quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

BOAS FESTAS PARA TODOS OS QUE POR AQUI PASSAM!

domingo, 20 de dezembro de 2009

Dennis Stock, Cafe de Flore, 1958


noite gélida na calçada e nós de sombra com a parede a evitar aquelas pontes de vento entre as ruas, somos noite e estalamos os dedos dermentes, noite. bandos com mãos enfiadas nos bolsos respiram pequenas névoas de vapor apressadas, o táxi não deve vir, raparigas de percings no umbigo e mais uns quantos bandos de rapazes sem barba e garrafas de plástico à boca, vinho, talvez, vertido da pipa para o plástico e deste directamente à veia da língua sob o céu da boca. noite. antes éramos menos e não nesta zona da cidade, agora a noite transbordou de gente mas nem por isso de euforia, somos meio melancólicos meio taciturnos ainda, apesar de nos sabermos melancólicos e taciturnos, somos ao invés de espanhóis, não acreditamos na crise porque sempre vivemos nela. agora, como sempre, vivemos sem querer saber, vivemos com o que temos, quando não parece chegar há sempre uma luz acesa à noite, um lugar de aconchego, um copo de vinho, um desconhecido, áspero mas depois doce.

domingo, 6 de dezembro de 2009

erosão e construção, sombra e luz. a veia, secou, há na mente um vazio e no corpo uma ausência. como dizer-te...a civilização às vezes deita-se na minha cama e faz-se de morta, é certo que pulsa ainda mas só a dor antiga elevando-se terá o efeito da morte. é a guerra lá fora mas quantas guerras cá dentro? quantas? quantas sem final anunciado? Come chocolates pequena come chocolates, diria o Pessoa. a metafísica espalhou-se ou entranhou-se entre factos e não factos, rarefez-se, perdeu a bússola. só sentimentos. frio pela noite, vontade de se diluir ou resgatar, apequenar dentro da chuva, ser chuva, vento, poça de água e... esquecer.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

divagações

Richard Kalvar
hoje vou falar sobre o espírito e a carne enquanto vou fumando um cigarro, não há pressa nenhuma, apesar de supostamente haver sempre qualquer coisa urgente, qualquer coisa que não dominamos, qualquer coisa que nos escapa, é isso a pressa, mas agora pressa nenhuma, sei perfeitamente o tempo limite de uma prosa curta, algumas linhas e as mangas do casaco a roçarem o teclado, há que as arregaçar, pequenas contrariedades, interrogo-me sobre este facto tão simples: porque será que a minha mãe teve uma influência tão decisiva no meu carácter mas nunca me impediu apesar de tentar vezes sem conta de me vestir mal, comprar roupa larga demais apesar de isso não revelar nada, porque gosto do meu corpo mas também gosto de roupa larga, e assim para falar do espírito ele como cresce para os lados e para a frente absoluto e teimoso mas a carne não, mantém as curvas, as dobras, os intestinos, silenciosamente busca a saciação e encontra o desejo.

domingo, 29 de novembro de 2009

cinema

"A linguagem verbal está morta" diz Tetro, di-lo no entanto através da linguagem verbal, é ainda pela linguagem verbal que surgem os compromissos e se desfazem. Em Tetro há um pensamento que se interroga mas para além e mais importante há laços que nenhum pensamento por mais despegado poderá quebrar. vi o filme numa noite chuvosa e gélida onde a meteorologia previa alerta laranja para certas regiões do país e as árvores esperneavam com o vento. são-me saborosas estas rotinas de cinema, este calor das salas no inverno e as imagens a correrem à frente dos meus olhos. gosto disto, depois sair de novo e a noite já não nos apanhar desprevenidos porque não paramos de querer meter nas palavras a bravura do que sentimos por dentro, esse entusiasmo. reparo num homem que caminha com os pés descalços na rua molhada, a realidade confunde-se na fantasia e de olhos vermelhos, ainda enevoados de outras ruas, reconheço burguesa esta arte da fuga. ai ir. ir mesmo, para enfrentar tudo de olhos bem abertos.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

democracia e dinheiro

a letra dos dias tem sido a justiça. os processos em tribunal e a quantidade de arguidos desde o Caso Casa Pia, alimenta os jornais e as opiniões. São arguidos em processos que duram e duram até não sabermos quem é de facto culpado porque já não os julgamos a eles mas julgamos antes a justiça. Julgar a justiça é estúpido e perigoso. Tribunais e juízes confrontam-se com todo o tipo de argumentos e provas e contra-provas nestes casos tubarões (gente com poder), testemunhas reais e compradas, infindáveis artimanhas criadas na habilidade dos advogados a lidarem com lacunas e fraquezas da lei. São as leis que permitem estas brechas mas no caso dos pés-descalços todos sabemos que os julgamentos são rápidos e eficazes. Questiono mais a seriedade dos advogados que a dos juízes, a fraqueza da lei, a sua falta de clareza e os seus limites deixam ao critério de advogados sem escrúpulos todo o tipo de recurso. Bons advogados podem alterar a visão da verdade, podem fazer condenar inocentes e libertar criminosos e isso não é justiça. Veja-se o Caso Casa Pia, os desvios constantes ao essencial, a poeira lançada pelos advogados, nenhum esclarece seja o que for.Porque não há-de o Carlos Cruz ter um advogado desconhecido escolhido ao acaso? Toda essa gentalha só contribui para este clima de impunidade. O dinheiro assenta a democracia no banco dos réus. Não parece, mas é.

sábado, 21 de novembro de 2009

gripe F

acho que tenho uma gripe mas nem sei de que letra é, certamente das que começam com f...não haja dúvidas. tenho a sensação de ter furos por todo o lado e verto, ehehe é um horror, ajeitei lá no supermercado o saco ecológico para caírem os pingos do nariz longe da bancada das compras. que no saco só toco eu e bem ,não tinha lenços, não merecem estas amostras de papel que me lixam o nariz o nome de lenços, coisa esquisita, nada a ver com os lençinhos macios bordados ao canto que a minha mãe me dava quando estava constipada, mas seja como for na cegueira vale tudo para estancar a torneira. e não tenho nenuma certeza se no meio destes espirros monumentais não contagiei os tipos todos da fila, mas que querem? tenho de fazer compras, não? esta mania de ficarmos de quarentena é complicada para quem vive sozinho e tem de comer, assoar-se, beber, etc. ainda não adoptei a moda das compras ao domícilio, faz-me sempre lembrar quando vivia em Alfama num quarto andar sem elevador e telefonava para o homem do gás.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

hedda gabler

a história de hedda gabler, a bela e má, conta-se em três linhas: Hedda ama L mas casa com S. com S pode ter um compromisso, com L não, é só desvario. hedda quer segurança por ou apesar do fogo e da turbulência que sente, querendo recusar o irrecusável acaba vítima dele, domina e no fim é dominada. o texto do ibsen não diz nada disto, não fala da psicologia, ela, a psicologia, está no comportamento, hedda enfastia-se casada, anseia, da beleza faz ariete, da inteligência um laço de caça. na moral burguesa é a manipuladora de sentimentos, sem moral, vemos uma mulher dominadora, a mais forte. mas no seio da burguesia os fortes são os fracos, os que não opõem resistência. quem ganha afinal? o marido, o que não tem talento para nada senão para a paciência. perdem os apaixonados.

domingo, 15 de novembro de 2009

auden

em fios finíssimos se tece a teia com que resguardo o corpo quando o mesmo dotado de alma (que nem sei se existe), treme. em fios finíssimos se tece a teia de uma história feita de avanços recuos e galáxias e fogo, aguentaremos. se o universo afinal for apenas indiferente, não me regozijo da dispersão arrojada do pensamento mas a trama não se perde nunca, essa obscurece qualquer pensamento ou o ilumina, pois que na essência onde o movimento se dá também os contrários se juntam no mesmo.
Lembro a discussão com o meu aluno: A homossexualidade é feia, disse ele. Vá, André, que acharás deste poema? Diz-me tu. Auden era homossexual. A palavra não colhe? E se é a alma (que não sei se existe) a impor-se?




Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead,
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever: I was wrong.

The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood.
For nothing now can ever come to any good



W.H Auden, Funeral Blues

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

união de facto ou casamento?

O PSD propõe uma modalidade soft para as uniões de casais do mesmo sexo. Uniões registadas. A princípio pareceu-me a solução mediadora: resolvia a questão dos direitos cívicos, saúde, habitação,impostos com a protecção que têm os casais legitimamente casados e, ao mesmo tempo evitava a fractura social que a legalização do casamento homossexual poderia trazer. Depois, de pensar um pouco, já não me pareceu uma boa solução porque não resolve nada. O nome parece-me descriminatório. Porque não legalização de uniões de facto? Continuo a pensar que a questão tem que ser resolvida, não se pode ignorar 10% da população como se não existisse, quando existe e é activa, votante, contribuinte etc. Mas se a questão fosse só de direitos, legalizar as uniões de facto resolvia. A questão do casamento é no entanto mais arriscada e mais ousada porque essa sim pretende tornar a relação homossexual uma relação com o mesmo grau de aceitação da heterossexual. Porque o casamento tem um vínculo social mais profundo que a união de facto, esse vínculo alicerça-se no tempo, na memória, na história. Nos anos 60 considerava-se coisa burguesa e hipócrita. Lutava-se pela autenticidade do amor fora do aval do conformismo institucional. Agora um movimento pela liberdade das minorias faz do casamento uma bandeira. O movimento que permitiu a liberdade sexual também se opôs ao casamento e agora reinvindica-o. Os tempos mudaram. Sim, mas porque será uma bandeira de liberdade o que há quarenta anos não passava de um símbolo de escravidão?

domingo, 8 de novembro de 2009

ervilhando

hoje quero falar e calar-me à vez,ainda não decidi que parte quero calar ou qual é a que quero falar, fala-se muito, em todo o lado mas por via indirecta. fala-se para um microfone, escreve-se por aí fora, dão-se opiniões e conta-se tudo, mostra-se tudo explica-se quase tudo. as palavras correm umas atrás das outras inflectidas ou monótonas, digo o que me vai na alma e quando digo já parece não estar em lado nenhum. mas apesar de toda esta euforia não é o discurso que conta, em boa verdade o discurso conta pouco, talvez por ser tão cómodo e fácil falar numa sociedade onde se permite que tudo seja dito. nada então nos choca ou faz estremecer. mesmo o mais imbecil e desinteressante dos seres tem o seu momento de visibilidade cósmica, debita qualquer coisa no écran por onde passam milhares de outros fumando ou bebendo cerveja. COMUNICAÇÃO. barra a queda para deixar ir dizendo, dizendo, não parar de dizer. pois se calar é assumir a verdade da coisa: Nada temos verdadeiramente novo para dizer.
mas afinal não é este solilóquio senão uma questão de inveja. pergunto-me invejosamente: como é possível um blog como o do Bruno Nogueira ter mais de 2.000 leitores por dia? é muita gente, caramba, que procuram esses tipos todos? aquele ar tá-se bem, aquela coisa dada à brincadeira negligé. é mesmo misterioso isto.
fotografia: Raymond Depardon

domingo, 1 de novembro de 2009

chuva

chove lá fora e o tracejado da chuva nítido à luz do candeeiro de rua faz parecer estranho este bairro, estas casas, como pracetas perdidas do Uruguai, momentos antes de um grito numa qualquer taberna empurrar para a chuva outro corpo. assim. não conheço o Uruguai, sabes, mal conheço as sardinheiras tímidas nos vasos tímidos das varandas inexistentes do meu prédio. facilmente poderia ceder à tentação da queixa quando assim chove nas pracetas do Uruguai perdidas à conta de reflexos dos meus olhos miúpes, reconheço contudo que me é dada fantasia suficiente para desenhar mundos onde há apenas a noite e pouco mais.
imagem daqui: diariodeummago.blogger.com.br

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Por causa da Teresa

a vida não tem ética alguma. rege-se por um conjunto de circunstâncias que se juntam por acaso, sem qualquer razão e que ditam um destino. a ética vem socorrer-nos com a sua clarividência contra esta lei cega. cria-nos a ilusão que há uma ordem para as coisas ou uma justiça, mas de facto não há, no caso da morte a Ética é completamente impotente. morrer com a consciência leve ou pesada é sempre morrer. e morrer quando se está no meio da tarefa de viver, quando se quer viver, quando se quer fazer muito, completar. não faz sentido. é uma revolta. Acreditar num Deus misericordioso pode impedir a revolta, mas é uma dura prova para quem é dotado de sangue e pensamento. é uma prova que está para além de toda a compreensão. se há um Deus cuja vontade comanda a vida e a morte, porque havemos de lhe dar o amor que ele nos tirou? na vida vamos morrendo e renascendo e esse movimento não depende da nossa vontade, forças cegas, animais, mas também a força com que acreditamos na beleza das coisas, na sua justiça, na sua ordem, acreditamos que há um equilíbrio e que ele vai nascer do caos. será essa força a crença numa transcendência? talvez. mas não necessariamente, é a força dos valores em que acreditamos. mas depois há isto. este vazio. como que uma interrupção incompreensível onde todo o pensamento se aniquila.

domingo, 25 de outubro de 2009

filme

"O dia da Saia" é o título de um filme francês. Pergunta natural: Que quer isso dizer? Dia da saia? então será que vamos instituir um dia para todos garçons et filles mostrarem a pernoca? E porque não o dia do naperon? ou da bóina...deixemo-nos de parvoíces porque o assunto é sério. Tudo se passa num Liceu ou como hoje chamamos, uma Escola Pública, onde uma professora pretende dar a conhecer Moliére a uma turma de origem maioritariamente marroquina e argelina. O ódio e o desprezo pela Escola, colegas, professores e Moliére, sourtout lui é de ordem a ser impossível comunicar sem ser aos gritos e ameaças. o resultado é devastador, tão devastador quanto é próxima esta realidade. A propósito: reivindicação da professora exausta: institua-se "o dia da saia" um dia em que toda as mulheres desta escola possam usar saias sem serem consideradas putas...é isso mesmo...quando estiver menos cansada derivarei para o problema dos emigrantes e dos valores.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

dixotes

na sua crónica de hoje o Pulido Valente chama analfabeto ao Saramago, porque ousou dizer dixotes sobre a Bíblia e escreveu um livro sobre isso, ele que não passa de um trolha a quem faltou a educação básica.dá vontade de rir...a educação básica será o quê, neste caso, ter mestrado em teologia??
a questão é que este trolha analfabeto ganhou um prémio que nos enobrece a todos e no futuro ficará como motivo de orgulho, para além disso é um escritor lido e admirado em muitas partes desse vasto mundo, e o sr pulido valente? que autoridade tem? os doutores da igreja sabem do que estão a falar e o saramago não. é a ideia do Pulido, a dele, o seu dixote de trolha. acho sempre imensa graça quando se evoca a autoridade para ter esta ou aquela opinião. geralmente invoca-se o argumento da autoridade quando não há outros, é a chamada falácia da autoridade não qualificada.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Três cantos estreia dia 22 no Campo Pequeno, os três maiores compositores vivos da Música Popular Portuguesa, juntos e ao vivo. Cruzam-se emoções, expectativas imensas para ouvir aqueles que poetizaram a minha juventude e continuaram a fazê-lo na minha vida adulta.
Cada um de nós os que habitávamos Lisboa com sofreguidão e desvario tivemos a ventura de ver despontar esta febre criativa, os longos braços da poesia e da música livre, como um longo suspiro, todos nós ligámos estas músicas a uma parte incontornável do nosso imáginário. Ao som do Rosalinda o meu primeiro beijo na boca, apaixonado, o beijo que vinha lá do fundo da ânsia e se fazia luz nessa tarde num apartamento dos Olivais.
"Rosalinda se tu fores à praia, se tu fores ver o mar, cuidado não te descaia o teu pé de catraia em óleo sujo à beira mar" e depois corríamos a ver os concertos espontâneos em cantinas, na Festa do Avante, em bares.
"A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia"
ri-me de ti "então porque não voas?"
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste
."

