 Digo-te do meu silêncio usual:

As gaivotas são as rainhas do dia

e daqui, apesar da geometria fechada dos prédios

abre-se uma visão de mar batido.

Perguntas-me porque exorto o mar aberto, as ondas

e os penhascos?

Respondo-te que exorto as gaivotas no seu grasnar

bicam-me de sortilégio a nuca adormecida

e intranquila

seguram-me ao paraíso

por breves momentos

em que julgo estar presente no despertar do mundo

de ser a primeira vez

mas não sei explicar

arrepia-se o ar nas falésias 

o dia segura-se frágil absorto na neblina.

Quanto podemos abarcar com as palavras?

Se pudesses ouvi-las, agora

as gaivotas

se estivesses alongada

sobre este lento amanhecer

e te trouxessem (como a mim trazem)

todos os dias primeiros

que perdi

então

sentirias

não

possivelmente atiravas-te indolente 

para a cama.

 Este momento em que estou 

sentada na cadeira de verga

do café Firmino

além prédios e por cima de tudo

 a dor de estar aqui

a negação de estar

a vontade de outra coisa

que existe como vontade

de outra coisa

sem verbo ou propósito

senão atirar para debaixo de uma ponte sombria

de colchões sujos

a primeira frase

esta que agora escrevo

antecipando-me ao teu gesticular nevoento.

Quem és tu?

sou incapaz de te identificar

há lagos para passar

pontes destruídas

Quem és tu? Que me sobras

de ser reles medíocre imediatamente inútil.

Ao ouvido sussurras-me, Alioska

e dentro dos irmãos Karamazov

sorrio

não passa de hoje a ida ao psiquiatra

estas lentas deambulações

sobrecarregam a memória de microscópicos vírus

de embaciadas figurinhas atónitas.

Basta-me! Basta-me tu!

a noite 

os semáforos do porto

a simetria arrojada das coisas colocadas

por cima e por baixo

por onde passo firmada no meu calcanhar aéreo

Tu bastas-me.

Por não te consumires perdida na existência

por seres essa emoção.