Enquanto são só lençóis, o peso das pernas e da barriga, deixo de voar, mas depois há aquela frecha aberta, a velocidade soluçada e o tombo elástico entre saliva, a distensão muscular, curva entre o começo e o recomeço. O corpo segura atrás de si , uma parte especial do corpo, segura atrás de si, rabias, histórias, coágulos de sangue, mitos, calor húmido, esse calor que cria água, aí teria de me perder ou então deveria haver uma estrada para continuar a escrever, de novo: golfadas e esfinges. Como pode ser esfinge essa frecha aberta? É. Tirei-a do deserto e ela veio pelo seu pé arribar onde eu já me tinha acotovelado para ganhar espaço à morte. Ficou ali, no átrio, e são os meus braços que agarram e suportam as suas antiquíssimas colunas.
sexta-feira, 29 de junho de 2012
segunda-feira, 25 de junho de 2012
coração!
O
coração é um órgão de fogo. Queima e arde. Tudo o que se faz com o coração
agita-se tremulamente no ar, escoiceia, gasta o oxigénio em volta, intoxica,
deixa um torpor nos membros, uma agitação contínua, um desenrolar de parábolas
na cabeça, momentos e enxames de sensações contrárias. Há que voltar a colocar
nele a ordem e a resistência começa: como direcionar o fogo se os limites se
diluem? Se quando os colocamos logo sentimos arder noutro lado? Não nos
inclinamos naturalmente para a destruição. Não. É para a natureza que falamos,
e ela reenvia-nos o eco de uma voz secreta, de um desígnio. Se ardemos é para
depurar, diz-nos a natureza, se custa, é porque também o álcool sobre a ferida
custa mas sara. De novo a resistência, esse álcool abre outras feridas, se
esta sara outra sangra. Inclinamo-nos para o tempo, nele descansamos a cabeça. Que venha o tempo diz a natureza, e tudo volta ao princípio e não há tempo mas
uma irrupção de fogos que não cessam. Coração, coração se tu soubesses, se tu
pudesses resolver-te a fiar, a costurar, ou se tu soubesses cantar em vez de
gritar, talvez o teu canto pudesse seduzir as pedras, talvez o teu canto embalasse
o medo, talvez o teu canto restituísse ao fogo o seu perdido dom de
encantamento.
quarta-feira, 20 de junho de 2012
Música das esferas
Pitágoras afirmava que estrelas e planetas eram pequenos orifícios na abóboda do universo. Ao moverem-se, como nos furos das flautas, iam tapando e destapando orifícios, e daí a origem da música. Poderíamos compreender matematicamente o seu som e e até imaginá-lo. Kepler, místico e astrónomo, 2000 anos depois, chegou a arquitectar a partitura dos sons dos planetas nas suas elípticas. Hoje a NASA confirma, há mesmo música no universo. ouça-se Urano:
http://www.youtube.com/embed/80Ngl2RY8sA"
Mais, aqui: http://youtu.be/MWDB_1Ajq20
quarta-feira, 13 de junho de 2012
PROMETHEUS
Pontos prévios: discutir os oito euros do bilhete e o aborrecimento de usar óculos durante duas horas;congratular-me do Ridley Scott ter escolhido a Noomi Rapace para o papel da doutora Shaw: a protagonista; extasiar-me perante a força de determinadas sequências homem, fibra, músculo, orgânico, espiritual, máquina, inorgânico.
O que está em causa em Prometheus é a origem da vida e do mal, como se ambos fossem indissociáveis. A vida, não é o resultado de uma análise ao microscópio, não é uma coisa que se disseca, uma soma de partes, embora também seja, considerá-la como tal, apenas, parece poder conduzir-nos ao princípio da sua destruição. O orgânico disforme da besta, ainda me faz náuseas, e o universo à nossa escala é um sonho incompreensível. PODEROSO!!
sonho no cabeleireiro
Eram
10 h da manhã e tinha sono. Adormeci para ali sentada em frente ao espelho
gigantesco tentando fugir ao olhar que perscrutava as minhas rugas como um
penhasco fundo. Adormeci e não dei conta do tempo. Ai adormecer para
sempre! Não, acordei naquele cheiro de ácido misturado com cola, enquanto a rapariga
negra punha papelotes no silêncio do seu profissionalismo, papelote de prata,
um, dois, três, quarenta, cinquenta. Adormeci outra vez, sonhei que estava na
tenda de um Marajá e que tu, minha amiga, fazias uma massagem nas minhas costas
depois de teres assassinado o Marajá , mas, o mais
natural, era ter um cigarro na boca e adormecer no sonho; o cigarro
em lenta combustão ateara fogo à tenda do Marajá, mas agora de papelotes de
prata no cabeleireiro não podia fumar. Não liguei de como tinhas assassinado o marajá, o facto era adquirido. Quis dormir, de novo, e o fumo entrou-me
lento nos pulmões e enroscou-se em ondas na aorta que me dá vida e me tira vida,
e quando às 11h estava pronta para cortar o cabelo e o secar com o
secador, já tinha secado a fonte , qualquer fonte, e abandonada no primeiro andar do cabeleireiro
deixara-me ir com o fumo ou o esquecimento enquanto os dias passaram e ninguém mais se
lembrou de mim.
fotografia aneta bartos
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