quinta-feira, 30 de junho de 2011

comunidade europeia

Esta mania moderna de devermos dinheiro a todos e termos de pagar com elevados juros, apanhou-nos de surpresa. Sinal de uma Europa tão mafiosa quanto corrupta, uma Europa onde os regimes políticos totalitários foram substituídos por uma economia de mercado que é outro nome para "exploração dos pobres pelos mais ricos". A coisa é simples, é como se tivéssemos uma grande casa com várias famílias, uma delas com mais recursos e um estilo de vida diferente, enriquece, outras preferem outro tipo de vida e sobrevivem mais pobres. Os mais ricos para rentabilizar o seu dinheiro, oferecem grandes vidas (iguaizinhas à sua) aos mais pobres, estes vão no engodo e depois é o típico filme mafioso, o emprestador é dono dos destinos e trabalho do outro e ainda por cima ganha com isso, porque o dinheiro que investiu ser-lhe-á dado a dobrar, como qualquer instrumento capitalista. O negócio, esta negociata da comunidade europeia torna-nos reféns, não só da visão social e económica dos outros como das metas que eles estabelecem, e essas metas servem para eles, não para nós. Para além do mais esta visão atrofia o que verdadeiramente a Europa tem de bom, os valores, a Arte, a Cultura e sobretudo, a diversidade. Quando nos venderam esta ideia da comunidade europeia nós nem sonhávamos com este desfecho, mas agora aqui está ele, clarinho, será tarde demais para repensar e fazer de novo?


Foto de Nana Sousa Dias

segunda-feira, 27 de junho de 2011

gare do oriente (again)

na gare do oriente há camionetas de carreira para a margem sul e golpes de vento assobiando entre os pilares de betão. muitos automóveis .nenhum espaço, estaciono em segunda linha, cool, mas a "destroce" incomodada enfia a carantonha na janela, é pá não podes estar aqui, o hálito poderoso dissuade a minha resposta, ponho a primeira e arranco devagar mais pra frente, não tenho de te explicar que estou à espera de uma pessoa..., a "destroce" avança uns passos cambaleante com a garrafa de cerveja de litro na mão, hoje, particularmente hoje que acabei de passar um cheque à UNICEF, não me sinto paciente, já fiz o meu serviço "pro buono", e a vontade é entornar-lhe o resto da garrafa sobre a estopa desgrenhada que não vê água desde a Arca de Noé, assim por alto, que não sou boa a fazer contas de cabeça. ela grita qualquer coisa imperceptível e eu guio-me pelo cheiro, arranco 10m, paro mais à frente, o gasóleo queimado dos tubos de escape das camionetas carreira e o Fausto a cantarolar no rádio do carro. Não desarmo, agora é um tipo com três dedos na mão cheia de anéis grossos ou seria a mão grossa com anéis de três dedos? não fixo pormenores, com o imperdível jornal enrolado faz-me sinais para virar à direita, eu sei que não há lugares mas estou aqui nesta Lisboa descaída onde se perde a noite entre fumos e gente olheirenta, não há turistas , a toda a hora partem as carreiras pra margem sul, estou de passagem, se houver um longe dali, e há, permito-me ocupá-lo tão completamente que o único vestígio de lá ter estado seja mesmo o guardanapo de papel da sandes que tu, ao chegares, atiraste para o caixote do lixo.




