terça-feira, 30 de junho de 2009

Estou a tentar fazer uma pequena lista de livros para os meus alunos da noite. Os rapazes gabam-se de nunca ter lido um livro, começam mas desitem logo de seguida, "há outras coisas mais interessantes para fazer!" e daí passado o sacrifício das primeiras três ou quatro páginas, já não têm paciência; as raparigas lá davam uns títulos da sua lembrança: "Queimada viva" dizia uma, e a outra " O meu pé de laranja lima". Propus-me então o desafio de escolher uns livros adequados aos seus gostos. Parto de duas pistas; a primeira é a dos signos, temos dois Touros, terra portanto, um Caranguejo e um Peixes, água, um Carneiro de fogo e um ar, uma Balança. A outra pista é dada pelo pequeno conhecimento que tenho dos seus gostos, sei que o Filipe gosta de filmes e futebol, a Simona de moda e relações sociais, a Sónia de romance e de sentimentos, o Bruno de Natureza e automóveis, o João de desporto e jogos de computador e a Isabel de viagens e gastronomia. Ora bem!
Aqui vai então a minha sugestão! São todas obras que fizeram as minhas delícias em diferentes tempos e estados de espírito e estão ainda abertas a remodelações:

Para o Filipe, ar, comunicação -aventura e acção:A ilha do tesouro de Stevenson, as Crónicas marcianas do Ray Bradbury e o Corto Maltese.

Para a Simona, terra, coisas de sentimento e relações: Bom dia tristeza da Françoise Sagan, Banda desenhada da Maitema, e " O grande Gatsby" do Fritzgerald

Para a Sónia, de fogo; A insustentável leveza do ser do Kundera, John Chaufer Russo de Max du Veuzit, "O monte dos vendavais" da Emilly Bronté

Para o Bruno, terra: A banda desenhada do Gaston La Gaffe, O velho que lia romances de amor de Sepulveda, A Selva do Ferreira de Castro

Para o João, água; O coração das trevas do Conrad, Moby Dick do Mellville, e a Banda desenhada do Bilal

Para a Isabel que é Peixes, Ventos do Oriente, ventos do Ocidente da Pearl Buck, A morte do apicultor de Gustafsson e "Paris" de Julian Green
Vamos ver se lhes consigo pegar o entusiasmo!

sábado, 27 de junho de 2009

Está em concretização a nova aberração do Estoril Sol. Para quem conhece a marginal o projecto já era desproporcionado, megalómano e horrível. Junte-se que na concretização, já em estado avançado, o espaço entre as torres e a marginal não é o que estava projectado, simplesmente não existe, as torres estão em cima da estrada e os andares elevados cobrem-na como caixas de betão e vidro entre a nossa cabeça e o céu! A petição existente contra isto deu em zero... só passando por lá se pode ver a dimensão da coisa e a fantástica e inacreditável falta de enquadramento, bom gosto e sobretudo o esmagamento que tudo isto provoca sobre aquela que é uma das maravilhas portuguesas, a Costa do Sol, transformada em costa do Terror, é que tudo aquilo parece que nos vai cair em cima! Não há ninguém que lhe ponha uns kilos de explosivos? Mas que merda de dirigentes estão à frente das Câmaras? Nesta está o PSD, na de Oeiras também e vejam só o que foi feito em frente à praia de ST Amaro de Oeiras, na conhecida quinta do Barracão? Isto nunca mais pára?

Não consegui colocar aqui as imagens mas quem for ao Google e procurar Estoril Sol pode vê-lo em todo o seu esplendor.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Michael Jackson era uma força da natureza, desde muito novo os holofotes e o negócio espremeram-no até ao tutano não apenas como cantor e bailarino mas também como freak, espécie de Peter Pan travestido, meio homem/mulher/criança, que teimava em não querer crescer. Para vender, tanto dava a música como as operações, os tribunais, os escândalos. Produto do mainstream americano perito em fabricar e destruir mitos, Jackson acusava como ninguém a máquina que lhe sugava a força para depois o abandonar na meia idade quando a imagem já não podia vender de acabada e triste, ora todos sabemos ser a tristeza o que há de pior para o negócio. Agora morto, alguém esfrega as mãos de contente! É muito dinheirinho a começar a correr de novo! Ficam-nos os discos, os vídeos e muita pena, podia ter sido de outro modo, pensamos, podia ainda dar-nos mais daqueles momentos inesquecíveis de ritmo e grito. Há um ditado que diz que partem cedo aqueles que são amados pelos deuses. fica-lhe bem.

