segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Que se proíba as praxes de vez.Haja coragem política.

Não me importa que se fale  ao abrigo da onda, que todos falem do mesmo, ou que seja mesmo pelo cansaço que a cretinice e o silêncio vençam sobre a indignação. não há que ponderar nada nem fazer de conta que a vida universitária deve ser tratada tal e tal, nestes casos em que se pode ser democrata porque não custa nada, não está dinheiro em jogo, na verdade   quando se trata de dinheiro não há diálogo nem democracia,os nossos governantes aplicam as regras da mercearia e o resto que se amole, corta-se a eito e não se pede licença. mas agora com as praxes é um "com licença se faz favor" vamos debater. Debater o quê? Alguém debateu os cortes autoritários das bolsas de investigação? Alguém debateu os cortes orçamentais às faculdades? Agora há mortes associadas a praxes, os sobram indícios de abusos e crimes cometidos ao abrigo desta aberração dita universitária, casos abafados de Alunos que se queixam, mas o governo vai debater, agora que o assunto lhe é perfeitamente indiferente parece muito respeitador das aberrações que foram criando bicho à conta da indiferença e do paternalismo. Proíba-se de vez esta palhaçada, há razões mais que suficientes, haja coragem de defender pela lei o que está correcto . 
O caso do Meco tem contornos de grande tragédia mas as Erínias da vingança, estas mães que clamariam sangue para restituir o equilíbrio que foi destruído, estão sós, esperando um golpe de misericórdia, contemporizando num inexplicável e medonho caso de morte simétrica, seis, todos os participantes a morrer enquanto se safa um chefe de praxe, que faz voto de silêncio. Quem restitui o equilíbrio? Nada, parece só sobrar uma inócua revolta. o que não deixa grande espaço para acidente, por ser tudo demasiado simétrico. Quero eu dizer, que o acidente é sempre qualquer coisa de que se fala logo com espanto mas que se compreende num quadro  circunstancial, enquanto aqui está tudo para compreender, tudo para explicar, adia-se a investigação, a coberto de quê? Quanto às praxes já aqui me apeteceu vomitar sobre este quebranto e esta aquietação das instituições para proteger estes rituais macabros. Escrevi sobre isso enquanto as minhas sobrinhas declaravam alegremente que andaram a rastejar e a comer alho cru a mando dos "padrinhos" e o nome diz tudo.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Foz do Arelho, Dezembro de 2013

O inverno do meu descontentamento

Estive três dias de cama com gripe, gripe dos homens não das aves. Se fosse das aves diria, não há aqui qualquer pudor de espécie, mas não foi, foi gripe versão para humanos de boa vontade. Gripe para gastar a boa vontade de qualquer idiota. Pois neste exílio de Benurons e cefaleias, um facto benigno ocorreu. Partilhei a humanidade, da qual fui temporariamente apartada, na horizontal do meu sofá, vendo compulsivamente  TV, com o gato aos pés e os lenços de papel por perto. Há que discorrer um pouco sobre este facto de passar três dias a ver TV, sendo que maior parte do tempo estava meia senil de febre. Primeiro dado: Vi um bom filme, entre três ou quatro de que já nem me lembro: “ The Master” do Paul Thomas Anderson. Trata o filme da mistificação das seitas que foram surgindo a eito para o  final da segunda guerra mundial.  Desvario de aldrabices e  ignorância, uma destas seitas intitulada  “A Causa” acaba por ter consequências positivas sobre um desgraçado de um espécimem horripilante que no filme dá pelo nome de Freddi ou Fred…cujo único prazer e desejo na vida era poder estar com uma mulher, isso mesmo a guerra lhe tira, "A Causa" retribui-lhe e vemos, no fim do filme, imagens do seu calvário destruído, numa queca com uma moçoila algures nessas terras americanas cheias de bonés e dentes cariados. O filme conduz-nos e não se apresenta de fácil desfecho, o que só por si, é uma bênção. Um dia, depois do inverno passar, voltarei aqui para vos falar do The Master, porque sim, porque seria bonito.
Mas voltando à TV. A Praça da Alegria, gostei dos fios de ovos logo pela manhã;  do sorriso congelado do rapaz de serviço João Baião; dos olhos verdes da Tânia Ribas de Oliveira  e dos enchidos de uma terreola a norte para onde o entrevistador se deslocava de samarra e chapéu de feltro e de onde saíam grandes  baforadas de fumo cada vez que abria a boca. Por último, nas Notícias, recordo os meus confrangedores irmãos de gripe enchendo as urgências dos hospitais como aves de aviário enchem os bebedouros de penas, verdadeiras penas estas, e um bebedouro (esta comparação é imbecil), a conta gotas,assim se fazia a notícia.

