sábado, 30 de maio de 2009



FAMILIE FLOZ, HOTEL PARADISO ontem no D.Maria II

Vejamos, como ficam bem na fotografia, não falam nem têm nome são apenas um rapaz tímido,uma velhota de luto pelo marido, uma mulher esgazeada e um talhante. Mas quem é quem? Qual o actor que faz cada uma das inúmeras personagens que povoam a fonte milagreira e tétrica deste Hotel Paradiso? Na recepção de um pequeno Hotel de montanha que tem uma fonte onde os sonhos se parecem tornar realidade, tudo parece calmo e familiar, a empregada apaixonada sem esperança pelo rapaz tímido, a velhota que vigia as tarefas com pulso de ferro e na cozinha um talhante prepara as carnes e acalma o cão que ladra a toda a hora. Mas, de repente tudo muda, com a entrada de um novo paquete. O bucólico desvanece e num corrupio entra o mundo todo pela porta do hotel, vamps, homens de negócios, meninas perdidas, ciclistas, polícias e ladrões e fica um pasmo quando no fim tiram a máscara e vemos quatro actores, três homens e uma mulher. Não sei como conseguem tirar e pôr cabeça com tanta rapidez, é absolutamente engenhoso, divertido, poético, misterioso, surpreendente, meticuloso, terno, humano, profissional, criativo...e insondável! Quando vêm companhias de Teatro alemãs a Portugal a qualidade dos seus espectáculos arrasa com as merdinhas que vamos fazendo por aqui! O D.Maria estava quase às moscas! No burgo, noites como esta são mais de cervejola e assim...é pena, os nossos teatreiros só tinham a aprender!

quarta-feira, 27 de maio de 2009

E agora o silêncio, o silêncio não brinca com as personagens que me bailam na cabeça, nem lhes dá a mão, recolhe-se na espiral de um búzio e aí fica a cair, soro a gotejar. ao silêncio daria eu a mão, a mesma que já folheou páginas e páginas de palavras e se quedou naquela branca crisálida debatendo-se.
Encosto-me à caravana improvisada e uma madeixa de cabelo solta-se, nos gestos anunciam-se os reflexos dos gestos que mil vezes fizemos, debruçam-se ao ouvido a sussurrar, outras vozes então se juntam, erguem o tom, mergulham tontas na cerveja , e voltam, mais uma vez ébrias, esta a virgula que cresce nos pêlos e arrepia a pele, digo, e entendo que há vozes antigas e por entender calo. No silêncio partem couraçados os gritos e voltam, voltam sempre, para sulcar obedientes a linha da nascença e desaguar nas pregas do pulso. presos. enrolando promessas. Então sigo a estrela, a que logo aparece sobre a noite, é um caminho, afasto-me da história, abro os braços e adormeço entre galáxias.
fotografia de Adriana Silva Graça

domingo, 24 de maio de 2009

a ciência pode a partir de uma célula sexual feminina e uma célula sexual masculina formar um novo ser, um bebé. (ai como eu gosto da palavra bebé, cria uma babita na boca, bebé, é bonito) MAS, uma célula não é uma pessoa, um bebé sim, imaginemos que as pessoas não se amam mas têm relações sexuais, podem ter outra pessoa, a natureza não precisa do amor para nada. Agora imaginemos que duas pessoas se amam, com sexo, muito, mas não podem ter outra pessoa. Decidem então comprar uma outra célula e com a de um deles e técnica e tubos de ensaio, formar um novo ser. Quem lhes conferiu essa possibilidade? A ciência. Terão essa liberdade? Sim. Terão esse direito? Ora bem, como é que das células pode nascer um bebé? com amor. A natureza inibe-se de amar, nós não. Coisa séria terá de ser o amor.

-60º

no expresso um artigo sobre as virtualidades da net: uma médica na Antárctida, Pólo Sul, está seis meses em isolamento total, seis meses com noite e temperaturas de -60º. com ela estão 42 pessoas incluindo o namorado. ninguém se poderá aproximar naqueles seis meses daquelas 42 pessoas perdidas na escuridão. brrr e que diríamos nós de uma alemã de 40 anos que foi encontrada morta seis meses depois de ter morrido, no seu apartamento da cidade, em frente à televisão? seis meses, seis meses, qual delas está mais isolada? consiste este isolamento na esporádica presença humana ou na excessiva presença humana? na escassez ou na indiferença? é a segunda que me arrepia, mesmo que a temperatura no seu apartamento não seja de -60º o cheiro que dele emana é talvez mais paralisante.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Viceversa


Tengo miedo de verte

necesidad de verte

esperanza de verte

desazones de verte.

