Numa certa altura da vida falta-nos tempo, não
porque temos muitas coisas mas porque somos mais lentos e ainda desejamos muito, como se nada nessa
lentidão nos fosse familiar. O motor, a força tempestade, entrou em
desaceleração e a percepção desta súbita mudança faz-nos querer chegar a todos os
lados que o desejo laço tinha preguiçosamente adiado. Antes de parar, de parar
definitivamente. Dentro de mim há também uma figura absorta, uma
marioneta a que temos de puxar pela mão porque se quedou embevecida pela
luz do próprio tempo a passar, assustada pelo absurdo de poder parar, como
quando alguém corre atrás de nós com uma arma e o horror prende-nos as pernas,
não conseguimos fugir, uma espécie de torpor hipnótico, talvez, um rodilho de
silhuetas mudas seguram-se no limite. Os meus dois: o que observa espantado um
outro mergulhado no pântano luminoso, no extravio absíntico da languidez da
queda. Um tem pressa demais e o outro, nenhuma.
sexta-feira, 16 de maio de 2014
domingo, 4 de maio de 2014
The Killing: Crónica de um assassinato
Esta é uma série que se vê
religiosamente, a terceira temporada passava às terças, 21.45 no AXNBLACK e
nunca um local no sofá foi tão ansiosamente aguardado. De facto, as americanices policiais deixaram de me seduzir, desde os tempos de uma
antiga série, que pouco tem a ver com esta: "Modelo e detective". Eram
todas muito profissionais e previsíveis, com retratos psicológicos estereotipados e recursos ao sexo constantes e repetitivos. Esta lavou o prato dos condimentos enjoativos, veio da Dinamarca e responde sem mácula ao que se espera de um policial: acção, lógica e mistério. Embora sendo produzida em 2007 só
por cá passou, a primeira temporada, em 2012, o atraso é corriqueiro mas
inaceitável, pergunto-me porque temos de aguentar horas de séries americanas
sem interesse e esperamos 3 anos para poder ver um produto dinamarquês de
qualidade notoriamente superior. Andanças do demónio certamente.
A acção passa-se em Copenhaga, a heroína é Sarah Lund, uma inspectora da polícia obcecada com o trabalho, hermética, pouco emotiva, persistente. Nela se concentra a investigação de um assassinato, com avanços e recuos, erros e intuições espantosas. A rede da trama é larga e envolve famílias políticas, pessoas solitárias e grupos de pressão. Um dos factores originais é exactamente esse, a dinâmica entre a pessoa e o grupo, demonstra de forma convincente como a vontade e as vontades, os interesses e o desejo de verdade se podem articular sem que haja um protagonismo redentor de qualquer uma das personagens, todas, por momentos, são influenciadas pelo grupo onde agem e simultaneamente teimam em ter os seus próprios caminhos, mesmo contra todos, numa espécie de alternância caótica em que as consequências de cada acção têm desfechos para além do que pode ser antecipadamente previsto pelo pensamento do grupo ou de um só, como se cada uma das acções ao chocar com outras vontades nos conduza por meandros inesperados. Estou triste por ter acabado a terceira temporada. Neste deserto televisivo de novelas e produtos para consumo instantâneo, uma janela onde o barulho das gentes não é só ruído, faz falta.
A acção passa-se em Copenhaga, a heroína é Sarah Lund, uma inspectora da polícia obcecada com o trabalho, hermética, pouco emotiva, persistente. Nela se concentra a investigação de um assassinato, com avanços e recuos, erros e intuições espantosas. A rede da trama é larga e envolve famílias políticas, pessoas solitárias e grupos de pressão. Um dos factores originais é exactamente esse, a dinâmica entre a pessoa e o grupo, demonstra de forma convincente como a vontade e as vontades, os interesses e o desejo de verdade se podem articular sem que haja um protagonismo redentor de qualquer uma das personagens, todas, por momentos, são influenciadas pelo grupo onde agem e simultaneamente teimam em ter os seus próprios caminhos, mesmo contra todos, numa espécie de alternância caótica em que as consequências de cada acção têm desfechos para além do que pode ser antecipadamente previsto pelo pensamento do grupo ou de um só, como se cada uma das acções ao chocar com outras vontades nos conduza por meandros inesperados. Estou triste por ter acabado a terceira temporada. Neste deserto televisivo de novelas e produtos para consumo instantâneo, uma janela onde o barulho das gentes não é só ruído, faz falta.
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