sexta-feira, 27 de abril de 2012

A minha viagem à Índia cá dentro

Neste verão, pensava, num escape da correcção dos testes, gostava de fazer uma grande viagem. Ir à Índia. gostava de ir à Índia. este desejo pareceu-me bem mas, ao mesmo tempo, qualquer coisa de mim o temia, temia ousar um gesto largo, agora que estamos tão apertados nesta cintura à beira mar, tão vigilantes e tristes de crise, de bancarrota, de fome anunciada e de pouco dinheiro!
 A minha geração teve sorte, a história foi mãe. Quando arranjei este meu emprego de professora havia uma terra promissora, uma terra que  entrava no ardor primaveril de Abril, com educação para todos, livrarias a abrir, novas editoras, novos bares e cafés. Mudávamos e, nessa mudança, não o sabíamos há trinta anos atrás, entrávamos na euforia do consumo liberal. À nossa frente abriam-se inúmeras possibilidades, era libertador, mas agora não é, é asfixiante. Pergunto-me porquê. O liberalismo entrou numa nova fase, numa fase em que demonstra a sua verdadeira face. Competitividade. Nós por aqui ainda não nos acostumámos e, falo por mim, não me soa, aliás, soa-me a insegurança e a fraude. A produção com vista ao lucro é, no entanto, a única solução para os hábitos que criámos e para a conjuntura pesada do Estado, no entanto, terá de haver um estado para proteger os mais desfavorecidos e promover a justiça social. Um Estado com gente sem emprego e pobre e que, mesmo assim, vende aos mais ricos o que tem, não é justo, penso eu...mas a viagem à índia...como? que tarefa tem a classe intelectual, da qual faço parte, sem qualquer pretensão, neste novo estado de coisas? Pensar. Pensar alternativas. Até que ponto o pensamento pode intervir e mudar a realidade? Encontro-me assim, peregrina nestas efabulações e não sei mesmo se irei fazer esta minha tão desejada viagem à Índia, ou senão a deverei procurar aqui mesmo, nesta cintura apertada.

Fotografia daqui

quarta-feira, 18 de abril de 2012

A árvore dos Tamancos 1977 Ermano Olmi




L'ALBERO DEGLI ZOCCOLI - 1977 - ERMANO OLMI


Vi-o na Cinemateca, e acordo para os seus frescos realistas e dramáticos. Certos planos lembram os quadros de Courbet ou Millet, os camponeses, e a sua dignidade inibida e, ao mesmo tempo, a sua tristeza e exuberância. Pegados aos ciclos da lavoura e da terra, como animais verticais, entre o céu castigador e os milagres redentores. De outro modo, ainda assim muito presente, os quadros de Caravaggio, os encontros do povo com a arte e um Jesus sofrido e familiar, as sombras e a luz crua e intemporal, como se, apanhada no ciclo inesgotável das coisas, se pudesse representar a condição humana crédula e vulnerável.

A narrativa oscila entre o ficcional e o documental. Há um elemento ficcional narrativo que tende para um fim dramático, aglutinador,mas não se deixa tomar por ele, abrindo o olhar à liberdade de ver a variedade de pequenas histórias que são os acontecimentos da vida quotidiana, com grandeza e mesquinhez, sem que uma e outra possam ser separadas pois são elas mesmo parte da luta pela sobrevivência.
Depois de ver o filme, percebo o impacto que teve no pós 25 de Abril e acredito na força da Arte, na capacidade de nos encantar e de destruir estereotipos, de permanecer testemunhando as injustiças brutais a que a história responde sempre, também, de forma brutal.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

filosofia a mais ou a menos

Palácio Fronteira e Alorna, no largo S. Domingos de Benfica.


