quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

deixo de lado

deixo de lado
os ramos e os pés
a luz e o coração
o fantoche de palha das emoções bárbaras cicatrizes
a figura trémula do meu pai
a figura presente da minha irmã
Rimbaud que se desfigurou
a atravessar planícies

Vejo a roseira do jardim
ao alto
o pânico de voltar ao lugar
onde descubro nem ser feliz
sem crueldade como quem traça a perna no sofá e amassa na ponta dos dedos a factura do gás
Deixo de lado
o meu amor cansado
as partidas dos aviões para o Norte de África
ao início do crepúsculo
lembro-me de quase nada
de tanto me tentar lembrar
permissivas gotas de absinto
no calendário
os anos
seguram
crianças ébrias
sorrisos florescentes
matas
à temperatura de um corpo.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

madrugadas

embora a madrugada possa recusar ser testemunha de insónias ou balanço de poemas que não a viram, talvez de longe mas duvido, embora não se misture com palavras, por causa certamente dos pequenos corvos debandados por tão pequenos riscos sobre o seu horizonte, embora não pareça a ninguém que definha pois o mais razoável é sobreviver limpa na menina acocorada dos olhos, embora possa servir mote ou metáfora de renovados dias, embora seja para recordar vê-la no fim, será de bom tom refrescar-se na sua capa dura e brincar a baralhar as rotações da terra mantendo-se acordado sem qualquer razão só, quem sabe, a teimosia de uma mente expectante, teimosamente expectante, ao arrepio de um corpo lasso que pede cama.



BOM NATAL para todos.

sábado, 17 de dezembro de 2011

reflexão natalícia

há certos valores em desuso. bom e mau, por exemplo. um homem bom ou uma mulher boa. uma mulher boa é mais "como'milho", um homem bom, é um tolo. quando utilizamos bom, é em geral para comida, este guisado está bom, ou no futebol: aquele "gaijo" é bom jogador. coisas boas são, em geral, para o paladar, ou cumpridoras da função. Mas, nós punimo-nos muito por descurar a virtude moral, ora para aliviar a tensão, a máquina social produz, à velocidade da luz, solicitações solidárias. dar para aqui e para ali, ajudar os pobres. Os milionários fazem-no, a virtude cristã idolatra-o. poderia ser uma forma de manter o equilíbrio, entre o egotismo e a instrumentalização. seria, até uma boa forma se não fosse perpetuar esta situação, e esta situação não se quer perpetuada. O humanismo não nos desvincula das obrigações morais, mas fá-lo num quadro de referências diferente, este quadro, agora é falso e não muda nada verdadeiramente. urge desenvolver a noção de um homem integral, não vinculado a obrigações postuladas por um quadro social em que a virtude se contabiliza pelas coisas feitas, produzidas. A questão base é a falta de confiança na humanidade, a visão de uma humanidade injusta e imatura que perpetuamos porque nada fazemos para alterar, esta humanidade precisa de rédea curta e de ensinamentos, mas os ensinamentos não tornam a humanidade melhor, não é isso que se lhe exige; exige-se antes pagamento ou punição por cumprir aquilo que se lhe exige: Produzir, produzir e como não sobra tempo, a caridade é o mais rápido e eficaz porque não incomoda a produção nem o consumo. ambos o BOM.




Foto Eisenstardt

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

gaivotas em terra

Alguém espantado por haver gaivotas na fonte-cascata da rotunda em Oeiras, ali, na rotunda marmorizada do Isaltino, entre carros e carros. -Olha!! Gaivotas!! Era suposto estarem no mar, nas falésias, hei, falésias!? Agora desarvoradas e corridas das falésias inexistentes atiram-se para cima das vilas, abancam no meio dos centros comerciais, não será de admirar que andem aos restos de pizza ali mesmo no meio do lixo e dos tabuleiros sujos, entre a azáfama da empregada de limpeza, e as televisões gigantescas, é o estado da arte, suponho, tirar as coisas dos sítios onde pertencem, desarrumar a paisagem, se tudo isto fosse um puzzle diria que perdemos o desenho, arrumámos peças ao acaso. mas se calhar nada disto é um puzzle e não existe desenho nenhum.

domingo, 11 de dezembro de 2011

o que nos dói quando nos dói. uma opressão no peito.uma angústia. uma necessidade de chorar. mesmo assim, há uma autoria de nós mesmos sobranceira, a olhar-nos com desdém, e um outro, dobrado sobre si. um outro dobrado sobre si. dobrado.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Waking life





Porque será que estes filmes não passam por cá? Ou será que me passou despercebido?

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

livros

Nas livrarias, de ano para ano, aumentam os colossais volumes de papel, vulgo romances. Formam por esta altura grossas colunas por cima das bancas. Livrarias, bibliotecas e editoras lutam contra a falta de espaço. Na biblioteca que frequento o Zé, pesaroso, abana a cabeça, não, não aceitamos doações, temos que mandar livros para abate, não temos onde os pôr. (curiosa a expressão livros para abate, óbvia analogia entre o livro e o gado bovino ou caprino). Nunca se escreveu tanto, oh, orgulho da cultura! Livros, para que vos quero! Como fazer a seriação? Como saber, entre os milhares de páginas escritas, quais são verdadeiramente livros e quais são letras com egos lá dentro!? Sou suspeita em relação ao que se escreve hoje, folheio, e decido-me sempre pelos clássicos, quando tenho de escolher. O romance actual não me interessa. Nem no estilo, nem no conteúdo, os escritores portugueses esticam-se para ser originais, e não há pudor, escreve-se sobre tudo, pedras, lenços, fantasmas ou divórcios, morangos ou sida, e sobre o amor, claro, sobre o amor obviamente. A geração dos verbalistas do amor, das relações, da paixão, as variações possíveis e impossíveis, as repetições possíveis e impossíveis. Acredito que no meio da xusma haverá novos escritores dignos desse nome, mas perdem-se na nebulosa gigantesca de títulos. Dos novos um apenas: Dulce Maria Cardoso. Os antigos, depurados pelo tempo dão-me mais garantias, mas pergunto-me: Qual será o critério do Zé quando tiver de queimar umas centenas de volumes? Haja pudor!! Interditem-se imediatamente José Rodrigues dos Santos e Migueis Sousa Tavares e outros quejandos, Fátimas Lopes e por aí fora. Escrevam à família e deixem-nos em paz!!


Quadro: Biblioteca de Vieira da Silva

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

trabalhar mais e trabalhar nos feriados





pergunto-me da lógica deste disparate. O Luís Pacheco teria uma frase ajustada para converter esta charada numa porno chachada. Se vamos trabalhar mais, vamos fazer o trabalho que muitos outros poderiam fazer, pessoas que não o têm, são muitas, aos magotes, e tristes por não haver trabalho. Estaremos nós no coração apertado e claustrofóbico do capitalismo? Na esquizofrenia do capitalismo? Nos anos 70 falavam disso os filósofos, profetas sem dúvida, e se o conceito parecia ridículo nesse tempo, hoje a constatação é empírica. não há que enganar.





Foto: Yves Klein, 1960, Salto no vazio