domingo, 20 de dezembro de 2009

Dennis Stock, Cafe de Flore, 1958


noite gélida na calçada e nós de sombra com a parede a evitar aquelas pontes de vento entre as ruas, somos noite e estalamos os dedos dermentes, noite. bandos com mãos enfiadas nos bolsos respiram pequenas névoas de vapor apressadas, o táxi não deve vir, raparigas de percings no umbigo e mais uns quantos bandos de rapazes sem barba e garrafas de plástico à boca, vinho, talvez, vertido da pipa para o plástico e deste directamente à veia da língua sob o céu da boca. noite. antes éramos menos e não nesta zona da cidade, agora a noite transbordou de gente mas nem por isso de euforia, somos meio melancólicos meio taciturnos ainda, apesar de nos sabermos melancólicos e taciturnos, somos ao invés de espanhóis, não acreditamos na crise porque sempre vivemos nela. agora, como sempre, vivemos sem querer saber, vivemos com o que temos, quando não parece chegar há sempre uma luz acesa à noite, um lugar de aconchego, um copo de vinho, um desconhecido, áspero mas depois doce.

9 comentários:

Unknown disse...

Belíisimo texto.

Um detalhe de discórdia:

acho que ninguém é imune à crise.
os encontros relatados acorrem com aquelas posturas por elas exercitarem uma certa sublimação da angústia quanto aos tempos incertos que ameaçam o horizonte.

por essa razão o ambiente me parecer ser descrito como algo soturno e a melancolia atravessar o comportamenteo dos membros do grupo.

Saudações

Ana Paula Sena disse...

Belo texto! De um realismo estupendo e dilacerante.
... e ao fundo, não sei bem onde, uma luz brilha na noite escura: depois do amargo, vem o doce :))

Um abraço (e Feliz Natal!)

Arábica disse...

Áspero na realidade e doce na intimidade de cada um de nós é assim que vejo o Natal.

Desejo-te o melhor Natal possível e realizável. Abraço.

Unknown disse...

FELIZ NATAL!

via disse...

BOM NATAL PARA TODOS!

JPD: mas é assim em todas as alturas, a noite, nela não se nota qualquer diferença está parecida consigo própria. saudações

Ana Paula Sena: vem, claro, até que o doce sem o amargo é a modos que enjoativo. olha afinal, cá continuamos...bjos

as velas ardem até ao fim: pode ser, why not?

Arabica. Obrigada. bem vinda!

~pi disse...

a mais pura poesia

a mais,

[ o cenário dançou-me nos olhos o filme de ettore scolla, o baile,

um dos filmes da minha vida,,, :)




beijo, feliz... tudO



~

Alberto Oliveira disse...

a noite por estas bandas tem sido sempre igual: cromaticamente cinzenta (e não escura como alguns críticos de arte pretendem) e pouco ou nada apelativa ao brilho(?) vocal madrileno

no meu tempo - e o que ainda me custa chamar meu ao tempo que devia ter sido de todos os do meu tempo - safavam-se "os três pastorinhos" (para os conhecedores do b.a.) e o "frágil" para profissionais e diletantes

a grande diferença é que nessa noite de muitas e gloriosas(?!) directas, os intérpretes eram bem mais velhos (ia a escrever mais gastos) que os actuais e não sentiam a crise; antes, dormiam com ela na cama

ao ler este teu texto - ao contrário do que seria suposto - senti-me bem: as coisas mais claras não podem ser, porque afinal somos coerentes connosco próprios e com o fado que nos rotula. um país e as suas gentes não se mudam num fósforo. quem sabe se num incêndio.

as velas ardem ate ao fim disse...

Lembra te:

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
[Carlos Drummond de Andrade]

Bjos Bom Ano!

via disse...

~pi: gostei do filme, também, era um filme cheio de raiva.Bom ano!Bjos

legível: olá! não se muda um país assim, apesar da CEE e da globalização, há em nós uma melancolia que sobra, essa coisa de sempre ter vivido em crise já se notava nos anos 80 é vero!

as velas ardem até ao fim: magnífico poema do Drummond de Andrade, acutilante. façamos nós por merecê-lo, ao novíssimo ano!