terça-feira, 27 de novembro de 2012

Por agora

 

por agora acho-me com os dias frios, especializada em andas para não esbraçejar na lama. Diagnóstico frívolo. portanto.
Serei levada a pensar na inutilidade do discurso crítico, uma pescadinha de rabo na boca, somos e usamos o mesmo discurso e as mesmas armadilhas do discurso estendem-se em cada frase, em cada exclamação vigorosa. A única atitude seria calarmo-nos , não cair uma e outra vez nesta incessante e fragmentária exposição de intenções, exceder a auto-vigilância que nos é exigida continuamente ou a consciência angustiante da impossibilidade verdadeira de, por agora, poder encontrar espaço para a transgressão, por mínimo que seja. Palavras indignadas ou revoltadas servirão mais do mesmo, contributos de uma catarsis colectiva. Porque queremos nós falar? Porque falamos a todas as horas, por todos os meios? Conto da saturação. Voltar ao umbigo, ao minúsculo, ao tão subjectivo de pessoal. Corromper esta generalização constante que quer esclarecer e só empapa as coisas em verdades sobre elas. um estado, o fim do dia, antes da noite, existem apressadas e sem contornos definidos as parcelas, o automóvel, a Lua , o arco-iris no céu. e deste texto acabado de escrever espero cinco gostos, dez seria melhor, ou nenhum.
 
foto: Rita Araújo

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

e livrai-nos do mal


abro e fecho a porta do carro, inspiro eflúvios de um ar híbrido e frio, futebol na rádio, a conjuntura europeia vai mal, aqui "vai mal" é consensual, em qualquer lugar, os ténis azuis olham-me esperançados na ressurreição das pedras da calçada, talvez renasçam notícias animadoras. No café os rapazes do lado pedem um croissant e um galão, depois levantam-se e deixam metade do croissant no prato. hoje vai ser decidido o orçamento europeu e concluo que entre todos estes factos espúrios há uma luz tremeluzente: temos uma sociedade picotada, como as senhas com canhoto, não fazemos um todo, rasgaram bem o picotado e não sabemos bem ligar as partes com o todo. Perdemos a ligação à terra e à política, perdemos a ligação social, somos senhas num mapa de números abstractos sem significado real. milhões. subsídios e desemprego. tudo dado em números. Ninguém sabe para que servem. Cada um conta com o dinheiro no bolso, e o dinheiro é crucial para sobreviver, é a única segurança, o resto conjunturas, discursos, rasgões de alto a baixo, nada que nos dê uma referência, um calor, um motivo para deixar de contar o dinheiro no bolso. Assim, desintegrado, catastrófico e sem espessura nada pode ser verdadeiramente entendido, é uma poeira que nos assusta porque não sabemos "como" , "de onde" ou "para  quê". Culpo os meios de comunicação social por esta atoarda e lembro uma frase:" a decadência social começa com a decadência do discurso". O principal meio de revolta e renascimento está moribundo de chato, repetitivo, falacioso e manipulador. Não há verdadeiramente informação, não há história, há só catástrofe e messianismo. O discurso hoje é como aquele croissant, parece apetitoso mas depois não presta e deixa-se no prato.
 
Foto: Cartier Bresson

terça-feira, 13 de novembro de 2012

greve


Amanhã algumas pessoas fazem greve e outras não. os novos tempos confundem-me mas os ideais envelhecem connosco apesar da resistência e perplexidade. Quando penso nos meus ideais de "esquerda" sobre os quais muitos vociferam contra o estado de coisas e exigem demissões, vejo-me a pensar contra eles. de facto agora não me animam estes velhos ideais,embora a "direita" também não, terei sido eu que envelheci e não eles, pode ser, dou de barato, mas permitam-me discordar, a alternativa esquerda revolucionária nunca me convenceu e penso que em grande medida é responsável por este estado de coisas.Há um discurso e uma actuação reivindicativa por parte de uma classe que não quer perder privilégios num mundo europeu com uma população envelhecida em que mais de um terço da população não trabalha e os outros dois terços aguentam as pensões desses restantes. Esta situação não é sustentável por mais injusto que isso nos possa parecer. Há que fazer qualquer coisa, a única saída é mudar. A mudança custa mas tem de ser feita. É certo que não vislumbramos como, e é  isso que nos confunde, mas sei que essa mudança tem de ser feita com todos, por isso não faço greve. Não vejo resultado prático em entupir o país e não permitir que muita gente vá trabalhar.


Deixo-vos com uma das minhas obras, a minha primeira "encomenda" de uma série de "Retratos"

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

teatro


A Companhia Maior actuou no CCB. São todos velhotes de mais de sessenta anos. O conceito parece pouco atractivo, até repugnante. Não encontramos beleza na velhice, parece-nos cada vez mais uma tristeza sem rosto, um acabar sem utilidade escondido atrás das pedras, em camas manchadas de mijo e solidões titubeantes. Envergonha-nos, incomoda-nos, sentimo-nos julgados pela nossa indiferença, por aquilo que poderíamos fazer e não fazemos, podíamos tirá-los da sombra, acarinhá-los. Preferimos então ignorar polidamente, fazer de conta, viver o presente sem a olhar nos olhos,à velhice. Daí que ver um espectáculo de três horas e meia com gente de mais de sessenta anos parece-nos tortura, como levar-nos do quente das casas com internet para o frio da escassez, para a visão apocalíptica das peles descaídas. Três horas e meia. Um palco iluminado com pouquíssima luz, um chão a lembrar ferrugem, folhas mortas, Outono e de repente, o desmentido: há  beleza dramática nas rugas. na palidez da pele, no movimento vagaroso, na senilidade teimosa. Há fulgurâncias imprevistas num gesto meticuloso, numa voz gasta e grave, num gemido, há sensualidade numas pernas que tentam ensaiar um tango, num corpo abatido pela quietude, pressentimentos da voltagem do tempo, da gravidade e da graça, convocatória da vida. A história da vida pessoal de cada um, sem nada, depuração, a cruz e a redenção do tempo.