Para sermos
justos teríamos de admitir que individualmente nós, homens, temos rasgos e que
somos imprescindíveis uns aos outros, esta é a boa suposição, perfeita e
inatacável. Os actos eremitas seriam bem-vistos por medievais e ainda são, em
certos casos, idealizados por mentes confusas com o marulhar "non-
sense" da humanidade ruidosa, mas o eremita não deixa de ser, mesmo em
sonhos, um selvagem irado ou um louco feliz. Se vivemos em humanidade porque a
ela pertencemos e só com ela podemos fazer e falar e alterar e desfazer, sendo
nisso que gastamos o labor mundano, não podemos contudo admirar a humanidade, a
humanidade nos seus dados materiais e objectivos parece-nos gananciosa,
destruidora e cobardolas. Veja-se os encapuçados com câmaras de vídeo filmando
as ondas que destroem os carros e levam as esplanadas da costa, veja-se a
mesquinhez da coisa, se fosse alguém a ser levado pelas ondas a sua exultação seria, possivelmente, ainda maior, o momento seria precioso para mais tarde recordar. Esta forma tão moderna
de se esconder atrás de máquinas é a mesma mania moderna de as pôr por todo o
lado para nos dar a sensação de controlo e eficácia mas que perante a natureza
explosiva só nos dá a medida de uma inutilidade confrangedora, parecemos
macacos cujas cascas vazias das nozes que fomos devorando tivessem crescido
tanto que nos tapassem a visão, vivemos no meio do lixo dos nossos artifícios, às
vezes, quando a natureza vem, vem forte, e varre de um só
impulso as construções erigidas para gáudio do consumo de whisky ao pôr-do-sol
com mar ao fundo, temos oportunidade de pensar e quiça perceber. Se calhar esta imbecilidade de instrumentalizar da
pior forma a natureza seja culpa da publicidade. Mas, apesar dos estragos serem um aviso ou indício, como parece mais correcto pensar-se, para quem não tem negócios com o mar, apesar da majestade das
ondas, a consequência destas pequenas tragédias é nula para a mudança de hábitos, amanhã voltar-se-á a
empurrar o mesmo lixo para perto do mar e,se possível, um pouco mais para dentro.
4 comentários:
a mente panóptica já não se reduz à direção sociedade-humano, mas sim humano-sociedade. Sim, somos humanos, anatomo-vigiados, e já alterados.
E só assim considerados anatomicamente perfeitos. Lamentavelmente aqui nos conduziu este "admirável mundo novo"
A humanidade é uma migalha de tempo no mundo conhecido, e a natureza por vezes parece vingar-se da estupidez, ganância e fraca memória do homem.
Texto-reflexão com que concordo, foto bela e assustadora (ou vice-versa...)
Obrigada pela visita ao Quarteto(a literatura é uma constante, o inverno é apenas uma circunstância)
Tudo se fotografa de forma indecente, quase pornográfica. Ainda me repugna isso, talvez por ter nascido no século passado. :)
~CC~
cs: excesso de homem, excesso de perspectivismo. vigiados, sim, concordo.
Justine: é verdade a ganância e infinita megalomania da humanidade face à natureza que não lhe pertence.
CCF: é tudo para mais tarde recordar...
Bom Fim-de-semana para todas!!
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