Há, houve, continuará a haver uma identidade que cresceu e se formou com estas palavras.

domingo, 18 de outubro de 2009

saramago

Então o Saramago escreve mais uma heresia, no seu novo livro "Caim". Caim o mau filho, Caim que mata o seu irmão por ciúmes. Saramago dixit: Um Deus cruel que permite tais actuações não é bom conselheiro. A Bíblia é um manual de maus costumes, os católicos nem se hão-de preocupar com o livro porque não lêem a Bíblia mas os judeus sim e para mim isso é indiferente. Continuo a admirar a sua coragem embora já ninguém se preocupe muito com heresias neste ocidente democrático. Curioso seria que os judeus se levantassem e em coro o condenassem às penas do Inferno, à excomunhão pelo fogo ou mais prosaicamente, a gosto dos fariseus e seus inimigos muçulmanos, passem das palavras aos actos e lhe movam uma perseguição! Filhos ambos de Caim, diríamos e parece-me igualmente herege mas Saramago? De quem é filho Saramago? Nem Caim nem Abel! Filho de sua mãe, só.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

sobrinhas

andei com elas ao colo, adoro-as, são como as filhas...etc, agora cresceram e temos zangas de adulto contra adolescente e vice versa, o habitual, adoro-as mais, mais, mas não sei como lhes dizer que as adoro quando mandam mensagens no telemóvel enquanto lhes falo. São lindas demais as miúdas e revejo-me naquela rebeldia. Herdou a mais velha de mim o gosto compulsivo da leitura e um certo orgulho meio enviesado, a mais nova o gosto pelo teatro e é fantástico sentir que os gostos delas, os subterrâneos, têm a ver comigo embora, felizmente, sejam muito diferentes de mim. A minha vida espelha-se um pouco nelas e isso faz todo o sentido.todo. Um abraço!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

ranking

O ranking das "melhores" escolas (escolas com melhores resultados nos exames do 12ºAno) não foi consensual. SIC, Correio da Manhã e Diário Notícias apresentavam cada um o SEU RANKING. Talvez isto de rankings seja coisa criativa e pessoal e o melhor é cada um ter o seu e não se fala mais nisso!
(Um exemplo, só com as escolas com mais de 100 provas: O Colégio Lusofrancês para a SIC e para o DN o Colégio Nossa Senhora do Rosário estão em 1º lugar respectivamente. E outras divergências são visíveis mas não é preciso ser exaustivo porque o resultado final aponta em larga convergência para dois pontos:

1.As Escolas Públicas desceram face às privadas.
2. Os lugares de topo são maioritariamente de Escolas cujo ensino está ligado à religião: Opus Dei, Salesianos, Maristas, Jesuítas e por aí fora.

Que se passa com o Ensino Republicano e laico? Será que não esclareceu ainda as linhas orientadoras do bom ensino? Será que não se preocupa com os bons resultados dos seus alunos nas provas mas com outros factores sociais, culturais etc?

Três factores que me parecem importantes e condicionadores destes resultados:


1. O desequilíbrio e instabilidade da classe docente nos últimos três anos. As guerras e confusões que se instalaram na Escola Pública face a medidas desrazoáveis do governo. Estas medidas parecem ter afectado mais os professores das Escolas Públicas porque a classe tem uma representação mais heterógenia que na Privada, onde os professores são escolhidos também por factores políticos. Maior vulnerabilidade da Escola Pública face ao Poder político.


2. Maior poder económico dos alunos da Privada, mais acesso a bens culturais, menor pressão familiar em relação ao luxo de estudar e consequentemente uma maior concentração no valor do estudo.


3. Mais elitismo nas Escolas privadas que são menos pressionadas que as Públicas no sentido da Inclusão. Isto é, as Escolas Privadas não têm a missão de educar todos, apenas alguns, os que querem verdadeiramente estudar . Esse princípio permite o elitismo que nas Públicas só é possível em algumas excepções, quando as Escolas Públicas rejeitam alunos com passados escolares pouco promissores. É o caso da Escola da Quinta do Marquês - Oeiras que sendo uma das melhores escolas públicas, aceita alunos fora da sua área em detrimento de outros que vivem próximos. O critério é a excelência e nível económico do aluno. O meu vizinho de baixo é exemplo.


Posto isto, ilações: A batalha perdeu-se! Mas a luta continua! Escolas Públicas às Armas!! Teremos de provar que o Ensino Republicano e laico é melhor que o ensino norteado por princípios religiosos, acredito que sim!


domingo, 11 de outubro de 2009

divagações

Cartier-Bresson


qual a relação entre a nossa experiência e a expectativa que acalentamos de felicidade? porque será o que vivemos pouco mesmo que seja equiparável ao que sonhámos? ser feliz depende ou não da quantidade de experiências que julgamos felizes? será que a felicidade é a soma de experiências felizes? e o que é uma experiência feliz? poderá uma experiência ser em si feliz sem que aquele que a viva a sinta como tal?


olho a luz de Outono, este azul ácido que se espalha do céu para as árvores e para os contornos dos corpos, sinto-me progressivamente alheada, sem lugar definido na soma de acções que nos relacionam com o colectivo, vivo na proximidade das sensações, como um lobo a farejar, o restolho do calor dos corpos, o cheiro, o som. dias há que os filhos dos outros me dão uma nostalgia tremenda de não ter os meus, e dias há também que sorvo o ar absoluto de não ter amarras, de ser livre. libertar-se progressivamente desses padrões, dos padrões natura, contra/natura, socialmente aceite, genuinamente respeitável, obedecer ao impulso, não lamentar.possuir o que possuímos, a lembrança, a capacidade ilimitada de se auto-transcender. se ficar louca chamarão os cães, se não ficar, acorrentar-me-á a lucidez da morte. não acredito na maioria das pessoas, acredito na linguagem do corpo. fatalmente. se hoje é de noite não é por acaso, será noite da descrença e porque não?

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Chéri


Chéri é um filme belo (pensei que este atributo da beleza fosse negligenciável e demodée mas não é, não é). Há o décor (as palavras francesas surgem em catadupa não fora o original francês, por causa dele e da sua influência certamente), perfeito no tom, na simbologia, no timing, lacónico, indiferente e subterraneamente trágico. Os actores, a Pfeiffer está por lá, com as pérolas e aquele olhar meio condescendente meio triste, meio irónico, só dela e do meu fanatismo por "olho azul " ele mesmo, exultante. o outro, amado, com uma fragilidade entontecedora própria dos amados, dos amantes ou dos que nada sabem e sentem, sentem. A Colette sabia do amor porque a história continua hoje, debaixo da pele ou encrostada no sonho de amor que todos trazemos do berço. A vida ergue-se em bicos de pés surpresa e cai, amarrota-se, engana-se.


