domingo, 30 de janeiro de 2011

hereafter

Na sala de cinema pensei a minha visão, pus-me à escuta da música dos meus olhos nas imagens, que ver Eastwood, os seus filmes, é puro deleite. reorganizo-me em torno da montagem, dos rostos, sei que me vai embalar, que não vou sair defraudada. é dos poucos, talvez o único, grande cineasta clássico. encontro-o ao usufruir do cinema, na arte de contar histórias sobre pessoas, ou de como por acaso tudo faz sentido. tout court, sem metafísica. quando o genérico final entra batem palmas e acordo.ergo-me da sala escura para a luz ou, não sei bem, da luz para a sala escura.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

djuna


" Os sábios afirmam que as memórias das coisas passadas são tudo o que temos como futuro. Deverei ser censurada, se voltei sob a forma errada, se era como soprano que desejava regressar, com um ventre tão grande como a chaleira de um rei, grandes caracóis dourados caindo até ao rabo e peitos tão erguidos como o gurupés de uma escuna de pesca? E o que me calha em sorte? Uma cara que parece o traseiro de uma criança velha - será isto a felicidade, em sua opinião?"


O bosque da noite, Djuna Barnes


hoje estou capaz de uma dúzia de suspiros,

aqui está um deles, embrulhado em papel pardo.

domingo, 9 de janeiro de 2011

CHLOE

O mais fascinante em Chloe nem é a semelhança da Julianne Moore com a Catherine Deneuve do filme (com quarenta anos) Belle de Jour do Bunuel. Se assim fosse teríamos tão só a evidência de modos de fazer cinema e escolha de actrizes para um mesmo tema: de como no interior de um casamento burguês se mete um açaime ao desejo sem o matar, antes tornando-o um explosivo poder, desconhecido e por isso mesmo destrutivo e imprevisível. O mais fascinante é perceber como este desejo se recupera e desenvolve no interior mesmo das convenções quando nelas se apresenta como um interdito. é o próprio interdito e a força transgressora que gera que são a origem do próprio desejo. Isso é admiravelmente exposto aqui. A teia dos seus misteriosos mecanismos é posta em movimento pela curiosidade de saber, a maçã que tenta Adão, a velhíssima serpente do saber, mas este saber não é puro desejo de conhecimento, é sobretudo atracção irresistível pelos interditos e por aquilo que neles excita a imaginação e a fantasia. Se tudo se passasse dentro da atracção sexual, ficaria solucionado o drama, era físico. mas o desejo sexual não vive no físico, e isso distancia-nos dos animais, vive do obscuro que se adivinha, o outro lado, regido por outras leis, onde as convenções se apresentam como virtualidades, meras ilusões sociais. Tocar esse poder, é libertar fantasmas, dar-lhes vida, mas é também um caminho sem retorno experimentando uma liberdade resultante da destruição da moral. Aí o controlo, qualquer tipo de controlo parece exactamente o que é: medo. É sobre isso o filme. Inspirador.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

hortas

Cada vez há mais gente da cidade a dedicar-se à horticultura. em terrenos baldios cruzados por auto-estradas nascem pequenas cooperativas de entreajuda que amanham o terreno, pensam na melhor sementeira e dividem tarefas para transportar água e arrancar as ervas daninhas. vemos crescer os nabos e os pés de feijão perfeitamente alinhados onde antes eram silvas e lixo. Era costume de pobre da Musgueira e Rinchoa, para poupar uns cobres ou não perder o jeito de amanhar a terra, saudosos das paragens de onde vieram, dos campos que os viram nascer, mas agora a moda pegou aos intelectuais citadinos que compram em lojas Gourmet. Suspirantes do trabalho braçal ou apenas requintados, vão ter aulas de horticultura para semear e colher o produto não conspurcado de frigorífico e estufa que vem do Chile, da Argentina e da China, e sabe a cartão plissado (julgo, embora nunca tenha experimentado o dito cartão). A Câmara cede os terrenos e o pessoal da cidade propõe-se reinventar a agricultura como alternativa à falta dela onde abunda terra ao desvario. Parece-me coisa saudável e de bom gosto, na verdade soube-me bem a couve que comprei a um homem que as vende ali no bairro, e a batata doce, as nabiças têm outro sabor e são tenras e verdes. Farejo também o ar, no vislumbre de um pedaço de terra e faço contas ao apartamento onde vivo e ao desejo renovado de poisar pé no chão. O meu pai sempre disse que não há nada como ter terra. Também quero ter a minha horta. Agora que estou a ficar calma e contemplativa, ver crescer a fruta e as rosas parece-me inadiável. Com amor, paciência e persistência tudo se compõe e eu adoro a sensação de ir buscar salsa ainda com o orvalho da manhã a roçar as botas.

domingo, 2 de janeiro de 2011

ponto de situação 2011

Há um facto não negligenciável neste novo ano: a diminuição das mensagens festivas por telemóvel. é também um facto que o meu telemóvel facturou 105 euros em sete dias, facto que estou longe de poder justificar visto que o número de chamadas foi reduzido, fico a pensar que desde que mudei de telemóvel têm acontecido uns disparates atribuídos à minha ignorância em relação à máquina. não sei quando a coisa factura ou não, e ponho-me a fazer tentativas de ligar o voice mail e de ir à net, porque tem graça mas também por causa da ineficácia do livrinho de instruções que não explica o básico. Ganha a TMN. talvez por isso, pelo preço amalucado das tarifas, o uso do telemóvel tenha diminuído, talvez com a crise nos transviemos deste império, bebamos uns cafezinhos com o pessoal que vamos encontrando e marquemos encontros precisos sem aquela coisa, de "Já cheguei...onde estás?" " Tou aqui em baixo" "espera que já te ligo" etc. Tirando isso, e a dificuldade que tenho em acender lareiras, foram boas estas férias.