segunda-feira, 30 de setembro de 2013

vergonha

Estas eleições confirmaram a ideia  "mudam-se as moscas mas a merda é a mesma". Por causa disso ou da chuva ou do calor ou do calo ou do vazio ou sei lá de quê, muitos se  abstiveram da democracia que os obriga a escolher quando querem provavelmente não ter de escolher e resmungar contra a política como se ela fosse outra coisa senão o que fazemos todos os dias. A política  "gaija" mal amanhada e porca que vai ao nosso bolso sem pedir licença. Vai daí viramos-lhe o rabo e palitamos os dentes. Tudo estaria bem na mediocridade se não fosse ainda os gestos largos e convincentes de políticos com cidadãos por detrás, que assumem a porca da política e têm quem neles acredite e neles vote e ainda bem, ainda bem que votamos ordeiramente e temos muitas opções para votar, ninguém nos obriga a votar em ninguém daí que a maioridade deste povo continue por alcançar, o melhor seria talvez um caldo vitamínico para os artelhos crescerem, a testa também e já agora tudo o resto. A abstenção seria, portanto, o escândalo da noite se não fosse um escândalo ainda mais sórdido. Esse veio da classe A, a classe instruída e rica do concelho de Oeiras onde nasci e onde o meu avô foi o habitante 240, inscrito com a sua cota para a construção do apeadeiro de caminho de ferro em Santo Amaro de Oeiras. De Oeiras veio o voto num tipo alarve que se alardeia de ser o espírito livre do ladrão preso Isaltino Morais autarca mítico pela fecundidade da sua corrupta atuação. E, pasme-se! tal espírita mimético, ganha as eleições com este truque ocultista de ser ventríloquo do outro que da prisão bate palmas. Isto mostra que a instrução e o dinheiro não dão nem civismo nem inteligência e muito menos qualquer vislumbre de Ética apesar de parecer que dão. Lá dizia Kant e confirma-se que a moral não depende da instrução, não sabia ele é como se podia enganar muitas vezes os mesmos porque naquele tempo os ilusionistas eram saltimbancos paupérrimos de circo, hoje são paupérrimos os habitantes dos condomínios, paupérrimos de discernimento e campeões de circo os ilusionistas da construção civil e do betão.
 

domingo, 22 de setembro de 2013

Actores, actrizes

Tenho paixão de morte por bons actores, (por agora, e enquanto não for mesmo obrigada, recuso-me a dizer atores) delicio-me com a metamorfose dos seus corpos, gestos, voz, pronúncia, mas sobretudo, com a sua capacidade de viver e dar a viver emoções. Muitas são as formas de o fazer bem, isto é, com credibilidade. Há actores que são capazes de dar a ver a sua representação, permanecendo por detrás dela a observar-se e a observar-nos; o Matt Damon é um exemplo disso, é sempre ele por detrás das personagens, distanciado, percebe-se no gesto a composição, diz-nos como está a representar e ao fazê-lo desmonta a representação;  o resultado é brutal. Há outros como o Tom Hanks ou o Michael Douglas, que vestem várias peles e fazem-no com uma energia e uma confiança tal que não descortinamos como seria de outro modo, ou se há lá alguém para além da personagem. "Por detrás do candelabro" poderia ser um filme menor de TV para encher o olho voyerista, se não tivesse esses tremendos actores a jogarem-se cena a cena, a exporem-se, a medirem o campo para se deitarem dali abaixo, é impossível não admirar a sua arte. Noutro registo Cate Blanchett em "Blue Jasmine" um cineasta dos diálogos: Allen, e uma actriz que dinamita as palavras. Tirem-lhe as palavras e está tudo lá, todas as emoções, o passado e o presente, no olhar. Quando saio do cinema acontece-me a noite desabar nostálgica pela interrupção de realidades, pela mudança de registos. Continuo a achar o cinema uma arte de actores, e bons cineastas os que se apercebem disso.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Leibovitz e Sontag


Hoje na FNAC entretive-me a folhear o livro da vida da Leibovitz,  fotografias de uma vida, a vida das fotografias, imensas e absolutas as imagens de Sontag, sem as palavras é visível, sólido tanto quanto as formas, o poder do amor que as unia. O amor que transborda mesmo quando a modelo nos olha com a dor imensa da doença, no abandono aos cuidados de uma enfermeira, vulnerável mas  humana, piedosamente humana, bela. Bela por amada, benditos e eternos são os amantes!  Esse amor que passeia nos lugares mais íntimos, os quartos em Berlim, Veneza, Londres, os objectos, as conchas, os papéis, o tacto das coisas usadas, as manchas na pele, os hotéis, os lençóis. O fulgor de uma cama desmanchada,  a curva da carne, os pelos púbicos de um sexo quente, a história de um corpo progressivamente castigado e devassado mas continuamente descoberto a cada instantâneo da máquina. Um corpo vibrante, um corpo possuído e impossuído. Gesto desesperado de querer guardar, querer manter, o que a doença vai progressivamente separando, afastando.  De repente uma fotografia de um cadáver.  Um velório de uma idosa da aldeia, possivelmente. Procuro a legenda, nada. Era uma fotografia larga, a ocupar duas páginas de um livro grande. Qualquer coisa naquela imobilidade mumificada era alarmante e incompreensível. O cabelo cortado curto, branco, uma teia apertada e seca de texturas rígidas, já não um corpo mas um tronco, uma árvore antiga que expunha as suas raízes. A compreensão trouxe-me o choque. Era o cadáver de Sontag mas não era a mesma mulher. Uma desconhecida, uma estranha num estranho ritual de imobilidade. A morte é mesmo incompreensível, um salto, nem isso, não é na vida que existe.
 

 

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O Gosto do Saké

Antes de ser cinéfila sou comedida de gastos, tenho exagerado na costela judia, não sou sovina porque o prazer não tem preço mas prefiro mesmo que não tenha preço porque de graça é prazer dobrado. Contas feitas entre deve e haver pagar 6.5 euros por um filme de 52,  já exibido na Cinemateca ainda para mais enganada, já que pelas contas do Público deveria nesse dia passar  "A Viagem a Tóquio", torna-se interlúdio demasiado pesado para uma noite de verão a estrebuchar. Pus-me a amaldiçoar o Paulo Branco e as suas negociatas com os objectos preciosos da cultura, sobrou para o rapazelho franzino que se desculpava do Cinecartaz estar equivocado, e eu tenho culpa do Cinecartaz estar equivocado?? Um cinema de reprise em qualquer parte do mundo não tem estes preços, resmunguei e gritei. Depois sentei a ver o Ozu, havia matéria brilhante no celofane e esqueci rapidamente os euros. A noite estava amena e cinema é sempre cinema, puro e duro,não desmereceu, continuo a adorar a forma como o tipo põe a câmara, a fotografia é sublime. No carro vim a ouvir os ABBA deleitada com os Kimonos e os impecáveis fatos dos homens.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Eça, para sempre.



O Eça na Relíquia zurze selvaticamente na sebosa parafernália da igreja e nos seus mecanismos de manipulação e auto-convencimento, chama-lhes rançosa trupe de cruzes, incensos, santinhos e rezas. De forma assaz mordaz acrescenta, a propósito do culto da vida dos santinhos e das peregrinações aos locais sagrados: "Conheço bem os sítios onde habitou esse outro intermediário divino, cheio de enternecimento e de sonhos, a quem chamamos Jesus Nosso Senhor - e só neles achei brutalidade, secura, sordidez, solidão e entulho." A tendência anticlerical produz a melhor literatura, isso, por si, chegaria para nos fazer pensar.