sábado, 26 de janeiro de 2013



Um poema


Um poema varia,

pode ser quase nada

E virar-se do avesso

Ou uma mão cheia de pedras

Atiradas ao pescoço


Refaço a estrofe.

Ao poema resta um minuto de silêncio

Um condoído ai

Na mais discreta sala

A vitrina da demora

Até sair pé ante pé

Pela porta fora


Foto: Nana Sousa Dias

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

sábado, 19 de janeiro de 2013

Duas fitas por semana.


A crítica só tem interesse quando não fazemos ideia do filme que vamos ver. Mas também aqui, quando podiam ajudar não ajudam muito, são de tal modo opostos e medíocres na análise que ficamos rigorosamente na mesma como a lesma.
Quando não conhecemos o realizador, os actores por si não garantem um bom filme, e muitas vezes, conhecendo o realizador também nada se nos afigura, a não ser alguns nomes, poucos, por mim, o Carax, o Eastwood, o Allen. Quanto aos actores só se os amarmos  platonicamente, porque mesmo excelentes actores que no Teatro podem justificar a qualidade  de um espectáculo, no cinema não, afundam-se com o resultado.
Nestes dois últimos dias vi dois filmes que são paradigmáticos de  duas formas de fazer cinema e também da inoperância da crítica, "Cloud Atlas" dos irmão Wachawski e "In a lonely place" de Nicholas Ray. Separam-nos 62 anos, o primeiro é de 2012 e o segundo de 1950. O primeiro vai de pastiche a excelente segundo as opiniões da imprensa, o segundo, pelo tempo e prestígio grangeado por realizador e actores é considerado por todos como um bom filme, embora não tenha prémios.
Cloud Atlas coloca em evidência um problema do actual cinema: não há bons argumentos e, na míngua deles, há fogo de artíficio e golpes mirabolantes de câmara, um cinema grandioso no custo elevado da produção e da contratação de actores, um filme com ideias, eu diria teses a demonstrar. Saga do mundo imperfeito, (a ideia de que somos capazes do melhor e do pior está estafada), dá-nos a desconfortável sensação de megalomania, há muito em quantidade, maravilhosos pormenores que poderiam ser desenvolvidos e que parecem inacabados, há talento mas falta trabalho de formiga. O outro é simples, um bom argumento, bons actores, um trabalho alucinante com o pormenor, dos diálogos à construção das cenas, ao balanço da montagem. Um objecto bem acabado. O resultado é que o cinema não é coisa de ideias mas trabalho de artifice, trabalho bem feito a partir de bom material mas sem pretensões à obra. Estes novos realizadores têm que produzir mais obras pequenas para aprenderem o que é fazer cinema. Mas até gostei do Cloud Atlas, apesar de, com aquele material se poderem realizar três bons filmes. Um desperdício, portanto.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

episódio com mar


Quando acordo, cedo, cedo à tentação de olhar o horizonte. o horizonte nas nuvens sólidas, linha nevoenta de mar. lembro essa claridade como a espera silenciosa de uma virtude que procuro e não encontro no corpo molhado e ruidoso das estradas e das pessoas. torno ao bicho ensimesmado que do sonho argumenta para dar voz à insatisfação. esforço-me por dar uma cara familiar à fome que sinto, deveria ser fácil, reconheço-a como companheira de sempre,  a mesma estranha vontade de fugir, a mesma intrusa vontade de fugir.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O sentimento colectivo

 
Os intelectuais de esquerda e direita falam do povo, os de esquerda mais à esquerda em trabalhadores e condições de trabalho, falam sempre pelos outros e aquele que fala julga entender a situação dos outros e poder falar sobre ela. Ora, tirando a sequela gente do partido, a vida das pessoas não é colectiva nem há sentimentos colectivos genuínos. Falar indignado sobre as condições das pessoas não tem por isso a eficácia que devia ter, porque na verdade cada pessoa só confia em si e sabe, produto de vinte anos de cultivo entusiasmado de individualismo feroz, sabe, que só pode contar com ela. Hoje o que nos leva a acções colectivas é o nosso jardim , a nossa condição individual, não é o sentido de justiça nacional, nem o estado social, nem os pobres nem coisissima nenhuma. Quem nisso fala e grita pretende convencer-nos que se interessa e sabe mas de facto não sabe nem se interessa . Saímos à rua porque o emprego está ameaçado e a nossa vida também e é assim que tem de ser, é a nossa vida, a vida de cada um que interessa, e não venham cá com tretas demagógicas.  Este individualismo é a génese da desconfiança nos políticos.

Imagem: fotograma do magnífico "The crowd" de King Vidor

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Reflexões para começar o ano

O Ano que aí vem, melhor, o tempo futuro, o que nós temos para viver, parece sombrio. Para além das dificuldades económicas e da pobreza de muitos, conheço alguns e todos nós conhecemos uns quantos, pessoas sem trabalho ou outras a trabalhar em condições pouco dignas, temos a sombra esmagadora de uma desconfiança na classe política que nos governa e numa série de oportunistas ligados ao poder cujo ofício parece ser servir-se do Estado para enriquecer com empresas que vendem ao dobro os seus serviços. A mudança que temos de fazer teria de ser dirigida para um mundo melhor e mais justo e, para isso, teríamos de confiar em quem dirige, ora como essa confiança não existe estamos de olhos vendados, com medo e, por isso, confinados ao nosso pequeno mundo, lutando por ele sem olhar mais longe, sem consciência política que nos possa unir. Neste contexto não é de espantar o discurso de um polícia enquanto esfregava os olhos cansados de olhar para o computador, registando as queixas de roubo que todos os dias caem às dezenas na sua esquadra: este é um país de homens fracos, de burlões e de corruptos, o mal não tem remédio, os melhores emigram,  resta-nos a geração futura das crianças Indigo e Cristal que vão "limpar" esta nojeira colectiva. Compreende-se a impotência e a revolta mas não podemos cair na irracionalidade. As teorias messiânicas de salvação não são mais que um chorrilho de disparates, alimentam-se do descontentamento e da ignorância e podem ter consequências trágicas. O Estado ocidental está decadente por inúmeras razões, mas continua a ser um Estado melhor do ponto de vista dos direitos humanos que qualquer outro e, a nossa qualidade de vida, a da Europa, continua a ser exemplo para outras sociedades. Esta constactação permite-nos olhar melhor para o que está mal e não tomar as partes pelo todo. Se há ministros que são corruptos exija-se a sua demissão, se o governo não sabe o que faz exija-se a sua demissão mas não deixemos de lutar pelos valores da democracia e da justiça social, não confiemos numa alma messiânica porque essa não existe e se diz que sim, é preciso ter muito cuidado não vá ela convencer-se disso.