Eram
10 h da manhã e tinha sono. Adormeci para ali sentada em frente ao espelho
gigantesco tentando fugir ao olhar que perscrutava as minhas rugas como um
penhasco fundo. Adormeci e não dei conta do tempo. Ai adormecer para
sempre! Não, acordei naquele cheiro de ácido misturado com cola, enquanto a rapariga
negra punha papelotes no silêncio do seu profissionalismo, papelote de prata,
um, dois, três, quarenta, cinquenta. Adormeci outra vez, sonhei que estava na
tenda de um Marajá e que tu, minha amiga, fazias uma massagem nas minhas costas
depois de teres assassinado o Marajá , mas, o mais
natural, era ter um cigarro na boca e adormecer no sonho; o cigarro
em lenta combustão ateara fogo à tenda do Marajá, mas agora de papelotes de
prata no cabeleireiro não podia fumar. Não liguei de como tinhas assassinado o marajá, o facto era adquirido. Quis dormir, de novo, e o fumo entrou-me
lento nos pulmões e enroscou-se em ondas na aorta que me dá vida e me tira vida,
e quando às 11h estava pronta para cortar o cabelo e o secar com o
secador, já tinha secado a fonte , qualquer fonte, e abandonada no primeiro andar do cabeleireiro
deixara-me ir com o fumo ou o esquecimento enquanto os dias passaram e ninguém mais se
lembrou de mim.
fotografia aneta bartos
3 comentários:
Bela história. Senti-me tal e qual, de rugas e papelotes.
Olha , por favor, pergunta lá como foi que ela assassinou o Marajá!
bjs
Parece-me que foi um sonho "acordado", tão coerente que aposto que o podias ter imaginado ;)
jp: Sonhei, posso responder, à facada. É livre a imaginação. não completamente, não há nada completamente livre. cabeleireiros! uf!!
R: os sonhos e a sua transposição em história têm sempre essa metamorfose, acabamos por lhe dar uma forma mais ou menos lógica, o resto esquecemos!
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