Hoje na FNAC entretive-me a
folhear o livro da vida da Leibovitz, fotografias de uma vida, a
vida das fotografias, imensas e absolutas as imagens de Sontag, sem as
palavras é visível, sólido tanto quanto as formas, o poder do amor
que as unia. O amor que transborda mesmo quando a modelo nos olha com a
dor imensa da doença, no abandono aos cuidados de uma enfermeira, vulnerável
mas humana, piedosamente humana, bela. Bela por amada, benditos e
eternos são os amantes! Esse amor que passeia nos lugares mais íntimos,
os quartos em Berlim, Veneza, Londres, os objectos, as conchas, os papéis, o
tacto das coisas usadas, as manchas na pele, os hotéis, os
lençóis. O fulgor de uma cama desmanchada, a curva da carne, os
pelos púbicos de um sexo quente, a história de um corpo progressivamente
castigado e devassado mas continuamente descoberto a cada instantâneo da
máquina. Um corpo vibrante, um corpo possuído e impossuído. Gesto desesperado de querer guardar, querer
manter, o que a doença vai progressivamente separando, afastando. De
repente uma fotografia de um cadáver. Um velório de
uma idosa da aldeia, possivelmente. Procuro a legenda, nada. Era uma
fotografia larga, a ocupar duas páginas de um livro grande. Qualquer
coisa naquela imobilidade mumificada era alarmante e incompreensível. O cabelo
cortado curto, branco, uma teia apertada e seca de texturas rígidas, já não um
corpo mas um tronco, uma árvore antiga que expunha as suas raízes. A compreensão
trouxe-me o choque. Era o cadáver de Sontag mas não era a mesma mulher. Uma
desconhecida, uma estranha num estranho ritual de imobilidade. A morte é mesmo
incompreensível, um salto, nem isso, não é na vida que existe.
Um comentário:
Olhando o sofrimento dos outros". Um grande livro da Sontag que me lembrei ao ler este post.
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