sexta-feira, 28 de junho de 2013

talvez ensinar a sonhar

 

Não alinho em extremismos, em actos violentos de consequências imprevisíveis e irremediáveis, parte do mal do mundo deve-se a extremismos. A sensação de que se está encurralado e não há saída pode empurrar-nos para actos extremistas, parece ser a única saída para quem está desesperado. Não me lembro de nada parecido me ter algum dia acontecido. Quando se fecha uma porta descubro sempre uma janela e quando se fecha a janela descubro uma escada e se a escada leva a uma parede sento-me a pensar e a imaginação tem barro suficiente para, mesmo no escuro, moldar um sol, uns pássaros, uma frase absoluta, um sorriso inesperado. Renasce aí, como do nada, um inebriamento, um deslizamento do betão e uma outra planície se abre. Acredito haver vidas difíceis que conduzam ao desespero e daí a actos extremistas, mas não acredito que seja uma relação de causa/efeito, tão pouco uma relação directa. Podemos imaginar muitas vidas fáceis (isto é, vidas onde está assegurado o que é básico para uma boa vida, amigos, dinheiro, amor) com desespero. A dificuldade da vida não conduz necessariamente ao desespero, há uma certa disposição enraizada porventura numa certa forma de olhar para o que nos acontece, forma essa que negligencia um aspecto importante, o sonho. Sonhar não é um verbo para fracos e escapistas, ou uma categoria parva de auto-convencimento por quimeras, mas uma forma lúcida de compreender os saltos e a diversidade no modo de ver. Daí que não sei se podemos ensinar a sonhar, mas é sem dúvida importante tentar. A memória e a imaginação são instrumentos mas o resto é arte.

domingo, 23 de junho de 2013

Herberto

Há unanimidade crítica em relação ao Herberto Helder. Os seus livros esgotam antes de saírem para as livrarias, obras raras valiosíssimas pois o poeta exige escassez editorial, uma selecção dos eleitos, poucos iluminados terão a hipótese de ler o mestre, só mesmo os mais atentos . A imagem, não duvido que corresponda a um anseio legítimo e sentido, foi meticulosamente tecida pelos meios de comunicação social, que Herberto odeia, e que adoram o seu mistério, a sua invisibilidade física como a de um deus, que não está em parte alguma e está em todo o lado, como um acutilante espírito nas insondáveis atmosferas longínquas do génio retido pela infame banalização do artista, alheio aos prémios do vil metal, enfim...tenho nas mãos "Ofício cantante" alguma da poesia reunida, não ouço cantar as entranhas, nem o coração, estes poemas não me tocam, não sinto por nenhum deles um arrepiozinho fino e inquietante, como sinto por alguns versos do AlBerto ou do Carlos Oliveira ou do Pessoa, ou do O'Neill, do Yets, da Dickinson ou da Peri Rossi, só para enumerar alguns dos meus poetas de eleição. Não vejo como se pode considerar um grande poeta se não sentirmos por ele essa paixão. Não vejo como.Outros o sentirão, presumo, quantos farão a diferença?

sexta-feira, 21 de junho de 2013

ditirambo


Grevistas contra não grevistas. Era assim no tempo das grandes greves da era Thatcher, Margaret e a greve dos mineiros. Crato e a greve dos professores. As reformas do sector público e o discurso da dívida pública, a resposta das tranches, mais endividamento, Portugal e o Brasil, que diferença!! O público e o privado. A minha colega do secretariado de exames a carimbar resmas de papéis, o funcionário no lugar do operário, no lugar do intelectual, no lugar nem público nem privado, anestesiado, dormente, temeroso, dividido. Como se faz para não entristecer? Como se faz para enganar a tristeza? A hora é de luta. Mais nada.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Reflexões sobre a greve de professores


 
 