Foto do Portugal dos pequeninos.

terça-feira, 21 de junho de 2011

lisboa em junho

Há uma diferença entre Passos Coelho e Sócrates, o primeiro encavalita uns óculos de aros finos a meio do nariz, farto, o segundo fez operações à córnea (esta palavra tem umas implicações jeitosas!...) para não ter que ficar inferiorizado de lunetas. de facto as lunetas encavalitadas no nariz dão-nos à figura mais quinze anos. ficamos logo um bocadinho avós com um bocadinho de pai natal e por aí, figura recatada de lareira e chinelos. para um político vai-se logo a ferocidade para parte incerta, (talvez para os joanetes, é uma hipótese) e a ferocidade não é nada negligenciável, uma certa dose de intimidação, misturada com o seu toque Action Man dá jeito para resolver pleitos. mas trocando em miúdos. Quero falar é de humanidade, um tipo de óculos de ler ganha em humanidade, no que a humanidade tem de igual para todos com as suas merdinhas, pecadilhos e impedimentos vários. o tempo dos heróis, talvez Sócrates não o tenha percebido, já foi. nós agora queremos pouca ousadia, coisas piquenas, esforços e contenções como dizem os mais parvos. cá para mim gosto do ministro das finanças, gostava de ser assim, atenta ao mundo, voraz. mas aquilo que cada um gostava não vem ao caso, e bem vistas as coisas, este nosso ministro tá feito à medida destes nossos anseios familiares e gastos.


A foto é da Annie Leibovitz

sábado, 18 de junho de 2011

tripoli

o meu interesse por mim diminuiu bastante nas últimas 24h. tenho os lábios encarquilhados, a língua presa e doem-me os cotovelos, os tornozelos, a cabeça e os ombros.evito superfícies lisas onde não há como fugir da coisa que me olha, ensimesmada e surpreendida de molde a esquecer-me e oiço perfeitamente os volitivos amuos das entranhas e a falta de ar das células ,o registo adormecido dos orgãos, a temperatura do corpo a subir e um frio estranho ao solstício de verão que alheado da minha doença teima em entrar pelas janelas.

terça-feira, 14 de junho de 2011

entre dentes

Não temos necessariamente de nos realizar pelo trabalho, não tem que ser aquela paixão, não tem de ser, pela simples razão que paixão e trabalho são simétricos, como a mão direita e a esquerda,mas não são a mesma, disputam-se. Olho para os livros, a secretária e o computador com ela, as coisas arrumadas ou desarrumadas são bens de que facilmente me poria ao largo, sem olhar para trás, (talvez a excepção sejam alguns livros, o meu relógio, a minha caneta de tinta permanente especial, e não me lembro de mais agora que parei para pensar nisso) mas foi tudo ganho senhores com o suor, as noites e os dias do rosto, dos braços e do meu parco talento ao serviço desta função: ensinar. o meu trabalho, o meu ganha pão. seja qual for o valor da utilidade, o trabalho encaixa nela tão perfeitamente que nem são precisos esforços preliminares ou lubrificantes. sendo assim mesmo, tudo o que comi e bebi, mesmo a cama onde me deito, a camisa branca que me cobre o tronco e os óculos, também a gordurinha à roda da barriga, ainda é seu. mas seria eu diferente se nada disto existisse? e se sou também isto, não é verdade que os sítios para onde me evado sussurrando, as minhas paixões, são ainda formas originais, não produtos, que sem elas nada seria certamente porque a verdade é que continuo para dentro do céu da boca e disperso-me nas sinapses tontas do cérebro.não deveria voltar ao trabalho, esta ideia, bem, só de pensar nela dá-me tonturas.

domingo, 12 de junho de 2011

desassossego.

O palco passa da escuridão quase total para a luz das feiras, os olhos temem, mau presságio, não há que brincar ao fecha e abre pupila. No espectáculo as palavras são demais, tornam-se morfologias em retalhos , como pedaços de corpos, decepados, lamentos ao ponto exaspero, pela repetição, tout court..serão os eflúvios da vodka? não, continuo a não aceitar a chapa, o actor que fala para o público.Este texto do Bernardo Soares não é teatralizável. ponto. há belos textos que não são textos de teatro,porquê? porque é um exercício de metáforas espantoso, um texto a dialogar consigo próprio, sem fim, nem é de espelhos que se trata, das múltiplas faces, não. é o mesmo, o mesmo em variações metafóricas. ensaio. sobre si, virado às entranhas.O gesticular expressivista, é desajustado, queria-se contenção. nada no texto é expressão.e depois quanto a mim, espectadora, sempre bem tratada nesta casa de arte que é a Comuna, não é elementar tratarem-me como rebanho. (aparte subjectivo e angélico), ou será?

