segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

la lei del deseo

Se quisermos fazer uma história do desejo, invocando a literatura, poderemos começar pelo modo como o desejo aparece, isto é como se descreve como força ou antes começar pela seriação meticulosa dos objectos que se desejam? Dois objectos saltam já. O outro, a morte. Deseja-se muito o outro, o amado, a amada, porquanto poderemos ser razoavelmente divididos, entre o desejo do corpo, sexualmente falando, e o desejo da presença. Sendo o primeiro positivo, acto presentificado enquanto o segundo manifesta-se pela negativa, deseja-se a presença do outro exactamente porque não se tem. Também a morte e a aniquilação. igualmente. o lado negro do desejo, simetria ignorada e presente. O primeiro ganha por momentos, mas não sempre. Eros e Thanathos. a diferença entre desejar e ter impulsos, está na diferença entre ficções culturais e biologia, não são da mesma ordem, embora biologia e cultura...quem sabe onde começa uma e acaba outra. Objecto 3. O conhecimento. " Mas agora reparo que o meu espírito dorme. Se a partir deste momento ele definitivamente acordasse, depressa alcançaria a verdade, que talvez nos esteja rodeando, com seus anjos de pranto...se tivesse chegado até aqui desperto, não teria cedido aos instintos deletérios em época imemorial! - Se tivesse sempre bem alerta, estava eu a vogar em plena sabedoria! Ó pureza! Pureza!" Rimbaud
Daí que, resumindo, diletantemente, o desejo tenha o seu objecto primordial no impossível, no que se perdeu, no que não nos pode pertencer.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Hoje no rossio, as pombas.
E eu mergulhador com seu escafandro de flores







e minúsculo sinal na face



andando na calçada entre dentes e dentes



a fugir



Hoje no rossio, a calçada



a sombra aguda e inexplicável



do teu riso doce



fábula urgente entre gente e gentes



a surgir.


a foto é retirada algures da net.

domingo, 22 de janeiro de 2012





há no filme "As asas do desejo" uma cena em que Peter Falk, o homem que abdicou, por desejo ou por amor, de ser anjo , conversa encostado a uma roulotte de estação, daquelas que servem bifanas e pregos. Adivinha-se uma madrugada de trabalho e este outrora anjo na sua gabardine encardida e barba de três dias resume calmamente a intenção de continuar humano: Poder beber um café e fumar um cigarro ao começo do dia quando a noite se levanta, num sítio anónimo de uma cidade anónima.


Para quê então a eternidade? Tudo recomeça igual mas irrepetível, e em risco, sempre em risco de ser único ou último.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

No dentista

clínica dentária, quatro e picos, um frio dentro e fora da alma. Brocas não são a minha especialidade ao contrário do sofrimento com dentes, e hoje, estava um dia dado a geada, não fosse o Tejo por perto, um dia com vislumbre de tortura, tortura de luxo, coíbo-me de revelar preços. A rapariga tinha uns magníficos olhos verdes e uma pele morena, a máscara na boca e fichas por todo o lado, à minha frente deitada na marquesa dentária a radiografia dos meus dentes como na caveira, que hei-de ter se ainda os tiver. Decidir, por onde começar, porque havia tratamentos que poderiam levar-me à ruína, começar pelo básico, cáries, limpeza de boca e lá veio o zunido da broca, água a esguichar por todo o lado, eu a fazer um esforço para não engolir e ela a fazer-me doer por todos os poros. Não, assim não. Quer anestesia? também não, quero que faça a coisa sem doer, não gosto de dor, ela, mas é assim minha senhora e eu a ter saudades dos dentistas mais velhos e cuidadosos que paravam para perguntar: "Está a doer?" Segurei-lhe a mão, veio-me à ideia as grandes pradarias da América ou as Savanas, não sei bem , corsas a correrem por ali fora. Não lhe pude dar uma dentada na barriga, como fazia quando era impulsiva demais e mal chegava ao umbigo das pessoas, mas não perdi a gana, arranquei o babete e saí dali para fora, o gosto do sangue na boca. Gosto do sabor do sangue, pena ser o meu.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

na exposição

Nesta exposição não havia só os quadros a reter, outros quadros sem moldura ou com aquela dada pela emoção descompassada suscitavam a atenção. Mas primeiro: os protagonistas.Tinham vindo em caixas ventiladas e protegidas, viajado como vips de guarda-costas e seguros milionários, cientes do seu estatuto de embaixadores da arte, da grande arte, da que o tempo já canonizou. Esses olhavam-nos irónicos, naturezas mortas, lebres, perdizes, laranjas hortenses, enguias, jarras, copos, leques, houve quem dissesse que era mais adequada a expressão inglesa "still life painting" tal nos parecia interrogador e expectante o seu ser extático. Havia os teus pés de um lado para o outro com botas pretas e os casacos e golas de tanta gente apanhada voluntariamente na sala sem máquina fotográfica, champanhe ou acepipes, apenas pelo gosto de ali estar, nesse último dia de exposição, testemunhas de um encontro sobre o qual permaneciam na mais total das ignorâncias.
e se fosse apenas pelos quadros apanharia a noite sem pré-aviso e comporia em seu redor reflexos de figuras sobre mesas, texturas, maçãs douradas, iria de uma para outra com as linhas que as crianças traçam para unir pontos entre pequenas estrelas e teria valido a pena. eu já sabia. e atribuo tudo, até o teu olhar alarmado, ao poder da arte.

O quadro, este, magritte: " O retrato"

domingo, 8 de janeiro de 2012

artrite das palavras impacto solar da imagem
enfim longe da mulher que ladra...
não muito longe da que só precisa de um banho quente
adoro

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

anda ali, a debicar nas pedras.

domingo, 1 de janeiro de 2012

ao verbo e à fortuna



ano novo e vida a estrear. vida ainda embrulhada em papel celofane para não partir com as curvas e os solavancos da viagem, percursos sinuosos nem sempre evitáveis. Esfarelámos bolachas para encontrar o caminho de volta mas como na história da Gretel, os pássaros comeram, os pássaros comem, em geral, quando não comem põem-se a voar, não deixa de ser um facto estranho, que haja pássaros e na noite se porem a voar. este ano muitos dos meus amigos optaram por passar o ano sozinhos nas suas casas, quartos, salas, janelas com vista de cidade e de estrada, vontades várias, porque ninguém está sozinho quando o coração o puxa para um lado ou outro, vamos estando com os ferozes rumores, batendo latas na janela mais alta, para espantar os fantasmas. A janela mais alta não é muito acessível, há que pôr vários bancos em equilíbrio subir-lhes para cima e daí sim, a vista pode ser diferente. A todos eles. Tchim Tchim! ao verbo e à fortuna!