Ps: O Expresso tem uma crítica e uns críticos imbecis, lavavam para já os olhos e depois talvez fosse bom atirarem-se ao rio, para exercitar o fôlego.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

na piscina


depilei-me cuidadosamente para esta rentrée na piscina, não que desgoste de pêlos, pelo contrário, os outros, mais concretamente a minha mãe, as mulheres e certos metrossexuais assexuados é que não gostam, parece mal, dizem, para não lhes parecer mal fiz-lhes a vontade pois nã me apetece ser tomada como "gaija" das cavernas ou badalhoca ou mulher barbada, sei lá...ele há imaginação pra tudo! mas o evento pedia esmero e decoro, era um sítio novinho em folha, uma inauguração pré-eleitoral aqui do munícipe de Cascais. Este sítio ganhou piscina e o povo ficou contente porque era à borla e porque está um calor do caraças! foi-se a ela aos magotes sôfrego de fresquidão e exercício pra banha, fomos todos, nunca bebi tanta água na minha longa vida de piscineira, confesso, não havia espaço suficiente, levei com o rabo de um tipo quando me preparava para a clássica e categórica respiração crall, fiquei mais crash que crall e mal vim à tona com o muco a saltar-me pelas orelhas pregam-me com um pontapé na nuca.arfei... contrariada, afastei as bóias com o Pato Donald e os colchões da Nívea e vim tomar duche que por este andar já tenho uma cultura de nódoas negras suficiente para receber um telefonema anónimo a aconselhar-me a denunciar o marido que me dá maus tratos, eu que nem o tenho...

domingo, 27 de setembro de 2009

botos: 40% de "abstentos"

Os "abstentos" são a maior força política do país. Caso para uma entrevista exclusiva
e uma profunda reflexão:


Porque não vão votar os portugueses?

1.porque não têm vontade, têm mais vontade de ir passear.

2. porque acham que os dirigentes dos partidos só se interessam em manter os "tachos".

3. porque o discurso do Sócrates é vago e vazio , o da Manuela nada de jeito, e o Portas até tem alguma graça mas não temos memória curta, sabemos que é um ego com sapatos de berloque, o Jerónimo é anacrónico, o PC idem, o Louçã é fraco em questões de facto e os outros são só 7.500 assinaturas na pausa da bica.

4. porque seja como for, votando ou não as moscas e a ....são as mesmas.

5. porque não queremos isto assim, queremos mais não sei bem o quê, ir às malvas...

6. porque o centro comercial e o futebol são bem mais "cool"


Esta nação que faz 100 anos de República já não liga à democracia nem à política, não liga porque não está para isso, porque não pensa nisso, porque não se preocupa com isso. é cada um e o resto. A indiferença mantém tudo igualzinho, nã muda nada, é só enjoativa!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

tentação


penso cada vez mais. não que resolva com isso os enigmas, tão pouco muda o que sinto, só me dá mais precaução. pensar é equacionar possibilidades e deitar algumas pro lixo, porque concluímos que não passam de impossíveis e estou cansada de impossíveis, aproximam-se com a sua beleza, o seu desafio. o absoluto e deitam-nos logo ao chão, subimos ágeis para o baloiço e rejubilamos de coração pequeno e grande , alma tão ao largo da bolina que se vê lá longe a rápida vela branca a espanejar, just me, a eleita do conto em estado puro vogando. daria o mar, todo o que vi, e a história do meu assombro por um liso e atento olhar assim. mas penso. vêm as sirenes, amarro-me ao mastro e conto os minutos, os dias e os anos, não ouvirei o teu canto.ponto. contrição. não que a admire, à contrição, mas pode ser, maybe maybe que outro canto possa nascer desse luminoso canto. será triste, pois sim, que seja.

domingo, 20 de setembro de 2009

Ghosted

Ghosted de MoniKa Treut, Hamburgo, Taiwan. 2009
No festival Queer, S. Jorge
.
Trata-se de uma história de amor entre duas mulheres, uma alemã de Hamburgo e outra de Taiwan, um país aparentemente ocidentalizado mas onde as tradições orientais permanecem, nomeadamente nos rituais de morte e no modo como vivem a perda. Dois traços parecem separar estas culturas: O individualismo e autonomia de Sophie, alemã, choca com o espírito familiar e de pertença de Ai Ling. Ao morrer inesperadamente Ai Ling adensa a solidão e a incompreensão de Sophie que não encontra forma de restabelecer um equilíbrio e continuar a viver. O facto de ser tocada por um espírito, um fantasma, é uma forma metafórica de descrever o que se passa psicologicamente com a personagem mas é também um convite a seguir um outro percurso, o que leva à libertação da culpa. Dialogar com os fantasmas e despedir-se num ritual de oferendas e de comunhão parece ser mais libertador que viver eternamente com a culpa. É disso que trata o filme e bem.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

às três da tarde ouvindo falar sobre Kant


são três horas e está calor dentro do anfiteatro, as portas em linha com a secretária e o ecrã onde se sentam os conferencistas abrem e fecham num vaivém de gente a sair e a entrar. Pausadamente o orador brasileiro cita Kant para provar que, contrariamente ao esperado e amplamente divulgado, a teoria do direito não defende sempre a proporção entre a sanção e o crime. é comum pensar-se Kant como defensor da pena de morte e é correcto visto que considera a indulgência uma forma de confusão entre o domínio público e o privado. A lei pública deve respeitar o princípio de Talião:para o assassino que mata a pena deve ser a morte. Havia, todavia um reparo a fazer, se a Constituição que dita os princípios da legalidade social não for de modo a permitir a liberdade então a punição não pode ter legitimidade. Só se pode castigar aquele que livremente violou a lei, quando a lei é conforme à igualdade e liberdade de cada um enquanto pessoa, se não o fizer, então a punição não restaura o equilíbrio social mas, por não ser a ele conforme, dá direito à revolta e à desobediência. As portas não cessam de abrir e fechar. No anfiteatro oscilam as presenças, há quem entre, sente-se 5m e volte a sair. Estão cerca de dez pessoas numa sala com capacidade para cem. Dirão depois que a culpa é do governo que devia ter instalado um barzito na sala, para as necessidades gastronómicas dos ouvintes. Kant com a mania do progresso e do Iluminismo não percebe nada de bárbaros porque não vem mal nenhum ao mundo substituir a liberdade e o respeito pela alarvisse e pela ignorância.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Fim do verão, já se pressente nas marés, nas noites frescas e sobretudo no voltar às aulas. Aquela soma de papelada que se acomoda rápida em cima da secretária, os procedimentos para a eficácia do sistema, a comunicação empresarial em que se tornou a conversa escola, nada de novo, um ano a seguir a outro, a expectativa e a angústia, o arrepio fino crescendo na base das costas, alargando-se aos ombros, tornando-os hirtos. Conheço-a bem a angústia, sei todas as suas metamorfoses, os seus fingimentos, a sua chegada mentirosa, como quem não quer a coisa quando vem de malas feitas para se instalar. Reparo que sou professora há demasiado tempo, e esse tempo parece ter crescido sem o meu consentimento, sem o consentimento da razão pela qual sou hoje professora, corro atrás delas, das razões, mas parecem enevoar-se, perder-se na densidade do nevoeiro da repetição, da falta de apoio, da perplexidade real de uma dinâmica que esfarelou a razão, atomizou-a em fragmentos e nenhum deles é suficiente para nos clarificar. Talvez fosse bom parar ou talvez seja apenas a estação com seus cachos tristes no fim do ciclo.não sei. talvez fosse bom parar.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

semenya antes e depois dos testes




ANTES e DEPOIS
YEEEE!
Já estão satisfeitos?...
Posso ir tomar banho e vestir uma coisa decente??

