Não alinho
em extremismos, em actos violentos de consequências imprevisíveis e
irremediáveis, parte do mal do mundo deve-se a extremismos. A sensação de
que se está encurralado e não há saída pode empurrar-nos para actos extremistas, parece ser a única saída para quem está desesperado. Não me lembro de nada parecido me ter algum dia acontecido. Quando se fecha uma porta descubro sempre uma janela e
quando se fecha a janela descubro uma escada e se a escada leva a uma parede
sento-me a pensar e a imaginação tem barro suficiente para, mesmo no escuro,
moldar um sol, uns pássaros, uma frase absoluta, um sorriso inesperado. Renasce
aí, como do nada, um inebriamento, um deslizamento do betão e uma outra
planície se abre. Acredito haver vidas difíceis que conduzam ao desespero e daí
a actos extremistas, mas não acredito que seja uma relação de causa/efeito, tão
pouco uma relação directa. Podemos imaginar muitas vidas fáceis (isto é, vidas
onde está assegurado o que é básico para uma boa vida, amigos, dinheiro, amor)
com desespero. A dificuldade da vida não conduz necessariamente ao desespero, há uma certa
disposição enraizada porventura numa certa forma de olhar para o que nos
acontece, forma essa que negligencia um aspecto importante, o sonho. Sonhar não
é um verbo para fracos e escapistas, ou uma categoria parva de
auto-convencimento por quimeras, mas uma forma lúcida de compreender os saltos
e a diversidade no modo de ver. Daí que não sei se podemos ensinar a sonhar,
mas é sem dúvida importante tentar. A memória e a imaginação são instrumentos
mas o resto é arte.
sexta-feira, 28 de junho de 2013
domingo, 23 de junho de 2013
Herberto
Há unanimidade crítica em relação ao Herberto
Helder. Os seus livros esgotam antes de saírem para as livrarias, obras raras
valiosíssimas pois o poeta exige escassez editorial, uma selecção dos eleitos,
poucos iluminados terão a hipótese de ler o mestre, só mesmo os mais atentos .
A imagem, não duvido que corresponda a um anseio legítimo e sentido, foi
meticulosamente tecida pelos meios de comunicação social, que Herberto odeia, e
que adoram o seu mistério, a sua invisibilidade física como a de um deus, que
não está em parte alguma e está em todo o lado, como um acutilante espírito nas
insondáveis atmosferas longínquas do génio retido pela infame banalização do
artista, alheio aos prémios do vil metal, enfim...tenho nas mãos "Ofício
cantante" alguma da poesia reunida, não ouço cantar as entranhas, nem o
coração, estes poemas não me tocam, não sinto por nenhum deles um arrepiozinho
fino e inquietante, como sinto por alguns versos do AlBerto ou do Carlos
Oliveira ou do Pessoa, ou do O'Neill, do Yets, da Dickinson ou da Peri Rossi,
só para enumerar alguns dos meus poetas de eleição. Não vejo como se pode
considerar um grande poeta se não sentirmos por ele essa paixão. Não vejo
como.Outros o sentirão, presumo, quantos farão a diferença?
sexta-feira, 21 de junho de 2013
ditirambo
Grevistas contra não grevistas. Era assim no tempo
das grandes greves da era Thatcher, Margaret e a greve dos mineiros. Crato e a
greve dos professores. As reformas do sector público e o discurso da dívida
pública, a resposta das tranches, mais endividamento, Portugal e o Brasil, que
diferença!! O público e o privado. A minha colega do secretariado de exames a
carimbar resmas de papéis, o funcionário no lugar do operário, no lugar do
intelectual, no lugar nem público nem privado, anestesiado, dormente, temeroso,
dividido. Como se faz para não entristecer? Como se faz para enganar a
tristeza? A hora é de luta. Mais nada.
segunda-feira, 17 de junho de 2013
Reflexões sobre a greve de professores
Ao fim de largas horas de
indecisão optei por fazer greve. Estava, como sempre, dividida, e não estava
sozinha, havia muitos professores como eu, divididos. Ouvi depois o ministro
indiferente ao drama, sobranceiro, a convocar todos para vigiar os exames, como
se os professores fossem substituíveis até pelo merceeiro e percebi o desrespeito
pela classe e pelo diálogo, nesse momento houve valores antigos que se tornaram
importantes, a solidariedade de classe, a indignação por sermos colocados entre
a espada e a parede. Não nos restava nenhum outro modo de afirmar essa
indignação perante a política cega e imediatista que agrava o desemprego e
empobrece o ensino público. Ora, penso, o maior mal do nosso país é o
desemprego, a falta de trabalho. Muitos há que não fizeram greve por medo de o
perder, desses, muitos, têm mesmo o emprego ameaçado. O que se pretende afinal?
Se alargamos o horário de trabalho de alguns professores é óbvio que outros
ficarão sem trabalho, não é preciso ser muito perspicaz para retirar essa
conclusão. Quantos ordenados se economizam? Quantos subsídios de desemprego?
