terça-feira, 23 de julho de 2013

"Heroin" Theatreclub no Festival de Almada


Dublin. Lisboa. um espetáculo de teatro com tema forte, associação imediata com o ambiente de Trainspotting, filme de 96. A dependência das drogas, a experiência da toxicodependência como vulgarmente se chama e foi manchete de jornais sobretudo nos anos 80/90 mas hoje é assunto quase desaparecido das notícias. Não fora a morte de um ou outro ator americano e o problema estava diluído ou esquecido arrebanhado pelo horror vacuis da crise, espécie de emplastro ou parasita que nos comeu a língua. 
Quando vejo estes trabalhos da nova geração tenho a impressão que o teatro português está morto e assassinado, nós portugueses ainda estamos no teatro texto e mais texto, dizer para dizer, autores and so on,  muita mensagem, muita seriedade e pomposidade, a verdadeira experimentação e criação com as palavras, os corpos, os sons e os temas que corporizam o presente  parece arredada. Neste espetáculo temos um palco mal amanhado, sem pretensões, vai-se construindo  com bocados, bocado fala, bocado música, bocado movimento, atabalhoado, forte, impreciso. Poucos meios, imaginação e atores soltos, em improviso e gozo, sem pose, com vontade e raiva. O resultado é inquietante, apontamentos ocasionais cruzam-se com repetições à exaustão, como se aquilo que se quer dizer não se sabe, ou não há uma forma linear de o fazer, enreda-se, apaga-se, retoma, como uma vela a consumir a cera e em risco de apagar pelo vento, destruição, impotência,  nunca acaba, não tem princípio, não tem epílogo, é mais uma batalha extenuante de onde não se sai e da qual nada se ganha.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Gulliver e a literatura

Os alunos têm péssimas classificações nos exames nacionais de português e, todavia, eles são fáceis e pobres. veja-se a entrevista de Carlos Vaz Marques a António Osório (na prova de exame de português de hoje) sobre as emoções vividas que estão nos antípodas, segundo os dois, das pensadas do Pessoa. vividas e pensadas. estamos com 12 anos de escolaridade e insistimos num cardápio indigesto. a literatura por suposta pessoa em entrevista não é literatura mas texto jornalístico e apesar do poema de Camões ser poesia, pura e dura, (com glossário para o caso das crianças não saberem o que querem dizer as palavras mais difíceis) eu pergunto-me hoje, quando se escreve a rodos sobre tudo e mais um par de botas, porque será que os alunos não podem ser confrontados com os textos dos autores e daí se desembrulharem, pergunto porque perdeu a literatura o estatuto de coisa importante e difícil para se tornar num amontoado de lugares comuns a trazer e a repetir à exaustão? O verbo não é o princípio e não é ele ainda o fim a julgar pela quantidade de letras produzidas? porque me irrita a simplificação da literatura e irrita-me esta coisa da unificação de critérios e da panóplia de cientificidade e coeficientes de sucesso, quando é cada vez mais gritante o insucesso. A literatura não é para todos, mas  não é esse o problema, o problema é a quem ela serve e para quê. há um medo da inutilidade como se fosse tudo programado para o serviçal. serviçal de quem? para quem? Há mais felicidade e desafio no hermético do que no clarificado da sebenta mastigada por uma série de serviçais. dê-se voz ao canto, sejamos mais comedidos na produção e idolatre-se com reverência de poder, esquisito mas poder, a VERDADEIRA literatura que não serve ninguém e não serve imediatamente para nada

domingo, 14 de julho de 2013

A festa


Há bocados de minh'alma no disco gigante da feira. Parcelas de desejos brutos soltam-se do carrossel das girafas risonhas e  não há dúvida que a mulher atrás da cortina de motivos egípcios, tem mesmo visões do futuro e sabe como viajar nas galáxias do tempo,  inteira, pode emendar-te o destino cortando-te à faca outra linha na mão,  sem verter pinga de sangue, com o poder dos olhares cicatrizantes. Atrás da grua que eleva ao céu gritos e mais gritos e bracitos no ar, há uma palha revolvida, às vezes acamada cama dos feirantes bêbados, dos trôpegos, dos encardidos ébrios pesados do sono da noite muito antiga onde querem estar mesmo de dia.   Não vi mulheres barbadas nem a Moto da Morte, nem o Comboio Fantasma, nem Elefantes da Índia em jaulas apertadas, comi farturas,  lambi os dedos. Entre empurrões  pares dançantes deslizavam agarrados e suados sobre o chão poeirento, de olhos fechados para sentir  um momento daquele gosto  não deixei de continuar a sentir o gosto meu a vê-los dançar. Olhos abertos, a rapariga do palco em fato rosa cabelos louros roçava o corpo no cantor sólido de boca escancarada, os sons da guitarra e o calor das luzes afunilavam a noite, os homens pegavam com solenidade nas mãos das mulheres e conduziam-nas à pista de dança, em comando, o sexo deles e delas marcado pela vontade disfarçada de cair para dentro um do outro. Compreendo ou sinto ou vejo a festa prosseguindo, em cada minuto outro minuto desdobrando-se num pico e outro de luz,  seria também bacante, juro, se não fosse tudo o resto.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Agatha

Uma tirada engraçada de um policial que estou a ler: " A maioria das pessoas bem-sucedidas é infeliz". Quem o diz é uma das personagens mais amadas da Agatha Christie o rapaz secreto e vagabundo cujo talento para apreciar mulheres e aventuras é uma garantia da experiência necessária para julgar  pessoas. A vozinha da autora travestida em sedutor bronzeado e com princípios. A opinião não é inocente e traz agarrada a mais agradável das razões: as pessoas de sucesso estão demasiado preocupadas em provar a si próprias que são boas e  não têm tempo para ser o que são, isto é, subentende-se, serem como ele, vocacionadas para o prazer e  para a descoberta. Uma espécie de vingançazinha encapotada em lei da justa medida. A rapariga a quem a frase é dirigida padece de ofuscação, urge tirar-lhe a poeira  dos olhos, ele Anthony (assim se chama a personagem) não tem sucesso, cabe-lhe portanto, o precioso resto. Assim colhe-se facilmente a simpatia de todos em qualquer parte do mundo. Porque esta filosofia corresponde na perfeição aos arquétipos mastigados pela humana estirpe e que se resumem ao ditado popular "Não há bela sem senão".