domingo, 6 de setembro de 2009

notas de viagem

A azáfama de uma cidade e a Lua, a linha encostada de mar, as vozearias, as correrias, ocupam os espaços vazios do pensamento no intervalo das emoções. Aquela absorção de cada um na vida de si próprio. Absorção de cada um na vida de si próprio, assim vejo a vida da cidade.Passar nas ruas e olhar à vez as montras, as pernas e as unhas escondidas no pó dos dedos inchados dos pés. As coisas atrás e à frente e os meus pés. Volto à cidade agora que não posso lá voltar e compreendo que no pensamento voltam as emoções identificadas, delineadas, correctamente ordenadas pelas suas causas. o rasto das pessoas prende-se-me nos dedos e lembro uma velha frase "gosto mais de ti quando te ausentas". Hoje o pensamento refugia-se, ampara-se nessa ausência. Talvez seja frouxo, é seguramente vibrante.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

ISTAMBUL




Istambul, a cidade entre as margens, uma observando a outra, subindo e descendo entre braços de mar e rio, crescendo meia sonâmbula ao som dos cânticos projectados nos altifalantes dos minaretes, são essas vozes que juntam as margens e unem o povo. O significado religioso tem aqui uma muito bela ressonância, religare, unir o distante e o diferente num mesmo gesto, ajoelhar e orar. A maciez dos tapetes acolhe os nossos pés cansados e sentimo-nos seguros, numa mesma família que fala uma linguagem antiga e comum apesar das sonoridades estranhas da língua. Techekur ederim levou algum tempo a aprender mas dizê-la provocava-lhes uma emoção surpreendente, baixavam a cabeça e tocavam com a mão direita no peito repetindo a palavra baixinho, como para dentro, numa breve e tocante cerimónia de agradecimento. Só para nos retribuir muito obrigada. Insallah! talvez um dia possa voltar com mais palavras, muito mais palavras!

terça-feira, 25 de agosto de 2009

feminino vs masculino e outros

a sul africana que venceu os 800 metros em Berlim tem 18 anos e toda a gente discute se é homem ou mulher, para ela, deve ser humilhante, numa altura em que podia alegrar-se com o sabor da vitória, vem aí uma leva de cuspo mal disfarçado de verdade científica, cuspo, escandaleira, venda de jornais. Tem testerona a mais, três vezes mais, será que feminino e masculino dependem dos níveis de testerona? Se assim fosse teríamos possivelmente de chamar a muito homem mulher e vice versa mas eles ainda não sabem, estão nos testes. que testes serão? aos cromossomas? se for XX é mulher, mas se for XY, dá para cá a medalha? Tudo isto fede a estupidez, pois os genitais não contam? uma senhora que a veja nua? Não? O comité inteiro why not? para não restarem dúvidas...tou mortinha de curiosidade para saber o resultado de tão secretos testes! será ao sangue? uma dissecação da pelve? talvez nos ossos, ou quiçá nos beiços esteja a sua esperada prova de que é macho, querem que a rapariga seja macho porque lhes parece macho, estão confundidos os pobres...cá para mim vão dizer que há transição, hermafroditismo não pode ser que se vê à vista desarmada, e se for transsexual? terá direito à medalha? Semenya, tu não ligues, se calhar estavam à espera que no final da corrida baixasses as calcinhas...agora que devia haver um tribunal para julgar estes tipos que dizem estas coisas sem provas conclusivas, isso devia...

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

é no Alentejo que o conceito TERRA atinge a sua materialização mais forte. Terra, bravia e expectante, mansa, omnipresente, gloriosa e pobre. terra poeira, terra suja e pura. terra com céu.ténue linha adormecida.
Trouxe pedrinhas pequenas e grandes e a recordação de uma luz que amortece e deflagra, uma luz que se queda e convoca antigas histórias, antigas faces, há nessa luz uma disposição para o encantamento, quase um hipnotismo, fixação num devaneio nosso que nos enlaça e entorpece. Abandonar-se no Alentejo no meio do abandono, na presença esquecida e atenta que vive com muito pouco e respira silenciosamente.
talvez não seja bem tempo para estas leituras mas por distracção dos editores nem todos os livros vêm com conselhos de estação, tipo: este é para ler na praia enquanto este outro vai mais com lareiras e assim, nevar lá fora, bom, seja como for encontrei-me na psicanálise e se bem que não possa negar a razão primordial do seu discurso, sobretudo os conceitos de inconsciente e pulsão, preocupam-me algumas das suas asserções, nomeadamente a de que a maturidade sexual da mulher estaria ligada biologicamente ao prazer vaginal e psiquicamente à ultrapassagem da castração primordial da infância que seria, no caso feminino, a inveja do pénis. A minha sobrinha, quando novita, dizia que queria um, sem dúvida que daria jeito, pensava ela, sobretudo para poder urinar de pé (estive três minutos a pensar qual a palavra melhor para esta acção...todas elas são ou rascas ou demasiado afectadas). A primeira asserção é obviamente falsa, o prazer sexual das mulheres não tem a sua origem na vagina e a segunda permite as interpretações e diagnósticos mais contraditórios. Isto é, na psicanálise, seja qual for o nosso comportamento, a sua causa é a mesma - a castração - e seja o que for que aconteça podemos estar seguros de ser todos psicóticos ou neuróticos sem excepção porque projectamos sempre fantasias sobre nós ou sobre os outros e estas são fugas ao complexo primordial, fugas essas que se pagam com a autoflagelação ou a flagelação dos outros, consoante a culpa seja nossa ou dos outros, há sempre o castigo. Bolas!! A acreditar em tudo isto ficamos não curados, mas verdadeiramente neuróticos!

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Ao meu amigo Zé

na minha geração há uma série de gente feita em cacos, coladinha com fita adesiva, recoladinha, e de pé, malgré tout! o meu amigo Zé é assim. digo, Zé, tu não ouves ninguém, tu estás a delirar, devias procurar ajuda! a resposta vem, pronta: não mudes de conversa! Continua o solilóquio, o mesmo de há muitos anos, mistura as vivências imensas da cidade, as tertúlias, os amigos, a Arte que fizemos, boa arte, ainda mal sabíamos andar mas não desconhecíamos a boa arte. Agarra-se vorazmente à ideia do passado agora que o presente fede, uma amálgama da fracassos. O Zé é uma enciclopédia viva de uma certa boémia dos anos 80, gente com poucos trocos e muitos sonhos. Tem uma memória elefantina. Digo Zé, vamos beber um café, antes de entrar já ele me descreve a história do café, quando lá estivemos, o que pedimos, com quem estávamos, como se chama ou chamava o empregado. Olho para ele pasmada e na defensiva, não dou o braço a torcer percorro as ruelas da memória e sim, confirmo, mas confesso-te agora Zé, quando lá entrei não me lembrava de nada. É assim o Zé, merda, um grande actor! O actor que já não pode ser porque ninguém lhe dá emprego sem os dentes da frente. Agora não sei bem, como apertar o futuro, está o parafuso lasso, como te vais aguentar? se houvesse neste país quase sem margens um dentista pro buono, até os cigarros, o SG filtro são três euros. Não, pára aí! Vamos lá recomeçar, qual era a data da peça " O amante" do Pinter? Não, não fomos os primeiros a fazer Pinter, mas ninguém o fazia como nós não era? Diz-me, qual o valor da memória? Vá...