domingo, 21 de junho de 2009

filmes

State of play, traduzido por Ligações Perigosas, e mal traduzido porque há pelo menos outro filme com o mesmo nome, é realizado por um puto que vem dos documentários Kevin MacDonald, e é um excelente filme. Tem um bom argumento, actual conflituante, uma montagem de cortes abruptos inovadora porque se dá por ela, isto é, apesar da história estar bem contada e nos absorver de uma ponta à outra, deixando para o final as revelações e o desfecho, marca da qualidade do filme, o aspecto formal, a realização, nota-se, não está submersa no conteúdo. Daí a satisfação, o prazer de ver uma obra de arte, rara, no meio do lixo em catadupas do cinema americano actual. Depois os actores, a começar por Russell Crowe, o protagonista, reavivando os velhos mas não acabados mitos do jornalista livre e fiel à verdade, próximo das pessoas, conhecedor das suas fraquezas e forças, imune aos vãos artifícios do poder seja material ou político, gordo, solitário, idealista. Ben Affleck que luta contra a imagem de marca hollywoodiana do puto rebelde e corajoso, para fazer um trabalho de contenção com nuances insuspeitas, a directora do jornal, a fabulosa Helen Mirren, perfeita na dicção british, Robin Wright Penn, a mulher desejada e indecisa e os outros, todos, excelente casting. O resto cinema em estado puro, acção, sentimento, situação. Imperdível!

sábado, 20 de junho de 2009

depois da ligeira náusea

então nada é sobre as coisas,
os gestos que as mãos agarram também estendem os dedos
deixam cair
se não fosse pela história
cruzariam oceanos sem memória
onde o pó segura o esquecimento
mas a história quer que revivas
que voltes a ser
mesmo nesse apartamento aí
onde nada perpetua
ou chama
mesmo aí a história sem consentimento
já começou

quinta-feira, 18 de junho de 2009

na feira

Caldas a meio de coisa alguma, entre névoa e ligeira náusea trazendo-me suavemente à beira da fruta e do legume gozou da fama de ter louça arriscada, bastou distrair-me com as cerejas para tropeçar nos galos, e daí à catástrofe foi um piscar de olhos, parti dois, como quem nem é da terra e desculpe lá, mas vai ter que pagar, conversa pra aqui e prali o dinheirinho atirado para o lixo surpreendido, juntamente com a faiança a imitar penas, porque penas, digamos, verdadeiras penas, tive-as eu de andar a cheirar a fruta sem olhar à bicharada. há quem parta corações e quem parta loiça, que se há-de fazer? cada um é para o que nasce, cada um nasce não se sabe para quê e o sol quando nasce não é para todos ou calhando nem é nada disto. vai de perguntar à loiça e ela responde, a das Caldas responde sem hesitar, a chamada resposta de ponta...

segunda-feira, 15 de junho de 2009



este tempo assim, esparso, de cabelos ao vento e nenhum compromisso, este tempo entrincheirado entre afazeres, este tempo lençol, este tempo peneira, este tempo fuga, trevo, voo de ave, apartado e seduzido, este tempo ligeiramente encurvado na nitidez e ansiedade do corpo, atirado para o presente com súbita distracção, este tempo amigo quando amigo é coisa de mergulhar, vertente translúcida e clareza, este tempo.

consegui fazer brasas e assar sardinhas. ponto final e bato palmas. ao meu redor os santos são poucos e sem altar, são as fagulhas que saltam no ar!

quarta-feira, 10 de junho de 2009

já não sei bem em que acredito, em que acredito eu? e será que é forçoso acreditar em algo? podemos viver sem acreditar em nada e também, à vez, ir acreditando em coisas que depois deixamos de acreditar, esse movimento retido na sua pureza de constante deriva e irrisão leva invariável à indiferença. aquilo em que sempre acreditei hoje revela-se-me confuso e inconsistente e viverei sem qualquer desculpa ou culpa numa descrença persistente, mas não pacífica, nunca pacífica, degladio as formas, interponho-as contra a necessidade de as fixar, vejo-as mesmo nitidamente a deixarem de ser mesmo quando as vejo ser e, aninho-me na perda como um sagui velho e cansado.

