terça-feira, 31 de maio de 2011

o romantismo

o que me cabe de romantismo, a fatia que me coube, sempre foi de molde a encarar uma arte. Revejo nele o branco de lençóis, a calma dos barcos nos rios em sépia mas também rosas vermelhas, uma atenção vulcânica. Se o romantismo existisse aqui, sobre a secretária, seria para mergulhá-la numa insensata viagem e segui-la para se perder, mesmo adivinhando, alquebrando, não dando tréguas ao fim, multiplicando-o em pequenas faces coradas, em leves tremores de mãos. seria assim se o fosse, quando já é, fórmula secreta adoentada em pequenos sinais desmanchados, fortes como o dedo mindinho da mão esquerda. Se ele, o romantismo indeciso, aparecesse à porta, convocaria a figura cinzelada da distracção para o deixar revelar-se, diria qualquer coisa de bater palmas e prolongaria em bóreo, o mordiscar moreno do seu apelo, e se nada mesmo nada o demovesse então voltaria para comprar rosas e ,na loja, sentada no banco, pernas encolhidas, ao lusco flores da penumbra havia de esperar semeá-las na parte mais íntima, nos braços ou na saia em desalinho.



foto de Adriana Silva Graça

sábado, 28 de maio de 2011

ucranianos

Alexandre pode dizer-se em quase todas as línguas, em Ucraniano faz toda a diferença. Era um jovem com visto de residência caducado, há seis anos por cá, com patrões oportunistas que o aceitavam por cinco meses e depois o dispensavam, ou melhor, despediam-no, só porque ao fim de seis meses eram obrigados a assinar contrato,ora sem contrato e descontos de seis meses não há visto pra ninguém! Alex era, portanto, mais um clandestino, ainda não revoltado apenas servil e triste. Só o acaso ou uma pequena tragédia como o assalto de um automóvel, me poderia cruzar com ele. Telefonou-me porque tinha encontrado os documentos, papelada e chaves que os ladrões do meu carro largaram a eito pelo chão. deu-me as coisas, num saco plástico e não queria aceitar os quinze euros que lhe estendia sobre o banco do jardim, afinal, repetia-lhe, valia muito mais de quinze euros o favor que me tinha prestado, mas ele não, queria contar a sua história, beber um cafezinho, encontrar um "fiador" que pudesse responsabilizar-se. Isto de nos roubarem o carro tem o seu lado positivo, obriga-nos a abrir os olhos para a miséria que caminha na margem, na sombra destas ruas democráticas e justas dos países "desenvolvidos".


Foto daqui

segunda-feira, 23 de maio de 2011

parte1

manipulamos ao exprimir um sentimento imperioso e nosso que obriga à conformidade. comemos com cebola e alho o espaço dos sentimentos e dos desejos alheios. agrilhoamos com guardanapos de pez as mãos dos outros. na marioneta isso é assim, mas o teatro só cabe na vida se aceitarmos o papel. não somos marionetas, mesmo se em nós lateja um medo pendular e mesquinho.na verdade somos livres, de condição. temos ainda para dar uns violentos abanões e caminhar na vereda, sozinhos, segurando um pássaro na língua.


podemos ainda esconder o pássaro entre a camisola e o soutien, ou dardejar raios luminosos sobre o seu canto, não fugimos, abrimos a porta à saraivada.



a corda depois gasta-se,




Foto abbas kowsari

quarta-feira, 18 de maio de 2011

ciclos

acredito cada vez mais em ciclos. em coisas que nascem, florescem e morrem, e da morte, das cinzas ou da decomposição do cadáver liberta-se lento um bicho esvoaçante, em princípio invisível de pequeno, regulando a sua atenção pela atmosfera pesada e incapaz de lá sair,espera vivo na decomposição. depois quando forte, voa, o seu vôo convoca novos acontecimentos, novas vidas. a morte é fonte. o que dela brota é novo, um novo ciclo, como uma espiral de ouro, sentimos dentro de nós mas também fora, o palco destes mundos. nestas palavras, o mundo, a vida e a morte é-nos dado ver, em vislumbre rápido, os contornos nítidos de cada um dos ciclos, é pouco porque vemos mal e por defeito, mas é o que podemos.

domingo, 15 de maio de 2011

os putos e as histórias

O público infantil é perfeito para testar a qualidade duma história. Quando gosta fica de olhos abertos muito além do fim, à espera de uma continuação ou da súbita materialização das personagens como se para eles aquilo estivesse mesmo ali a acontecer, fazem perguntas e não se querem ir embora. Quando não gosta sai a meio da frase, justamente na altura em que estamos mais entusiasmados a contar, saem a correr como que atravessando um terreno minado. Assim aconteceu este fim-de-semana. Inventadas as histórias, nada melhor do que lê-las àquelas figurinhas. Sabemos logo o veredicto, sem ambiguidade, sem critícos literários, sem interesses de mercado ou paliativos para burilar a obra. Podemos encontrar infinitas razões ou circunstâncias para explicar o seu desinteresse mas a verdade está à vista.clarinha como água. há coisas que são simples. são as melhores. as coisas muito simples são propriedade intelectual das crianças. percebo então porque são os adultos tão complicados, fogem a pagar os respectivos direitos de autor. compreende-se... não devem ser baratos, nem fáceis de encontrar.





Foto: Alfred Eisenstaedt

domingo, 8 de maio de 2011



Noite mágica esta do Micróbio do Samba. Vai .saber.Lai a lai a

segunda-feira, 2 de maio de 2011

FAMÍLIA





gosto muito de pessoas que se entusiasmam e falam e riem e se dão a conversa como se mordem as cerejas, sem articular coisas bem pensadas, só ao sabor do momento e gosto porque são contagiantes, porque nos fazem sentir bem. a minha mãe, por exemplo sempre foi contida, muito opiniosa e ciosa de ser tomada verdadeiramente a sério, gostava que fosse mais desprendida, mas o que me une à minha mãe, aliás o que nos une às mães, pais irmãos, sobrinhos, não são os traços de carácter contagiantes, não é a mais valia comunicativa mas o factor essencial e absolutamente superior, quando comparado com outros, de estarem presentes, de estarem lá, de terem estado lá, a presença e a constância da presença são os seus atributos maiores, são afinal e pensando razoavelmente bem, os atributos maiores de qualquer união. Não a escolhemos e, por isso mesmo, por nos ser dada, cada um com as suas características mais fracas aos nossos olhos, torna-se mais querido, porque são nossos enfim e por eles velamos sobretudo nas suas fraquezas.Quando vivemos com uma pessoa, parece que o traço que nos une é igualmente a presença mas aí há uma escolha, e quando há uma escolha há uma série de expectativas que pensamos realizar, o outro não é nosso, não o sentimos enquanto tal porquanto a escolha é um acto de vontade que cessa quando cessarem as expectativas que a motivaram. A não ser que a escolha seja ontológica, isto é, na ordem de uma vontade que não escolhe o outro como meio para realizar algo mas como um fim em si.