Ao fim de largas horas de indecisão optei por fazer greve. Estava, como sempre, dividida, e não estava sozinha, havia muitos professores como eu, divididos. Ouvi depois o ministro indiferente ao drama, sobranceiro, a convocar todos para vigiar os exames, como se os professores fossem substituíveis até pelo merceeiro e percebi o desrespeito pela classe e pelo diálogo, nesse momento houve valores antigos que se tornaram importantes, a solidariedade de classe, a indignação por sermos colocados entre a espada e a parede. Não nos restava nenhum outro modo de afirmar essa indignação perante a política cega e imediatista que agrava o desemprego e empobrece o ensino público. Ora, penso, o maior mal do nosso país é o desemprego, a falta de trabalho. Muitos há que não fizeram greve por medo de o perder, desses, muitos, têm mesmo o emprego ameaçado. O que se pretende afinal? Se alargamos o horário de trabalho de alguns professores é óbvio que outros ficarão sem trabalho, não é preciso ser muito perspicaz para retirar essa conclusão. Quantos ordenados se economizam? Quantos subsídios de desemprego? Quantas pessoas à toa? Poderia ser um assunto insignificante mas é todo o assunto, uma política destas têm consequências, além do desemprego de muitos, temos os outros, os que ficam a trabalhar em todo o tipo de tarefas para além de dar aulas, substituições de professores que faltam, assessorias, tutorias, apoios vários para suprir a falta de funcionários, trabalho administrativo para poupar no pessoal de secretaria etc etc etc. Esse é o projecto, ser professor será cada vez mais uma tarefa de funcionalismo. O professor do ensino público será um funcionário, isto é, uma espécie polivalente capaz de manter a instituição e os respectivos jovens ocupados em tarefas, atentos fiscais do seu cumprimento mais do que do ensino e na avaliação reais, quando digo real digo, uma avaliação honesta que separasse os alunos que aprendem dos que não o fazem e exigindo que os que não aprendam voltem a tentar e a perceber que têm de o fazer, pois isso não é indiferente para a sua permanência na instituição. O problema surge aqui, na tendência para se desvalorizar a actividade do ensino e do saber, de facto a sociedade liberal valoriza empreendedores, mas não sábios, esses são até uma raça de gente a evitar. Quanto ao ensino “a sério” passaria a estar a cargo de instituições privadas. Basta olhar para os resultados do ensino Público e Privado nos exames do 12ºano para perceber a tendência. Se há dez anos o Público rivalizava em resultados semelhantes, hoje a clivagem é muito maior. Porquê? Porque o investimento na preparação para os exames, que passa por um certo grau de exigência científica, está, no público, minimizado, se um professor do ensino público quiser mantê-lo terá de se recusar a levar a exame muitos alunos, ora, reprovar alunos hoje é sinónimo de mau ensino, logo de mau professor e ninguém quer estar na margem desse "sucesso" de conseguir os resultados mínimos (mesmo que esse mínimo seja muito pouco) para os seus alunos.
Pela primeira vez a sociedade está dividida, porque pela primeira vez há uma atitude que tem resultados visíveis na sociedade, parece que consideramos normal que uma paralisação do trabalho seja coisa privada de uma classe, prejudicando apenas aqueles que a fazem ao reduzir-lhes o ordenado. Mas a responsabilidade deste caos é a massa de silêncios e atropelos dos últimos anos reduzindo progressivamente a justiça e o bom senso necessários para que todos possam exercer o seu trabalho com segurança.
 

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Para diante


avanço para o meio da praça

trago comigo o couro e o lenho

a sirene das entranhas

o medo talvez

 numa epígrafe desolada

mas sobre o trigo maduro

quase nada

avanço para o meio da praça

abro os braços  e entre os braços

um vertical abraço

surge ainda 

um veio de sangue quente

para desculpar da poeira

do vazio e da má sorte

o tempo seguinte.

quarta-feira, 12 de junho de 2013


imagens de homens e mulheres sacrificados e vulneráveis a esgravatar invocando o mais cru e real da gente a quem falta um bocado, uma parte amputada continua a doer vivendo por sobrevivência, por vitalidade, essa parte amputada visível, para ser escondida impõe-se. tem efeito prensa rebarbador. com isto faz-se cinema. magnifique.

 

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Festa na Escola



Não sei por que me enervam tanto as festas de Escola. aquela camaradagem de foca amestrada, aquela vontadinha que todos têm de receber palmas e babar, aquela auto complacência da união alegre e familiar, aquele embezerramento, cocktail de sucesso e masturbação, nauseia-me ao ponto do vómito. Ao minuto cresce o ensejo de deixar este ofício de prof e dedicar-me a uma marginalidade solitária e ensimesmada, perfeita para segurar pelos cornos esta revolta antiga (tão antiga que nem teve começo) pela sociedade arrumadinha e paroquial onde as festas de escola são a cereja no topo do bolo.

Supremamente especial para eu ignorar estes impulsos vitais era a minha sobrinha. A minha sobrinha tinha-me pedido, e eu não era mulher para negar nada à minha sobrinha. Tratava-se da primeira apresentação de um trabalho realizado durante o ano lectivo. Chamava-se "O Bairro" era um filme de meia hora. Produto de pequenas e deliciosas ideias, belo, enternecedor, meticuloso. Orgulhei-me dela, muito, ainda tentei reconhecer paralelismos entre a sua veia artística e a minha, reter alguns louros do evento criativo, mas depressa abandonei a pretensão por egoísta e destemperada. Ela, a sobrinha, era boa, tinha ideias, sabia concretizá-las e andava numa escola que queria e estimava o seu talento. Apesar do enjoo geral, tinha de reconhecer...etc etc e ainda reconhecer que das minhas sobrinhas têm vindo as melhores aventuras etc etc.

A noite e os problemas técnicos cresciam lado a lado na sala onde esperávamos com o rabo dorido a chegada dos filmes. Estas festas de Escola não têm horas, um ror de problemas e ninguém para os resolver fazem parte do seu "charme juvenil".Valeu a noite ser grande e ambas nos encontrarmos perto da porta, mas só eu tinha Golden Virginia no bornal.