domingo, 7 de junho de 2009

Votar ou não votar nos chulos da europa. voto branco.quero dizer não acredito na eficácia de um parlamento com 700 pessoas. destas 700, 200 devem ir às reuniões e dessas 200, 100 estão a dormir...e mesmo que fossem as 700 como pode algo ser decidido entre 700 pessoas?? brincamos...visto-me sim senhor para ir à escola cumprir o dever, visto-me para ir não votar, that´s all! redução ao absurdo da polítiquisse!

sábado, 6 de junho de 2009

cúmulo-nimbus é o nome dado ao diabo que tragou 228 pessoas numa fracção de segundo. o inferno no céu, parábola de uma ilusão metafórica, a do céu como paraíso. a súbita evaporação da face da terra de 228 pessoas fruto de nuvens gigantescas e raios fulminantes adensa-nos o mistério de saber se este azul que nos cobre não é mais que a capa de um deus tentacular e vingativo desafiado pela arrogância humana. O que é um airbus com tecnologia de ponta, senão um pássaro de ferro frente ao insondável? não haja dúvida que este acidente nos corrói de um medo antigo, as asas de uma águia que na eternidade debica os olhos a Prometeu por ter roubado o fogo divino. Por momentos os mitos surgem na sua realidade, avivam-nos os limites.

terça-feira, 2 de junho de 2009

que procuramos nós ao ler um livro? há vidas ali descritas, reais porque é possível que sejam reais, o facto de serem descritas tira-lhes a opacidade e o segredo que há em cada corpo/vida que conhecemos, deste ponto de vista são mais reais, porque se mostram mais, mesmo o que ocultam o autor Deus faz o favor de desocultar e de nos dar a ver o mecanismo do relógio o que em tempo vida real só vemos o relógio mesmo e em horas diferentes. No mais íntimo não poderemos responder a esta pergunta senão com a nossa descoberta, demorada.demorada e nem sempre digna de ser revelada. mas,o que valerá a pena escrever ou revelar? no tempo vida real confunde-se tudo, misturam-se a virtude e o vício, a alegria e a tristeza, o cíume e o desprendimento, mal os captamos vemo-nos a perdê-los e rapidamente se tornam outros. nenhuma lógica, só uma narrativa circular e fastidiosa, este labirinto desorienta, quem somos não tem resposta, volatizamo-nos então em mil tarefas ou em mil pequenas dores que não queremos tocar por ofenderem a razão. nessas alturas, se temos a sorte de alguém nos pegar na mão e de nos amar, nem que seja por breves segundos, tornamos a respirar e compreendemos duas pequenas coisas maravilhosas: a primeira já foi mil vezes dita e reedito-a agora: só o amor nos faz, junta as peças; a segunda é que há mil formas de ser e todas têm o seu fascínio mas saber qual a nossa é tarefa de uma vida e imprescindível. ler permite-nos pensar que não há impossíveis e que é tudo humano, mas sobre a nossa própria forma não há leitura a abençoar e é dela que todas as leituras partem e chegam.
imagem, Caravaggio

segunda-feira, 1 de junho de 2009



"Era óbvio que a suas tremendas reacções emocionais nada tinham a ver com a realidade.Era algo íntimo e angustiante para ela. A grosseria tinha muito mais a ver com ela - com o seu estado interior, a sua depressão, a sua raiva e o seu ódio a si própria - do que com algo externo. Não percebia a realidade imediata porque tinha um estranho mundo interior. Sentia nitidamente que ela tinha necessidade de olhar para a sua própria sombra"

A propósito de Highsmith e desta espantosa e reveladora biografia editada em 2004 pela Bloomsbury. O efeito da biografia de um autor admirado (diria idolatrado!) é empolgante, pensamos que não há vida para além da imensa escrita, de cartas, diários, romances e contos, ohamos para uma mulher imersa em livros e amantes, que tem pavor da intimidade e o que se nos revela é uma certeza, a vida, seja lá o que for, não tem imediatamente a ver com a obra, é a sensibilidade, a forma de captar que escapa aos factos e faz a diferença.