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Apesar de não estarmos no deserto estamos a levar com uma tempestade de areia! Vai-nos inteirinha para os olhos! recolhamos o baldinho e a pá e observemos de longe. O Isaltino e a Fátima vão ser absolvidos dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, desvio do dinheiro da Câmara para benefícios pessoais etc. Dinheiro, mais dinheiro! É cómico observar toda esta tempestade da silly season, a poucos meses das autárquicas, a Fátima sobe ao céu e aposto que o Isaltino também vai subir, imaculado. O ministério público e a justiça nada podem contra o poder dos interesses, sobretudo quando eles movem poderosas influências políticas. O povo de Oeiras vai suspirar aliviado e fingir que acredita, serve para fortalecer a boa fé, um tanto abalada. O Isaltino até pode ter feito boa obra, embora o dinheiro gasto nos últimos meses para as "comemorações" dos 250 anos do Concelho (exposição -a mais cara realizada em Portugal - concertos e mais festas nos jardins) em período de crise e contenção, revele a face de um provinciano sem qualquer visão de cultura e de estrutura a longo prazo, mas agrada ao povo, todos agradam ao povo porque é muito fogo de artifício e pouca seriedade, mas se o tipo rouba, Meus Deus na minha terra é ladrão, vamos votar num ladrão? Todos roubam diz o povo, eheheh mais um menos um...os putos da Casa Pia que foram abusados há um ror de anos continuam a não ver nada e nós pagamos, pagamos para uma justiça que precisa urgentemente de uma outra que a fiscalize, este estado de direito cresce em fiscais enquanto continuarmos a eleger a maltosa dos partidos. Não há pachorra para isto porque parece que não tem fim e que não há volta a dar!

sábado, 1 de agosto de 2009

Por aqui chove e é boa a chuva depois do Sol, a chuva molhando ao de leve a terra meio ressequida das sardinheiras, a chuva pela calçada, lavando as ruas, dá uma sensação de aconchego, de proximidade às coisas. Nestas manhãs, dou por mim perdida em pensamentos, tranquila, em paz, gozo do tempo livre, aplico-o fazendo aquilo que gosto, ler, escrever, ver filmes. Gosto desta sensação da cidade semi-deserta, dos cinemas vazios, de prolongar os passos num certo silêncio, um silêncio deixado à solta pela debandada das famílias para perto do mar, a cidade sacode-se da poeira e do peso, liberta-se e disponibiliza-se para ser vista, tocada e acarinhada. A minha cidade, Lisboa e o mar, o sítio onde cresci, amadureci, ganhei asas. Não sei o que é viver longe destas coisas que amo, sei que muitos o fizeram por necessidade, porque este país lhes fugiu das mãos e lhes pareceu virar costas, sei que o fizeram com tristeza e depois voltaram, volta-se sempre ao local de infância, carregamo-lo para longe, mesmo sem querer e onde estivermos somos também e sobretudo esses locais, os sentimentos vividos não estão separados, não são apenas nossos, também estão nas ruas, esquinas, cafés, encontramo-los quando os julgávamos perdidos assim como eles nos encontram, reconhecemo-nos. Somos ambos, pessoas e cidades, feitos dessa matéria porosa e volitiva, passado e futuro.
imagem de: http://cachimbodemagritte.blogspot.com/

quinta-feira, 23 de julho de 2009

duas espécies de magazine para adultos: táxistas e polícia municipal

1h da manhã. Tenho a certeza que deixei aqui o carro, um molho de táxistas encostados às suas viaturas (como gostam de lhes chamar), por favor, sabe o que fizeram ao meu carro? O tipo a mascar pastilha: Era um fiesta azul? foi rebocado. isto é uma paragem de táxis! A viatura era sua?( não meu coxo era do chulo da tua mulher!!queria eu responder se tivesse tomates) o tipo era sopinha de massa e estava a divertir-se à grande com a minha cara de parva, teve sorte eu só queria sair dali rapidamente e não olhar mais para a sua fuça de esparguete mal cozido. Tirem-me deste filme! Estalei os dedos mas não sortiu efeito. Polícia, Polícia Municipal, Olhe, o carro foi rebocado para a antiga praça de touros, vai por aqui sempre em frente...bla bla bla....é longe? nã... cinco polícias olhavam-nos, cinco bófias a palitar os dentes, e eu a pagar-lhes, vai de andar, as ruas de Cascais estão soturnas, bolas, não se vê ninguém... nem o fim das ruas. Praça de touros, tudo fechado, lá dentro uma mulher segurança rodeada de gatos. Abrir o portão? Nem pensar... não está ninguém da polícia municipal...esperar, ao fim de 1h veio um carro a piscar, um carro de feira, pensei eu, para nos tirar dali e nos pôr a render como fantoches, mas enganei-me. era a polícia municipal, um cu gordo arremessou-se com dificuldade para fora do carro, disparei umas atoardas sem efeito, 60 euros de coima (nome novo para multa, que lembra outra função não matemática que para o caso não interessa nada porque nos lembra o quanto estamos fo...e mal pagos) 50 euros de reboque mais 10 euros de parque de estacionamento municipal. A gaija gorda com tickes de eficiência e complacência de hospedeira de bordo de um avião charter da republica do Chade, acompanhou-me solicita ao carro para ir buscar o multibanco e sussurrou melíflua: Posso fazer-lhe uma pergunta pessoal? Ai, pensei, o que mais virá desta noite...ela: Não deu aulas na escola...pronto, tinha sido minha aluna, estava risonha e agradecida, tinha adorado as aulas, eu não me lembrava dela, e para o caso não queria conversas, ainda rematei que era vergonhoso fazerem as pessoas esperar 1h no meio da noite e de nenhures, e tive tentada a dizer que apesar de ter gostado das aulas de Filosofia, não deve ter percebido nada dado o modo como parecia indiferente aos mais elementares direitos e deveres, naquela hora e meia de espera e de calcorrear ruas desertas tinha corrido riscos, riscos que a polícia tinha por função evitar, mas ela já me falava do curso de engenharia alimentar e eu pensei que estava bem, porque ali na polícia sempre podia contribuir para engordar o Estado à custa das distrações infantis dos seus professores de Filosofia, sem as quais não teria certamente emprego. e apertou-me a mão, eu apertei a dela, tudo muito cívico. Eram três e meia quando desabei na cama perplexa, mais pobre e não menos imbecil.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

hoje à noite, ...eu sei que foste embora mas no meu coração ficarás para sempre, diz ela, e é a mais pura verdade.

domingo, 19 de julho de 2009

Há dias em que nos sentimos imbecis, mesmo imbecis, não sei se é do calor ou da frequência de abordagens sociais inconsequentes, se é da idade, ou da saison, dos problemas da vesícula ou do autismo que não enxerga o óbvio, aquela tacanhez de pensar "eu já vi este filme" e fazer de conta que não, assobiar para o ar, bem, seja como for, tinha obrigação de fazer melhor, de juntar os calcanhares e contrair os glúteos, em vez de deixar o bago de arroz saltar-me da boca no meio do entusiasmo da conversa, ou de gastar o ordenado em restaurantes onde como que me farto e depois em casa vomito tudo. Não sei onde me abstive de pensar e me deixo levar como uma lagartixa tonta, valha-me o bronze e mesmo assim...não sei se vale de muito e também não sei quando tive a última conversa inteligente, já nem sei se sou capaz de ter conversas inteligentes, ( a questão deixa-me três minutos a reflectir para o ar enquanto puxo do cigarro) umas trivialidades parecem ainda causar momentos de reflexão trôpega, as poses, sim...sim, entre garfadas e pastagens ocasionais encostadas à noite , uns copos de vinho, os pés triunfando sobre as mãos (péssimo sinal!) e assim.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Chegaste com três vinténs
e o ar de quem não tem,
muito mais a perder...
o vinho não era bom
a banda não tinha som
mas tu fizeste a noite apetecer
mandaste a minha solidão embora
iluminaste o pavilhão da aurora
com o teu passo inseguro
e o paraíso no teu olhar
Dá-me lume
Dá-me lume
deixa o teu corpo envolver-me
até a música acabar
Dá-me lume!
Não deixes o frio entrar
Faz os teus braços fechar-me as asas há tanto tempo a acenar.