A imagem é um fotograma do filme " The Master" com o Joaquin Phoenix numa pose impressiva.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A troca

Há palavras incómodas que podem fazer-nos enrugar o nariz se as aplicarmos às relações humanas. Trocar, por exemplo,  trocávamos cromos como outros antes de nós trocavam cestas por sementes, trocamos vontades, trocamos o que temos por aquilo de que precisamos. A palavra servia para coisas mas não para sentimentos ou relações. Claro que não podemos trocar sentimentos mas a verdade é que os alimentamos pela troca de mimos e atenções, um sentimento não é uma aura autónoma e prevalecente, é , como tudo, algo com necessidades. Habituamo-nos a pensar de uma certa maneira de acordo com um código moral tacitamente aceite mas muitas vezes esse código não corresponde a nada, está desconectado do mundo. Na amizade e no amor não deve haver troca, diz-se, "a troca está associada a espírito mercantil e não há deve e haver em relações espirituais como o amor e a amizade" diz-se. Todos estes tour de force me parecem piegas e inúteis. A troca corresponde ao mais vital dos impulsos humanos, é com aqueles que estamos próximos que queremos trocar coisas, queremos dar mas também que nos recompensem, que nos dêem em troca, se assim não for a a amizade e o amor podem existir enquanto sentimentos mas começam a ter ressentimento e perplexidade, e ressentimento e perplexidade é o resultado de uma clivagem entre o que necessito e aquilo que recebo. Há prazer na troca, (hoje aparece como "partilha" que é um nome pomposo para o básico). Quase tudo se pode trocar, as nossas necessidades não têm fim e seja de que natureza forem é nelas e na sua satisfação que o prazer nos visita e um dos maiores prazeres é, sem dúvida, trocar coisas com quem amamos ou somos amigos.

FOTO: ALESSANDRA SANGUINETTI

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O estado do mar

Para sermos justos teríamos de admitir que individualmente nós, homens, temos rasgos e que somos imprescindíveis uns aos outros, esta é a boa suposição, perfeita e inatacável. Os actos eremitas seriam bem-vistos por medievais e ainda são, em certos casos, idealizados por mentes confusas com o marulhar "non- sense" da humanidade ruidosa, mas o eremita não deixa de ser, mesmo em sonhos, um selvagem irado ou um louco feliz. Se vivemos em humanidade porque a ela pertencemos e só com ela podemos fazer e falar e alterar e desfazer, sendo nisso que gastamos o labor mundano, não podemos contudo admirar a humanidade, a humanidade nos seus dados materiais e objectivos parece-nos gananciosa, destruidora e cobardolas. Veja-se os encapuçados com câmaras de vídeo filmando as ondas que destroem os carros e levam as esplanadas da costa, veja-se a mesquinhez da coisa, se fosse alguém a ser levado pelas ondas a sua exultação seria, possivelmente, ainda maior, o momento seria precioso para mais tarde recordar. Esta forma tão moderna de se esconder atrás de máquinas é a mesma mania moderna de as pôr por todo o lado para nos dar a sensação de controlo e eficácia mas que perante a natureza explosiva só nos dá a medida de uma inutilidade confrangedora, parecemos macacos cujas cascas vazias das nozes que fomos devorando tivessem crescido tanto que nos tapassem a visão, vivemos no meio do lixo dos nossos artifícios, às vezes, quando a natureza vem, vem forte, e varre de um só impulso as construções erigidas para gáudio do consumo de whisky ao pôr-do-sol com mar ao fundo, temos oportunidade de pensar e quiça perceber. Se calhar esta imbecilidade de instrumentalizar da pior forma a natureza seja culpa da publicidade. Mas, apesar dos estragos serem um aviso ou indício, como parece mais correcto pensar-se, para quem não tem negócios com o mar, apesar da majestade das ondas, a consequência destas pequenas tragédias é nula  para a mudança de hábitos, amanhã voltar-se-á a empurrar o mesmo lixo para perto do mar e,se possível, um pouco mais para dentro.