quarta-feira, 7 de novembro de 2012

teatro


A Companhia Maior actuou no CCB. São todos velhotes de mais de sessenta anos. O conceito parece pouco atractivo, até repugnante. Não encontramos beleza na velhice, parece-nos cada vez mais uma tristeza sem rosto, um acabar sem utilidade escondido atrás das pedras, em camas manchadas de mijo e solidões titubeantes. Envergonha-nos, incomoda-nos, sentimo-nos julgados pela nossa indiferença, por aquilo que poderíamos fazer e não fazemos, podíamos tirá-los da sombra, acarinhá-los. Preferimos então ignorar polidamente, fazer de conta, viver o presente sem a olhar nos olhos,à velhice. Daí que ver um espectáculo de três horas e meia com gente de mais de sessenta anos parece-nos tortura, como levar-nos do quente das casas com internet para o frio da escassez, para a visão apocalíptica das peles descaídas. Três horas e meia. Um palco iluminado com pouquíssima luz, um chão a lembrar ferrugem, folhas mortas, Outono e de repente, o desmentido: há  beleza dramática nas rugas. na palidez da pele, no movimento vagaroso, na senilidade teimosa. Há fulgurâncias imprevistas num gesto meticuloso, numa voz gasta e grave, num gemido, há sensualidade numas pernas que tentam ensaiar um tango, num corpo abatido pela quietude, pressentimentos da voltagem do tempo, da gravidade e da graça, convocatória da vida. A história da vida pessoal de cada um, sem nada, depuração, a cruz e a redenção do tempo.

5 comentários:

CCF disse...

Percebi que tinha sentido um arrepio, mas não se gostou ou não.
~CC~

R. disse...

Este é mais um exemplo, a juntar-se felizmente aos que se vão multiplicando, de que a idade pode ser um somatório de virtudes.

Um abraço arrependido pela ausência tão prolongada. Chegar aqui é o confronto com o que de bom tenho andado a perder.

Um abraço.

Helena L. disse...

Gosto o suficiente para pensar que a velhice é apenas um estado diferente de ser... Bjo

via disse...

CCF:Gostei muito. A ver.

R: Gosto de te ver por cá. espero que continues a alegrar-me com a tua presença. abraço

Helena L: e é, uma nova aprendizagem, tem tanto de drama como de paz. os dois. bjo

R. disse...

Obrigada, via. A minha presença é certa e enriquece-se sempre com a passagem por aqui :)