O velhinho Palma, na noite de Julho e esta canção, nas falhas de memória, estamos aqui, nós cantamos.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Agrada-me o ar do Algarve, leve e seco, aquela presença calma do mar, a paisagem de alfarrobeira, esteva, oliveira e amendoeira, os peixes grandes e pequenos, abundantes. O Algarve lembra-me o meu pai, a última imagem que retenho dele, justamente nesta praia D.Ana, encostado à rocha, costas direitas, olhando o mar como quem olha para a sua infância, como quem recorda. A saudade do meu pai, imensa, incontornável ,revive aqui, está aqui mais que em outro sítio, talvez porque sentisse a sua felicidade quando chegava, compreendia o quanto teria desejado aqui morrer, embora nunca o tivesse dito. Sinto agora como sou parecida com ele, como me moldo aparentemente ao que tenho mas mantenho aquele coração aberto e nostálgico, aquela fixação no que poderia ter sido se... herdada sem palavras, diria intuida a partir daquilo que entendo ser o universo forte e impositivo da minha mãe que ao agarrá-lo também o afastou, deu-lhe novas coordenadas, as dela, ele aceitou por amor, um amor leve, pouco exigente, um amor de filigrana, consistente, um amor olhado na direcção do outro. Durante muito tempo julguei que o meu pai era um fraco porque ia, concordava, não deixava o seu estado ser reconhecido e afectar quem estava perto dele, queria-o forte e combativo, estava enganada, sim. Hoje estou definitivamente triste.

terça-feira, 7 de julho de 2009

hoje debaixo da noite e da Lua aguardei que uns tipos com joalheiras, cotoveleiras e luvas grossas executassem uma estranha dança do lixo, num minuto, abriram, desengataram, arrastaram, esvaziaram, voltaram a pôr no lugar e voltaram a engatar quatro caixotes. Os movimentos dos dois sincronizados e largos, ora violentos ora não, não violentos, precisos, desenlaçavam bem à minha frente toda a superioridade ocidental: arte e eficácia. apertei a mão queimada para, caramba, reconsiderar no que estava a ver, concedo à claridade da noite as mais fantásticas visões.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

à conversa com a Anabela prof de Matemática, miúda de quem guardo especial gratidão porque me ensinou a fazer grelhas no excell, coisa que, dizem os tecnocratas, (espécie de mexilhão que a maré rasa da crise colocou à vista pra secar ao sol) é preciosa para as lides pedagógicas, e também porque é gira, inteligente e de Ponte de Lima, magnífica terra! pude confirmar o que sempre suspeitei mas não tinha razões, daquelas quentes e boas, aí vieram elas, para não dizerem que a dor de corno é só minha por sentir uma corrente de ar na forma como a coordenadora me avaliou e a forma como avaliou os meus colegas, homens. A tese é muito simples: As mulheres são umas grandes cabras umas pras outras, competem entre si, numa luta silenciosa, se lhes derem armas num instante aliviam a tensão reduzindo a pó umas quantas concorrentes. A razão? Inveja. A reacção primária é : Ai és boa?? Então és um alvo a abater!Podíamos pensar que é natural, quanto menos tiverem melhores notas mais sobressai a nossa, mas elas só são assim, mazinhas, com as outras, com os homens não, com eles meneiam os ombros,dão palmadinhas nas costas e uns risinhos cúmplices. Alarvísses de gaijas pindéricas!Enfim!
Todos lá no burgo sabem que a Anabela tem turmas de subir pelas paredes e mesmo assim é excelente! não é a gratidão a falar senhores! são os factos, e os factos são visíveis, nos alunos, nos conselhos de turma, na relação científica. A coordenadora. gaija, dá-lhe bom e ao colega excelente, ao rapazola, pois tem excelente! Não há volta a dar é primário mesmo! Para a próxima ronda mudamos de sexo, eu Manel ela António, e a coisa vai correr até muito bem, só para tirar teimas!!

terça-feira, 30 de junho de 2009

Estou a tentar fazer uma pequena lista de livros para os meus alunos da noite. Os rapazes gabam-se de nunca ter lido um livro, começam mas desitem logo de seguida, "há outras coisas mais interessantes para fazer!" e daí passado o sacrifício das primeiras três ou quatro páginas, já não têm paciência; as raparigas lá davam uns títulos da sua lembrança: "Queimada viva" dizia uma, e a outra " O meu pé de laranja lima". Propus-me então o desafio de escolher uns livros adequados aos seus gostos. Parto de duas pistas; a primeira é a dos signos, temos dois Touros, terra portanto, um Caranguejo e um Peixes, água, um Carneiro de fogo e um ar, uma Balança. A outra pista é dada pelo pequeno conhecimento que tenho dos seus gostos, sei que o Filipe gosta de filmes e futebol, a Simona de moda e relações sociais, a Sónia de romance e de sentimentos, o Bruno de Natureza e automóveis, o João de desporto e jogos de computador e a Isabel de viagens e gastronomia. Ora bem!
Aqui vai então a minha sugestão! São todas obras que fizeram as minhas delícias em diferentes tempos e estados de espírito e estão ainda abertas a remodelações:

Para o Filipe, ar, comunicação -aventura e acção:A ilha do tesouro de Stevenson, as Crónicas marcianas do Ray Bradbury e o Corto Maltese.

Para a Simona, terra, coisas de sentimento e relações: Bom dia tristeza da Françoise Sagan, Banda desenhada da Maitema, e " O grande Gatsby" do Fritzgerald

Para a Sónia, de fogo; A insustentável leveza do ser do Kundera, John Chaufer Russo de Max du Veuzit, "O monte dos vendavais" da Emilly Bronté

Para o Bruno, terra: A banda desenhada do Gaston La Gaffe, O velho que lia romances de amor de Sepulveda, A Selva do Ferreira de Castro

Para o João, água; O coração das trevas do Conrad, Moby Dick do Mellville, e a Banda desenhada do Bilal

Para a Isabel que é Peixes, Ventos do Oriente, ventos do Ocidente da Pearl Buck, A morte do apicultor de Gustafsson e "Paris" de Julian Green
Vamos ver se lhes consigo pegar o entusiasmo!

sábado, 27 de junho de 2009

Está em concretização a nova aberração do Estoril Sol. Para quem conhece a marginal o projecto já era desproporcionado, megalómano e horrível. Junte-se que na concretização, já em estado avançado, o espaço entre as torres e a marginal não é o que estava projectado, simplesmente não existe, as torres estão em cima da estrada e os andares elevados cobrem-na como caixas de betão e vidro entre a nossa cabeça e o céu! A petição existente contra isto deu em zero... só passando por lá se pode ver a dimensão da coisa e a fantástica e inacreditável falta de enquadramento, bom gosto e sobretudo o esmagamento que tudo isto provoca sobre aquela que é uma das maravilhas portuguesas, a Costa do Sol, transformada em costa do Terror, é que tudo aquilo parece que nos vai cair em cima! Não há ninguém que lhe ponha uns kilos de explosivos? Mas que merda de dirigentes estão à frente das Câmaras? Nesta está o PSD, na de Oeiras também e vejam só o que foi feito em frente à praia de ST Amaro de Oeiras, na conhecida quinta do Barracão? Isto nunca mais pára?

