quarta-feira, 28 de abril de 2010

o confronto entre Arte e Natureza conduz-nos inevitavelmente à beleza mas também à monstruosidade, ao inusitado, ao sublime. a Arte complementa a natureza humanizando-a, dominando-a sob os canônes da técnica e da expressão, na Arte tudo é domínio e se não é, falha. adquire por vezes a perfeição ao parecer elevar-se e ultrapassar os limites do possível, mas é só um leve tumulto, um êxtase da alma, compreendemos num assomo que é ainda do humano que se trata e isso exalta-nos, mas na natureza há uma cegueira que nos é estranha, que não compreendemos, que nos ultrapassa. Daí que os argumentos tolos da natureza isto e aquilo como se a natureza fosse boa , sublime , grandiosa e exemplo a seguir, baralham-me. Essa é a natureza que queremos ver, não é a natureza. Os gregos são mais sábios que nós os modernos, a eles interessa-lhes a natureza humana e não a confundem de modo nenhum com a natureza porque são diferentes. Os modernos é que partem da falha, da queda do homem que afastado da natureza se refugia na sociedade, falso.O homem não é um ser natural. Como assim? perguntarão, então não se alimenta e etc. mas pergunto: que animal criaria a Arte? Conciliá-lo com a natureza é o mesmo (sempre foi) que conciliar a natureza a ele. Falso novamente. O melhor é entenderem-se como diferentes e com diferentes finalidades.

sábado, 24 de abril de 2010

atmosferas

entrava-se no restaurante por uma escada transparente com luzinhas verdes a apagar e a acender, sob a escada os breves clarões reflectiam sobre uma série de objectos em vidro multiplicando tonalidades como se subíssemos ao céu, assim, directamente mal entrávamos a porta da rua e seguíamos a seta que dizia restaurante indiano. Lá dentro penumbra, apenas iluminada por velas que o empregado, gentil e silencioso, acendia mal entrava alguém para ocupar uma mesa. Nas paredes predominava o verde folha e o vermelho vinho, e as pinturas ocupavam o espaço todo em redor, senhoras deitadas em luxuosos trajes, o Taj Mahal ao fundo, rostos de homens belos com turbantes, cavalos, cidades, palmeiras, se a ideia era criar uma atmosfera ou se era apenas deixar os artistas exprimirem-se livremente pelas paredes antigas,foi amplamente conseguida e quando olhámos a noite cá fora pelas largas janelas entreabertas, houve dúvidas se estaríamos em Lisboa, na calçada da ajuda, era uma dúvida meiga e compensadora, depois de um dia desgastante. do Tandoori diria razoável, mas a comida não seria o mais importante. quando terminámos, veio a fome do cigarro e o leve incómodo de não poder fumar ali, de ter que ir à rua, de quebrar aquela coisa verde e vermelha que se instalava , a cantilena, a dormência dos olhos à penumbra ou ao vinho, não sei bem, olhámos em redor, o casal da mesa ao lado trouxe-nos o ensejo à fala; será que podemos fumar aqui? Os outros dois casais, saídos da sua gruta, juntaram-se-nos no cigarro e comungámos todos, por breves momentos, da mesma festa.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Joanna Concejo




Joanna Concejo (ilustração)
a palavra justa para descrever sensibilidade, será sensibilidade mas se não chegar então o melhor é colocar por perto uma figurinha, uma pequena poça de água, uma árvore muitíssimo despida ou, talvez , um suspiro, (como poderá ilustrar o suspiro?) ou um casaco velho com bolsos cozidos ao forro, uma meia com um buraco no dedo grosso do pé, uma borboleta esvoaçante ao redor do pescoço, os dedos finos abandonados sobre o parapeito da varanda. A sensibilidade usa-se ou deslumbra-se? descobre-se ou esconde-se na página seguinte? Uma delícia que vivamente se recomenda.

sábado, 17 de abril de 2010

Beauvoir e Lawrence



Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo, a propósito de D.H. Lawrence:




"macho ou fêmea, nunca deve procurar nas relações eróticas o triunfo do orgulho nem a exaltação do eu; servir-se do sexo como instrumento da sua vontade é um erro irreparável; é preciso destruir as barreiras do ego, ultrapassar os próprios limites da consciência, renunciar a toda a soberania pessoal.(...)o sexo não é ferimento ; cada um dos indivíduos é um ser complexo, perfeitamente polarizado; (...)o acto sexual é, sem anexação sem rendição de nenhum dos parceiros, a realização maravilhosa de um pelo outro."




a velhinha Simone com o seu feminismo militante, um livro que o ano passado fez 60 anos de publicação e é hoje considerado demasiado radical, volta a ser acutilante, numa época cheia de mariquices ego/relativistas de "eu acho" e "eu não acho" e "cada um acha", etc. A propósito dos casos frequentes nos tablóides de que há gente viciada em sexo. A questão de reduzir o sexo a um acto de consumação da conquista torna-o vazio. Sempre existiram esses comportamentos, basta lembrar-nos do D.Juan, mas enquanto no passado era crime moral e civil, hoje é de louvar, os viciados em sexo são secretamente invejados, porque há muita frustração na sexualidade e a frustração é terrível para deturpar o juízo. A repetição exaustiva do mesmo comportamento resulta do vazio que se instala no depois, como se o acto se esgotasse no momento e não trouxesse qualquer fulguração de mudança. Não se sai do eu, da imanência, depois de consumado, volta tudo a ser o que sempre foi, renovada a necessidade de conquista. A conquista dá a ilusão de poder satisfazer essa carência, mas é uma mera ilusão. Quando se faz do corpo um instrumento que só com o outro pode transcender a condição mais ou menos carente de que todos padecemos, libertamo-nos dessa ferida. Faz todo o sentido.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

confiança

a minha sobrinha anda confusa, no alto das suas Flys, das suas esguias pernas, dos seus magros dezasseis anos, procura, entristece, sacode a longa cabeleira. sofro horrores por ela, sinto-me mosca sem asa porque não sei como lhe dar alguma luz e alguma tranquilidade. trata-se do reino mais lodoso e espinhoso: o reino dos afectos. todos sabemos que não há como evitar sofrer, temos mesmo que sofrer para aprender, e cada um vai aprendendo assim, mais ou menos, porque também podemos aprender nada, seja como for, depois de mastigar inúmeros pensamentos com palavras, (queria resumir numa frase tudo o que aprendi sobre isso, sem temor, desassombrada) só me ocorreu dizer-lhe: Digno do nosso afecto é aquele ou aquela em quem confiamos. repeti o conceito.confiança. não há fórmulas mágicas e neste subúrbio emocional o que menos interessa são palavras, bolas, é impossível dizer tudo o que aprendi numa frase, mas pareceu-me a mais certa, oxalá te possa servir.
quadro: Aleksandra Nowak, girl in black

sábado, 10 de abril de 2010

Millennium

Noomi Rapace é "A rapariga que sonhava com uma lata de gasolina e um fósforo." a hacker com um dragão de fogo tatuado nas costas, Lisbeth Salander personagem central de uma trilogia policial sueca escrita por Stieg Larsson.O cinema sueco não deixou o crédito das boas histórias para os americanos (o Fincher vai fazer uma remake, a ver vamos) mas não há dúvida que pulveriza as americanices de efeitos especiais e visão maniqueísta da realidade. Há aqui um material verdadeiramente moderno, nos modos de vida, e trágico, velhissimamente trágico, edipiano, lembramo-nos das velhas tragédias de Tebas em Estocolmo. Movemo-nos com ela em alta velocidade à beira dos limites, num misto de medo e coragem, todos (sobretudo, nós mulheres) gostaríamos de ter aquela determinação, a sua credibilidade vem da interpretação fabulosa da actriz e do argumento que nos faz questionar o bem, o mal e o poder de os separar.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

férias

areia fina, seca, horla de areia molhada, pequena rebentação, mar, o piar das gaivotas com seus passos muito rápidos para a frente. a queda da tarde, a queda tarde com a dissolução lenta das cores. e o momento este que se eterniza como um tributo ou uma oferenda, o cordeiro sacrificado sobre a breve indiferença do tempo.
A quem fez tudo tão perfeito não posso deixar de tirar o chapéu. agradeço-te...
ai! hoje estou definitivamente piegas.