Quantas pessoas à toa? Poderia ser um assunto insignificante mas é todo o
assunto, uma política destas têm consequências, além do desemprego de muitos, temos
os outros, os que ficam a trabalhar em todo o tipo de tarefas para além de dar
aulas, substituições de professores que faltam, assessorias, tutorias,
apoios vários para suprir a falta de funcionários, trabalho administrativo para
poupar no pessoal de secretaria etc etc etc. Esse é o projecto, ser professor
será cada vez mais uma tarefa de funcionalismo. O professor do ensino público
será um funcionário, isto é, uma espécie polivalente capaz de manter a
instituição e os respectivos jovens ocupados em tarefas, atentos fiscais do seu
cumprimento mais do que do ensino e na avaliação reais, quando digo real digo,
uma avaliação honesta que separasse os alunos que aprendem dos que não o fazem
e exigindo que os que não aprendam voltem a tentar e a perceber que têm de o
fazer, pois isso não é indiferente para a sua permanência na instituição. O
problema surge aqui, na tendência para se desvalorizar a actividade do ensino e
do saber, de facto a sociedade liberal valoriza empreendedores, mas não sábios,
esses são até uma raça de gente a evitar. Quanto ao ensino “a sério” passaria a
estar a cargo de instituições privadas. Basta olhar para os resultados do
ensino Público e Privado nos exames do 12ºano para perceber a tendência. Se há
dez anos o Público rivalizava em resultados semelhantes, hoje a clivagem é
muito maior. Porquê? Porque o investimento na preparação para os exames, que
passa por um certo grau de exigência científica, está, no público, minimizado,
se um professor do ensino público quiser mantê-lo terá de se recusar a levar a
exame muitos alunos, ora, reprovar alunos hoje é sinónimo de mau ensino, logo
de mau professor e ninguém quer estar na margem desse "sucesso" de
conseguir os resultados mínimos (mesmo que esse mínimo seja muito pouco) para
os seus alunos.
Pela primeira vez a sociedade
está dividida, porque pela primeira vez há uma atitude que tem resultados
visíveis na sociedade, parece que consideramos normal que uma paralisação do
trabalho seja coisa privada de uma classe, prejudicando apenas aqueles que a
fazem ao reduzir-lhes o ordenado. Mas a responsabilidade deste caos é a massa
de silêncios e atropelos dos últimos anos reduzindo progressivamente a justiça
e o bom senso necessários para que todos possam exercer o seu trabalho com
segurança.
sexta-feira, 14 de junho de 2013
Para diante
avanço para o meio da praça
trago comigo o couro e o lenho
a sirene das entranhas
o medo talvez
numa epígrafe desolada
mas sobre o trigo maduro
quase nada
avanço para o meio da praça
abro os braços e entre os braços
um vertical abraço
surge ainda
um veio de sangue quente
para desculpar da poeira
do vazio e da má sorte
o tempo seguinte.
quarta-feira, 12 de junho de 2013
imagens de homens e mulheres sacrificados e vulneráveis a esgravatar invocando o mais cru e real da gente a quem falta um bocado, uma parte amputada continua a doer vivendo por sobrevivência, por vitalidade, essa parte amputada visível, para ser escondida impõe-se. tem efeito prensa rebarbador. com isto faz-se cinema. magnifique.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
Festa na Escola
Não sei por que me
enervam tanto as festas de Escola. aquela camaradagem de foca amestrada, aquela
vontadinha que todos têm de receber palmas e babar, aquela auto complacência da
união alegre e familiar, aquele embezerramento, cocktail de sucesso e
masturbação, nauseia-me ao ponto do vómito. Ao minuto cresce o ensejo de deixar
este ofício de prof e dedicar-me a uma marginalidade solitária e ensimesmada,
perfeita para segurar pelos cornos esta revolta antiga (tão antiga que nem teve
começo) pela sociedade arrumadinha e paroquial onde as festas de escola são a
cereja no topo do bolo.
Supremamente especial
para eu ignorar estes impulsos vitais era a minha sobrinha. A minha sobrinha
tinha-me pedido, e eu não era mulher para negar nada à minha sobrinha.
Tratava-se da primeira apresentação de um trabalho realizado durante o ano
lectivo. Chamava-se "O Bairro" era um filme de meia hora. Produto de
pequenas e deliciosas ideias, belo, enternecedor, meticuloso. Orgulhei-me dela,
muito, ainda tentei reconhecer paralelismos entre a sua veia artística e a minha, reter alguns louros do evento criativo, mas depressa abandonei a pretensão
por egoísta e destemperada. Ela, a sobrinha, era boa, tinha ideias, sabia
concretizá-las e andava numa escola que queria e estimava o seu talento. Apesar
do enjoo geral, tinha de reconhecer...etc etc e ainda reconhecer que das minhas
sobrinhas têm vindo as melhores aventuras etc etc.
A noite e os problemas
técnicos cresciam lado a lado na sala onde esperávamos com o rabo dorido a
chegada dos filmes. Estas festas de Escola não têm horas, um ror de problemas e
ninguém para os resolver fazem parte do seu "charme juvenil".Valeu a
noite ser grande e ambas nos encontrarmos perto da porta, mas só eu tinha Golden
Virginia no bornal.
Assinar:
Postagens (Atom)