segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

pormenor


Radiante foi ver o céu hoje, laranja, roxo, rosa, azul, havemos de nos alegrar com os raios de sol e com as vagas do mar,com as azedas no campo e com as dunas da praia,  a natureza tem uma grandiosidade que se admira como coisa antiga cujo eco perdura, agora que a humanidade perdeu de vista os grandes gestos, a generosidade sem condições ou a verdade sem omissões. Organizamo-nos como formigas cegas, enterrámos as cigarras. Temos líderes como os cães têm pulgas e o resto é mar, é tudo o que não sei contar. 

A pintura é de Courbet

domingo, 9 de fevereiro de 2014

tempestade



 
Porque será que as tempestades têm nome de pessoa se as descrevemos à régua e ao esquadro? Ondulação de 11 metros, ventos de 130Km, leito dos rios cresce 6 metros, população e orla marítima em estado de alerta. Lembro os quadros do Turner, as vagas, os relâmpagos e os homens indefesos e arrepio-me desta forma de transmitir a informação tão alarmista e  cinzenta. Por detrás da pretendida ciência dos números há o resgatar da identidade da coisa natural, a neutralidade da descrição é um cavalo cego, não há neutralidade, há só pretensão e uniformidade. Como se os números nos dessem a ilusão de controlo e de conhecimento. Nada. Os números não são sinónimo de domínio coisa nenhuma, são só sinal de falta de ideias, de falta de poesia, de falta de grandiosidade na descrição. Esta omnipresença dos números é tão ilusória como manipuladora. Eis a tempestade: os ventos assobiam nas frinchas mal vedadas das janelas, o recolhimento da noite transformou a tempestade em som, arabescos de árvores a bater contra os vidros. E nós reinantes de chaves à cinta encolhemo-nos no sofá, deixamos os olhos crescer para o que a noite não deixa ver. Stop

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A força bruta do capitalismo selvagem


Já vivemos o suficiente para antecipar consequências de certas tendências. não é preciso ser monge para intuir o que nos espera, é mais de pistoleiro  pôr-se com caçadeira de canos cerrados aos tiros a tudo para afugentar o mal estar, o salário reduzido, a falta de gosto verdadeiro. Hoje sobram indignados e esta força da indignação que escorre nos discursos prolifera por todo o lado, o meu não é excepção, esgota-se a seiva da acção, apropriamo-nos do discurso como o pistoleiro da arma, mas nada atingimos senão o esgotar da raiva ou diminui-la, a comunicação que hoje parece correr acelerada e em caudal furioso é, perdoem-me a expressão, um efeito mistificador, de facto, na realidade, nada acontece e nada depois, enfim, de qualquer forma, muda. A autoridade do discurso acabou e com ela uma forma preciosa de liberdade. 
A questão parece-me que é fácil de compreender, passa pela subversão do verdadeiro poder dos indivíduos, o poder de estarem juntos e de lutarem juntos por qualquer coisa, a desconfiança nos negócios públicos começa com as mediações da esfera privada, o privado torna-se no espaço de liberdade, no sentido em que nele, só nele, podemos  preservar-nos da uniformização e furtar-nos silenciosamente ao ruído omnipresente. A propaganda ideológica do capitalismo tem este efeito reduzir-nos ao privado, atestar os nossos lares coelheiras dos mais sofisticados aparelhos para nos entretermos no nosso labor de formigas desossadas e acabrunhadas. Presas fáceis do consumo, que vamos amontoando a um canto, nós os indignados corremos de um lado para o outro entre a produção e o consumo, entre os dois comunicamos através de aparelhos e cobiçamos outros mais virtuosos e caros para nos sentirmos seguros. A multiplicação infinita dos nossos discursos individuais dá-nos a ilusão que comunicamos para o mundo inteiro ou para uma plataforma alargada mas a nossa comunidade virtual não é uma comunidade, mas um gazeamento comunicacional, todos falam ao mesmo tempo num prolongamento do eu, um prolongamento da sua vida privada mas não para um espaço público. Presas do consumo, ainda porque a ele estamos sujeitos em todas as esferas da nossa "privacidade" invadida. deixamos de frequentar o cinema e o teatro, o café e a tasca, deixamos os rituais comunitários, as refeições, as festas. Não nos revemos em nenhum grupo, nem nos revemos no Estado, nem nos soberanos nem nos súbditos, julgamos ter poder por podermos dizer tudo o que pensamos, mas já não pensamos muito, reagimos. O pensamento é fastidioso, moroso, ninguém aguenta, já estamos noutra ainda nem sabemos qual.

Foto: Rodney Smith