segunda-feira, 7 de maio de 2012

Michel Houellebecq



"Às quinze horas pararam numa escala um pouco antes de La Souterraine; a pedido do pai, enquanto este atestava o depósito, Jed comprou um mapa das estradas "Michelin Departamentos" da Creuse, Haute-Vienne. Foi ali, ao desdobrar o mapa, a dois passos das sanduíches de pão sem côdea embrulhadas em celofane, foi ali que conheceu a sua segunda revelação estética. Aquele mapa era sublime; transtornado, pôs-se a tremer diante do expositor. Nunca contemplara um objecto de tal modo magnífico, tão rico de emoção e de sentido como aquele mapa Michelin à escala de 1/150.000 da Creuse, Haute -Vienne. A essência da modernidade, da apreensão científica e técnica do mundo, estava ali misturada com a vida animal. O desenho era complexo e belo, de uma clareza absoluta, utilizando apenas um restrito código de cores. Mas em cada um dos lugarejos e das aldeias representados em conformidade com a sua importância, sentia-se a palpitação, o apelo de dezenas de vidas humanas, de dezenas ou centenas de alma - umas destinadas à condenação, outras à vida eterna."

Michel Houellebecq, O mapa e o território, pág.47

Já aqui afirmei, dos romances contemporâneos poucos me interessam, volto atrás,  este apaixonou-me. Sinto agora uma pena imensa de o ter terminado e vou dedicar-me a ler o anterior do mesmo autor "As partículas elementares". Já o requisitei na biblioteca e  tenho-o  ao colo, ao meu colo. O que me apaixonou? A narrativa é soberba, e magnífica a tradução, (o próximo passo será ler no original). Mas, na minha opinião de mujique, o que é uma narrativa soberba? Pois bem, respondo já, é aquela que doseia bem, isto é, naturalmente, os pormenores mais corriqueiramente desinteressantes com a essência fulgurante das grandes revelações. Colocando tudo ao mesmo nível narrativo dá-nos o importante como uma escolha nossa, verdadeiramente aleatória ou não, dependendo do lugar que queremos ocupar nós mesmos, leitores na história. Depois escapa milagrosamente, isto é ,de forma rente e difícil, aos estereótipos, ludibria expectativas, mas, ao mesmo tempo, não decepciona, mantém viva a chama de uma tortuosidade triste, que se queria outra e até por vezes se assemelha a uma história boa, mas que não passa de uma semelhança, neste aspecto não escamoteia o valor do romance enquanto obra literária escrita por um gajo, qualquer gajo, entregue às suas próprias obsessões.
Nomearam-no original,como se fosse coisa de louco, ser original, levantou celeuma, há aspectos mórbidos, mas há humano aqui, há humano até às mais recônditas fibras dos músculos e da alma. Declaro por isso a minha total rendição!! Quem disse que o romance estava gasto?

4 comentários:

Helena disse...

Gosto M. H.: da lucidez de saber que para nós primeiro existe o mapa e só depois o território;da simplicidade,também.
Só isto.

CCF disse...

Comprei-o na feira do Livro, o senhor da banca ficou tão feliz pela minha escolha que me fez um desconto ainda maior do que o suposto e me deu um saco de pano muito bonito para o guardar...é um grande, grande livro, dizia todo contente...e eu também nunca me senti tão contente por ter comprado um livro :)
~CC~

via disse...

Helena: o mapa é uma forma de representar a distanciação, o olhar não envolvido que nos marca, ou marca uma certa forma de estar ~contemporãnea. e sim, primeiro ele, com ele todas as distãncias se esbatem, toda a dificuldade do espaço e do tempo desaparece.

via disse...

CCF: espreitámos aqui ao mesmo tempo. é sim, é um grande livro e adoro esses sacos de pano.