Tengo ganas de hallarte

preocupación de hallarte

certidumbre de hallarte

pobres dudas de hallarte.

Tengo urgencia de oírte

alegría de oírte

buena suerte de oírte

y temores de oírte.

o sea,resumiendo

estoy jodido

y radiante

quizá más lo primero

que lo segundo

y también viceversa.


Mario Benedetti, Montevideu, 1920, 17 Maio de 2009

terça-feira, 19 de maio de 2009

não há nada mais atraente para os meios de comunicação social que a educação e o sexo...qualquer conversa de bidé passa a premier time no telejornal,discute-se com indulgência, chama-se o psicólogo que vem proclamar as virtudes com notas de rodapé suavizantes para não ser retrógrado, abana a cabeça...porque os adolescentes são adolescentes e embora vejam filmes pornográficos para adolescentes, não estão preparados para que uma reles professora lhes fale de orgias , vêm logo os paizinhos, que estavam distraídos na cozinha enquanto os filhos se encontram no messenger a trocar pornografia, crucificar e exigir justiça. telefonam à SIC para falar com os jornalistas sobre o dito professor perverso. conspurcador da virgindade das mentes adolescentes! (como se esta sociedade não expusesse o sexo de todas as maneiras e feitios!)tamanha falta de bom senso só tem paralelo quando se fecham as avenidas para transportar a Nossa Senhora de Fátima aos braços do Cristo Rei! De que estamos nós a falar?? De uma conversa sobre orgias que um professor teve numa aula, possivelmente contextualizando no seguimento das orgias que se fizeram com gregos e romanos! A moral não é um circo meus caros, a moral,antes de mais, serve ao próprio para agir de acordo com a razão, mai nada! vão lá fazer as vossas catarses para o psiquiatra e deixem-nos em paz ! Sobretudo ensinem os vossos filhos a ser autónomos e a julgar segundo a sua razão! Quanto aos jornalistas, se não houvesse tanto primo e enteado nas notícias, talvez pudéssemos ter isso mesmo, notícias!
foto retirada da net

segunda-feira, 18 de maio de 2009

então os Jerónimos queixam-se de não viajar? de estar ali só pedra no mesmo lugar? e a acácia queixa-se do seu insucesso ou de estar sozinha? e nós que não somos jerónimos queixamo-nos de andar numa correria a tentar segurar com mão forte a corda para que ela não se quebre. quem somos nós enfim? viver sem queixas, sem o mal de vivre, parece coisa impossível e vai daí andamos que nem doidos à procura do verdadeiro nome, do nome para o vazio, não tem nome o vazio, o nome vem com a coisas viventes, a vida por si, só, em si ,é vazio. Sei lá da vida! da vida que quero, não sei, é só o cheiro a livros velhos, uma forma de imitar, um olhar carinhoso, aquele acordeão à beira do degrau que dava para um sonho à beira de principiar, deixemos os nomes. por aí não chegamos a lado nenhum, reguemos as plantas e tenhamos o lençol lavado, o corpo disponível e o desejo intacto como da primeira vez que fomos amantes. mantenhamos as coisas aí, na sua singularidade, e deixemos as palavras grandes que nomeiam no seu aparato barulhento e distraído. concentremo-nos no tom, no riso, no buraco na meia, nas sardinheiras que florescem e na água que ferve ao lume.

coloco aqui o mar para lembrar que não fui à feira do livro, nem fiz aquilo que prometi, porque novamente e sem fim atirei às ondas o corpo e com elas me vou.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Podia falar de céu do campo e do mar, para concluir que, do trinómio, só o céu resiste ao muro mas penso que os muros têm também os seus segredinhos e cochichos, coisas de jornais e tertúlias, Eça de Queirós, dixotes, odes pessoais de malquerer,zangas hercúleas de palavras são passado, hoje o discurso anda para a frente e para trás e não sobe muros.Assim, tanto o da natureza me enfastia embora ela natureza, my god, me encante de encantar como o da política, sorumbático todo números, percentagens e repetições enfáticas, não belisca sequer a modorra desta sociedade de mar emparedado e campo emparedado e palavras emparedadas, mas hoje aconteceu a excepção; a imagem do Sócrates numa revista de fofocas a sair na sorrelfa da noite de casa da amante...sem guarda-costas. Ora aí está algo que desperta da modorra, ora aqui está assunto pra farpas ! e agrada-me, agrada-me que ele saia na sorrelfa da noite de casa da amante com a barba por fazer. fixo a barba por fazer e a amante, a luzinha tremeluzente acesa até altas horas na janela fechada que dá para uma rua de pouco movimento na zona histórica da cidade, isso sim, caros Portugueses, faz erguer a batuta do Quasímodo das profecias... ou estarei a ser espúria? Ora vamos lá depressinha!! e não acorde a vizinhança se faz favor!!

