quinta-feira, 28 de julho de 2011

Finalmente a banhos. vou deixar crescer barbatanas e guelras, que este país é como um coraçãozinho de papel, imensidão azul onde se mergulha e se perde coordenadas. E, já agora, alguém adivinha que praia é esta? promete-se brinde para o vencedor.



segunda-feira, 25 de julho de 2011

terrorista cristão na noruega

Théodore Géricault, A jangada de Medusa


um homem munido de uma espingarda mata 90 pessoas em hora e meia de tiro ao alvo, pessoas que ele nem conhece, que não lhe fizeram mal, pessoas que são filhos e amigos e netos e primos de alguém, pessoas com sonhos e com crenças como ele, pessoas como ele, este homem não tem um pingo de loucura, raiva ou desvario, considera mesmo estar a prestar um serviço ao mundo, restituindo-o à pureza e aos "bons valores", as suas fantasias consideradas verdades. A racionalidade, como projecto, a razão e a justificação existem, os nazis também as tinham, assim como Estaline, os seus actos são ainda mais monstruosos por isso. se a razão é o que há de comum a todos, marca as fronteiras da nossa humanidade, não deixa de ser motivo de perplexidade que seja instrumento do mal absoluto, matar inocentes é injustificável, seja qual for a fantasia que cada um toma por sua verdade. Cada um pode convencer-se do que quiser, e terá a força da sua crença mas não há verdade nisso, porque a verdade resulta de um acto de confronto dessa crença com a realidade fora dela. quanto aos actos que interferem directamente com os outros, temos de lhes perguntar primeiro. O monstruoso destes actos resulta essencialmente deste convencimento de que a nossa crença é superior, sem qualquer razão para o pensar, neste aspecto, na sua origem, está a irracionalidade humana, a separação entre o eu e o resto da humanidade.

sexta-feira, 22 de julho de 2011



foi a árvore, encontrou-me confusa. desviou até meus calcanhares de Medusa seus longos cílios de vento e entardecer, espalhou ao susto e à eternidade a reflexão. comoveu-me. ainda. já a tarde era branca e não havia sombra.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

este desassossego

Este meu desassossego
Qual ponte ou passagem ou cimento
Virtual repouso num sonho repetido
Este meu desassossego
paráfrase ou tília fria
sofrimento pensado
onde existes
Sobre poalha catástrofe
ou desejo

domingo, 17 de julho de 2011

Parábola do homem do saco




No caminho a mulher perguntou:




- E se ele não volta à terra?




-Se não voltar à terra poderás dizer que se afogou no mar.




-Como podes dizer isso?! eu não quero que ele se afogue no mar.




O homem mudou o saco para o outro ombro e disse cansado:




-Essas coisas acontecem.

foto: Vivienne Westwood por Annie Leibovitz






quarta-feira, 13 de julho de 2011

É curioso o modo como tratam as imagens duas gerações separadas por 35 anos. A minha sobrinha tinha de copiar um quadro para a aula de pintura, escolheu este que aqui vemos, escolheu-o ao acaso na busca do google, gostou da imagem, tout court, nada sabia do autor, da obra, da técnica, era-lhe indiferente, a imagem valia por si. O quadro que pintou surpreendeu-me, gostei, as formas o enquadramento, mas o original tinha mais força nas cores, tentei perceber porquê, disse-lhe, o original é um óleo, só o óleo permite estas cores e tu pintaste em acrílico. duvidou. pesquisámos, eu estava interessada no autor, quem, porquê, como, quando para ela tal pesquisa não tinha qualquer sentido ou utilidade, para mim era crucial a identificação da obra com o autor. afinal, tinha razão, era óleo. ainda dou por mim a remoer esta desconfiança. Não aceito imagens por si, tenho de as compreender no contexto de uma obra, de uma pesquisa, de um estilo, Thanks Cat por me possibilitares estas descobertas e por seres fantástica.



Quadro: Françoise Nielly



ver aqui

domingo, 10 de julho de 2011

Será possível conciliar duas perspectivas antagónicas sobre os valores? A questão é manhosa, e coloca outra: serão perspectivas ou crenças verdadeiras? e se assim for a questão é: Qual das crenças será verdadeira? Agradam-me as crenças cristãs e as críticas de Nietzsche. Oscilo entre concordar que o Bem e o Mal são o resultado de uma acção que nos reforça ou enfraquece o poder. Que poder? O poder sobre os outros e também o poder sobre nós próprios, e agrada-me a noção de despojamento e abnegação, da culpa e da expiação, valoriza a humanidade no indivíduo e transmite paz. Li há pouco umas palavras do Tolentino Mendonça que fazem todo o sentido. Dizia ele que há os porcos-espinhos, monotemáticos que vão aperfeiçoando e perseguindo uma crença até ao fim e as raposas que se interessam por tudo e se entusiasmam com tudo. Identificava-se ele com a raposa e sim, a raposa, definitivamente. Uma raposa que fareja e se recusa a decidir.




quadro: Winslow Hower, Fox hunting

sexta-feira, 8 de julho de 2011





páginas de jornal dobradas na ponta, pêlos de gato na blusa preta, a toalha de mesa descaída só para um lado, um olhar rápido para o relógio no encontro, a alça do soutien a aparecer, a barriga que te olha sem relógio e as unhas cortadas ao sabugo, poderia ser o retrato, se os retratos fossem manchas e, ainda assim, vigorosos indícios.






quadro: Lucien Freud, Girl sitting in the Attic Doorway, 1995

terça-feira, 5 de julho de 2011










" - lentamente os dedos aperfeiçoaram esta arte de estarem quietos


sussurrantes sobre os corpos não a deslizarem


não a percorrerem os lugares antigos onde o desejo pulsa



as mãos redescobriram o silêncio

praticam essa arte muito antiga de na imobilidade tudo desejarem"


Al Berto, Apresentação da noite

Imagem: Pintura de Bo Bartlett, n.1955 na Georgia
site:www.bobartlett.com



domingo, 3 de julho de 2011

les petits mouchoirs

les petits mouchoirs, traduzido por pequenas mentiras entre amigos é um filme francês de gillaume canet que tem o seu ponto forte numa estratégia cara ao cinema francês: a análise psicológica das personagens. Pessoas vulgares com seus traços comuns, distracções, egoísmo, confusão mental, insegurança, tudo misturado com excelentes intenções. É fácil a identificação, daí o efeito de proximidade. Eles são bonitos, banhados por uma luz de verão nas praias do sul, uma luz amarelada e leve que ergue o mundo em festa mas onde é também inegável um certo sabor a fim, a erosão, a fim de festa, como um vídeo dos gloriosos momentos dos trinta, destinado a ser um marco para alimentar memórias. as palavras, algumas palavras, repetem-se: crise e partilha. Se construíssemos um binómio a partir destes dados teriamos um retrato de uma certa europa burguesa, razoavelmente culta e inexplicavelmente nostálgica.