Não consegui colocar aqui as imagens mas quem for ao Google e procurar Estoril Sol pode vê-lo em todo o seu esplendor.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Michael Jackson era uma força da natureza, desde muito novo os holofotes e o negócio espremeram-no até ao tutano não apenas como cantor e bailarino mas também como freak, espécie de Peter Pan travestido, meio homem/mulher/criança, que teimava em não querer crescer. Para vender, tanto dava a música como as operações, os tribunais, os escândalos. Produto do mainstream americano perito em fabricar e destruir mitos, Jackson acusava como ninguém a máquina que lhe sugava a força para depois o abandonar na meia idade quando a imagem já não podia vender de acabada e triste, ora todos sabemos ser a tristeza o que há de pior para o negócio. Agora morto, alguém esfrega as mãos de contente! É muito dinheirinho a começar a correr de novo! Ficam-nos os discos, os vídeos e muita pena, podia ter sido de outro modo, pensamos, podia ainda dar-nos mais daqueles momentos inesquecíveis de ritmo e grito. Há um ditado que diz que partem cedo aqueles que são amados pelos deuses. fica-lhe bem.

domingo, 21 de junho de 2009

filmes

State of play, traduzido por Ligações Perigosas, e mal traduzido porque há pelo menos outro filme com o mesmo nome, é realizado por um puto que vem dos documentários Kevin MacDonald, e é um excelente filme. Tem um bom argumento, actual conflituante, uma montagem de cortes abruptos inovadora porque se dá por ela, isto é, apesar da história estar bem contada e nos absorver de uma ponta à outra, deixando para o final as revelações e o desfecho, marca da qualidade do filme, o aspecto formal, a realização, nota-se, não está submersa no conteúdo. Daí a satisfação, o prazer de ver uma obra de arte, rara, no meio do lixo em catadupas do cinema americano actual. Depois os actores, a começar por Russell Crowe, o protagonista, reavivando os velhos mas não acabados mitos do jornalista livre e fiel à verdade, próximo das pessoas, conhecedor das suas fraquezas e forças, imune aos vãos artifícios do poder seja material ou político, gordo, solitário, idealista. Ben Affleck que luta contra a imagem de marca hollywoodiana do puto rebelde e corajoso, para fazer um trabalho de contenção com nuances insuspeitas, a directora do jornal, a fabulosa Helen Mirren, perfeita na dicção british, Robin Wright Penn, a mulher desejada e indecisa e os outros, todos, excelente casting. O resto cinema em estado puro, acção, sentimento, situação. Imperdível!

sábado, 20 de junho de 2009

depois da ligeira náusea

então nada é sobre as coisas,
os gestos que as mãos agarram também estendem os dedos
deixam cair
se não fosse pela história
cruzariam oceanos sem memória
onde o pó segura o esquecimento
mas a história quer que revivas
que voltes a ser
mesmo nesse apartamento aí
onde nada perpetua
ou chama
mesmo aí a história sem consentimento
já começou

quinta-feira, 18 de junho de 2009

na feira

Caldas a meio de coisa alguma, entre névoa e ligeira náusea trazendo-me suavemente à beira da fruta e do legume gozou da fama de ter louça arriscada, bastou distrair-me com as cerejas para tropeçar nos galos, e daí à catástrofe foi um piscar de olhos, parti dois, como quem nem é da terra e desculpe lá, mas vai ter que pagar, conversa pra aqui e prali o dinheirinho atirado para o lixo surpreendido, juntamente com a faiança a imitar penas, porque penas, digamos, verdadeiras penas, tive-as eu de andar a cheirar a fruta sem olhar à bicharada. há quem parta corações e quem parta loiça, que se há-de fazer? cada um é para o que nasce, cada um nasce não se sabe para quê e o sol quando nasce não é para todos ou calhando nem é nada disto. vai de perguntar à loiça e ela responde, a das Caldas responde sem hesitar, a chamada resposta de ponta...

segunda-feira, 15 de junho de 2009



este tempo assim, esparso, de cabelos ao vento e nenhum compromisso, este tempo entrincheirado entre afazeres, este tempo lençol, este tempo peneira, este tempo fuga, trevo, voo de ave, apartado e seduzido, este tempo ligeiramente encurvado na nitidez e ansiedade do corpo, atirado para o presente com súbita distracção, este tempo amigo quando amigo é coisa de mergulhar, vertente translúcida e clareza, este tempo.

consegui fazer brasas e assar sardinhas. ponto final e bato palmas. ao meu redor os santos são poucos e sem altar, são as fagulhas que saltam no ar!

quarta-feira, 10 de junho de 2009

já não sei bem em que acredito, em que acredito eu? e será que é forçoso acreditar em algo? podemos viver sem acreditar em nada e também, à vez, ir acreditando em coisas que depois deixamos de acreditar, esse movimento retido na sua pureza de constante deriva e irrisão leva invariável à indiferença. aquilo em que sempre acreditei hoje revela-se-me confuso e inconsistente e viverei sem qualquer desculpa ou culpa numa descrença persistente, mas não pacífica, nunca pacífica, degladio as formas, interponho-as contra a necessidade de as fixar, vejo-as mesmo nitidamente a deixarem de ser mesmo quando as vejo ser e, aninho-me na perda como um sagui velho e cansado.

domingo, 7 de junho de 2009

Votar ou não votar nos chulos da europa. voto branco.quero dizer não acredito na eficácia de um parlamento com 700 pessoas. destas 700, 200 devem ir às reuniões e dessas 200, 100 estão a dormir...e mesmo que fossem as 700 como pode algo ser decidido entre 700 pessoas?? brincamos...visto-me sim senhor para ir à escola cumprir o dever, visto-me para ir não votar, that´s all! redução ao absurdo da polítiquisse!

sábado, 6 de junho de 2009

cúmulo-nimbus é o nome dado ao diabo que tragou 228 pessoas numa fracção de segundo. o inferno no céu, parábola de uma ilusão metafórica, a do céu como paraíso. a súbita evaporação da face da terra de 228 pessoas fruto de nuvens gigantescas e raios fulminantes adensa-nos o mistério de saber se este azul que nos cobre não é mais que a capa de um deus tentacular e vingativo desafiado pela arrogância humana. O que é um airbus com tecnologia de ponta, senão um pássaro de ferro frente ao insondável? não haja dúvida que este acidente nos corrói de um medo antigo, as asas de uma águia que na eternidade debica os olhos a Prometeu por ter roubado o fogo divino. Por momentos os mitos surgem na sua realidade, avivam-nos os limites.

terça-feira, 2 de junho de 2009

que procuramos nós ao ler um livro? há vidas ali descritas, reais porque é possível que sejam reais, o facto de serem descritas tira-lhes a opacidade e o segredo que há em cada corpo/vida que conhecemos, deste ponto de vista são mais reais, porque se mostram mais, mesmo o que ocultam o autor Deus faz o favor de desocultar e de nos dar a ver o mecanismo do relógio o que em tempo vida real só vemos o relógio mesmo e em horas diferentes. No mais íntimo não poderemos responder a esta pergunta senão com a nossa descoberta, demorada.demorada e nem sempre digna de ser revelada. mas,o que valerá a pena escrever ou revelar? no tempo vida real confunde-se tudo, misturam-se a virtude e o vício, a alegria e a tristeza, o cíume e o desprendimento, mal os captamos vemo-nos a perdê-los e rapidamente se tornam outros. nenhuma lógica, só uma narrativa circular e fastidiosa, este labirinto desorienta, quem somos não tem resposta, volatizamo-nos então em mil tarefas ou em mil pequenas dores que não queremos tocar por ofenderem a razão. nessas alturas, se temos a sorte de alguém nos pegar na mão e de nos amar, nem que seja por breves segundos, tornamos a respirar e compreendemos duas pequenas coisas maravilhosas: a primeira já foi mil vezes dita e reedito-a agora: só o amor nos faz, junta as peças; a segunda é que há mil formas de ser e todas têm o seu fascínio mas saber qual a nossa é tarefa de uma vida e imprescindível. ler permite-nos pensar que não há impossíveis e que é tudo humano, mas sobre a nossa própria forma não há leitura a abençoar e é dela que todas as leituras partem e chegam.
imagem, Caravaggio