domingo, 10 de maio de 2009

quando temos fome estamos presos ao prato da comida
ou à comida

na sede ao copo da bebida

à bebida

na raiva ao disparar do gatilho

à explosão

e na ganância ao lucro

digo com ou sem razão

estamos presos

na paixão ao desejo do outro

e na ambição ao sonho

e com ou sem coração estamos presos

depende então a liberdade do comprimento da trela

ou da consciência dela.

foto: Leni Riefenstahl

quarta-feira, 6 de maio de 2009

de manhã o jardim cheirava a relva cortada e ao entardecer ao cheiro adocicado das flores,não saberia nunca enumerar o nome de todas elas ou identificá-las, sabia como me sabiam, como contornavam os olhos e conversavam com a memória. das flores ordenadas amores perfeitos roxos da paixão e das rosas do meu canto, quando tinha um canto com rosas...mas o jardim...nunca fui pessoa a quem oferecessem flores, não têm muito de flores aquelas braçadas em papel colorido, opacas cortadas, não, apesar da tentação para o lamento, não acharia graça...prefiro que me arranquem uma, pequena, e ma dêem na ponta dos dedos com pedaço de musgo esfarelado, a sujar as unhas de terra. Passear no jardim era um momento de sussurros, fala-se baixo com medo de acordar ou espantar aquele adormecimento, então levava um caderno onde desenhava versos e planetas, saturnos vários com suas órbitas de esferográfica preta e assim me deixava ficar por ali, escutando os silêncios interiores. se falo de jardins é porque os deixei num qualquer sítio para onde não sou capaz de voltar, onde não sei chegar, e do alto do meu corpo de saturno cheio de voltas e mais voltas, transformei-me, e agora ao andar de um lado para o outro, piso as flores e vejo nítidas as folhas do caderno
de desenhos a voltarem-se abandonadas ao vento. se pudesse escrevia outro verso e quebrava o encantamento, mas agora não posso.
fotografia de Adriana Silva Graça

segunda-feira, 4 de maio de 2009

No espaço onde vivo, um empreendimento novo (10 anos) de casas iguais de três andares, havia vista de mar e um espaço selvagem onde cresciam malmequeres, campânulas, jasmins, e onde as pessoas passeavam os cães, andavam ou corriam ou simplesmente passeavam. Passados dez anos a vista de mar foi-se, engolida por um bairro de casas altas e apertadas, o espaço selvagem que ainda perdurou está a ser aplanado por uma retro escavadora, um "jardim" com circuito de manutenção e cafetaria, dizem alguns...mais um espaço de árvores raquíticas alcatrão e betão, um espaço humanizado. Os moradores olham com tristeza a destruição daquele pedaço de campo onde lavavam os olhos, lá se vai o pedacinho que me fazia lembrar o meu Alentejo, dizia a minha vizinha. Pergunto: até quando nos vamos resignar a viver em bunkers completamente fechados por janelas que dão para muros? Até onde a nossa resignação de vermos um a um fugir os espaços verdes? A Câmara de Cascais não perguntou nada a quem aqui mora, nenhum protesto é eficaz, mesmo os mais justos caem em saco roto ou levam anos na justiça. Democracia? Quem estará contente com esta democracia que só cede a interesses económicos?
fotografia de Adriana Silva Graça

domingo, 3 de maio de 2009

sinto nostalgia. de fogo, de mato, um acto insano, serpentina, fogo de artifício, audácia. a conformidade encerra uma desistênca bolorenta, nenhum paraíso nos espera no além, nem um inferno virá, é aqui, agora enquanto o sangue nos corre nas veias que o temos de inventar.focar o ponto minúsculo onde nos fere a mordaça e gritar. um grito audível, uma fronteira.bem no centro da dor, antes a dor que a ausência.o adiamento, o tanto faz. percorro as estradas sem ti, sabendo que as voltarei a percorrer sem ti. isso não teria importância alguma se algures uma palavra ou um gesto irrompesse o dique e alimentasse a esperança, porque há um lago enorme ao fundo dos teus olhos.há um lago enorme ao fundo dos teus olhos.