A palavra escrita e a palavra dita. Qual delas é capaz de exercer melhor o seu poder? Terão finalidades diferentes? A questão ganha relevo quando pensamos na actividade docente, e esse relevo acentua-se quanto ao ensino da Filosofia. Muitos professores deixam testemunho escrito, trabalhos de monografia, poucos ganhando estatuto de pensamento filosófico. A exigência é postulada pela carreira, também pela curiosidade no conhecimento, no entanto há hoje uma certa aridez de mestres, aqueles cuja palavra dita e/ou escrita é reconhecida como verdadeiramente livre e original. Concordo com os que defendem o primado da fala pois é, da dinâmica gerada pelo diálogo, que a Filosofia surge. A nossa tradição é, todavia, pesada e escolástica. Quando andávamos na universidade, precisávamos ler muito para poder discutir, ora nesta exigência elidíamos o principal: a incompletude de todo o pensamento, a sua necessidade de correcção ou de amplificação, as intuições e as vivências. Os mundos que se acordam quando alguém fala interpelando a nossa atenção, impedindo-nos o sonambulismo onde estamos geralmente acomodados. Se o texto escrito tem também esta função de interpelação ele age muitas vezes como factor inibidor, como se face à sapiência de um sistema toda a interpelação fosse vã ou pueril. Só a palavra dita pode tornar viva e actuante a palavra escrita, ruína testemunhal que sem essa interpelação permanece enquanto tal. Herdeiros da tradição escolástica, nós professores somos frequentemente assombrados por este problema.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

lamentações de um blogue abandonado seguido de elocuções sobre o Fingimento

Corro o risco de ficar sem leitores.


Help! A culpa é do Facebook que "Abarbata" tudo!! Monopólio dos contactos virtuais!!A mim leitores!! Campanha de angariação de leitores/comentadores em processamento intenso...estratégias a adoptar, etc etc. O mais certo é o blogue, ao fim de um tempo, não sei bem quanto, não ter novidade, ser mais do mesmo, ora nós queremos ser surpreendidos e cativados. Não vou dissertar sobre isto que não me apetece.Também não gostaria de ficar sem leitores/comentadores, mas se assim for, vou dedicar-me à arte de fiar em outras rocas.
Bom, deixemo-nos de lamentações e vamos ao teatro.
Fingimento e verdade: Há verdade no fingimento? Será o teatro verdadeiro apesar de ser um fingimento? Não são o mesmo? Não consideramos verdadeiro o que é falso? Pura aparência que esconde o ser? O estranho deste novo trabalho da Cornucópia, não são as considerações filosóficas sobre a Verdade e a Mentira, mas uma espécie de ambiguidade estrutural provocada pela desmontagem de um texto de Lope de Vega que é, ele próprio, um jogo de espelhos sobre Teatro e Realidade Vivida. Trata-se de três verdades: a do actor, da personagem e da pessoa que lhe deu vida: S. Gens. Quem é o verdadeiro? O que verdadeiramente se passou? Que relata o teatro? Estas três camadas de realidade/verdade sobrepôem-se, jogando entre si, trocando referências, ao ponto de nos confundir. Resta saber se nos confundimos porque não queremos aceitar o óbvio: não há verdade nenhuma, são tudo fingimentos com intenções verdadeiras. Ou se, de facto, a nossa condição é mesmo essa: a de viver procurando sempre uma verdade à qual não podemos aceder senão por um acto tresloucado de fé. A fé não deixa de ser , e essa é a ambiguidade, uma última e convicta decisão por uma ilusão, um fingimento que não se reconhece enquanto tal.


A ver.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

boca do inferno

Caminhar sobre as rochas ao pôr- do-sol. vadiar com atenção nestes promontórios, escutar as vagas que ressoam debaixo das pedras. aprisionadas vagas. Cada sítio, mesmo os velhos sítios, ressurgem novos pelo poder de novas emoções, daí que nenhuma paisagem seja apenas ela mas todas as histórias que nesse momento transportamos e deixamos que se deitem ali, ou que ali se evoquem. Somos os emissores do mundo, somos os seus deuses de voz surda colonizando de palavras as pedras e as vagas. Somos estas personagens que cruzam e unem lugares, tempo,ficções e papeis. humildes e cauterizados.





A imagem não tem autor e foi retirada daqui