segunda-feira, 6 de junho de 2011

noite de teatro

O Teatro de marionetas tem estatuto menor dentro das artes do espectáculo, falta-lhe a intelectualidade forte do texto que faz do Teatro uma Arte maior desde os idos gregos das tragédias, passando pelo teatro europeu dos grandes autores. A nossa tradição assenta no texto dramático, sem dúvida, e isso fala um pouco do modo como somos, nós europeus, dados ao dizer, (a recente mostra deste dizer é o discurso do mestre laranja, vulgo Passos Coelho, contrariando a verve política do discurso, vem de voz grave acentuar a pobreza do dito na arte política o que denota, visto que foi o eleito, um certo cansaço da maralha em relação à palavra, sinal do seu demasiado e malbaratado uso) mas continuando (vou ali chorar pro canto pra não pensar nas eleições), no sábado de reflexão fui-me a ver uma companhia alemã de marionetas: A THALIAS KOMPAGNONS. Conheço o Teatro alemão e amo-o, amo o seu rigor, a sua criatividade, o seu gosto alquímico e telúrico que rasga a fundo esta tradição discursiva do Teatro. Neste caso, propõe-se uma arte de fazer coisas, pequenas, grandes, simples e complicadas, ali, em cima do palco, dar a ver, como do próprio espectáculo se tratasse, a transição (isso é que é alquimia) do fazer ao acontecer, produzindo por gestos vulgares, um manancial de formas surpreendentes. Mais uma vez as expectativas (altas) não foram traídas. Subi ao segundo balcão, do Teatro D. Maria II para me maravilhar com o candelabro gigantesco da sala e o roçagar de cochichos e passos abafados que antecede o começo dos espectáculos. A THALIAS trazia na manga nada mais que "A flauta mágica", a história dos amores de Papagueno, ave alvoraçada, e do seu amo o príncipe Tamino. A música era do Mozart, tocada ao vivo e cantada a várias vozes por um só cantor. O processo engenhoso: bonecos filmados em vários cenários artesanais, construídos e manipulados para dar efeitos visuais muito além do que prometiam quando olhados a nu, em cima da banqueta de madeira. A Arte, desde as mãos até à concepção, o trabalho das marionetas e da música, produzia-se a partir da inércia dos objectos até aos voos da imaginação que os usava. Pura transformação. Não se pode exigir mais ao Teatro, esta é a sua essência.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

romantismo 2

Estava a ler Kierkegaard e é como chegar-se à ribalta do teatro vazio, subir as escadinhas de um púlpito à esquerda, embaraçar-se na toga que não autoriza senão certos gestos e ouvir os zunidos de um silêncio fundo, custeado por alguns séculos de mecanismos de labor e eficácia. Martelar as palavras, atirá-las para longe, que a parede é apenas uma metáfora da indiferença, ganhar alento justamente quanto maior for a surdez alheia. Um teatro vazio emociona mais que uma plateia aos gritos, falar de fé, exaltar-se, como se continuamente lutasse contra a comodidade das explicações" Não! Nada será perdido dos que foram grandes!" diálogo de poeta para herói destinados ambos a missões tão altas quanto impossíveis. Crer no impossível levar a sério aquilo em que se crê, mesmo só um sentimento, e como são voláteis os sentimentos!!, sopros! mas nada haverá tão sólido quanto sério. Nada, dado. Não será de admirar aquele que de um sopro constrói um edifício, com quartos, janelas, portas e sala de arrumos? E uma vez o edifício construído poderá nele morar exausto. SE gritar das janelas, só as nuvens a passar, as nuvens, o céu, as gentes absortas.





Foto de Maria Helena Lebre