quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Leibovitz e Sontag


Hoje na FNAC entretive-me a folhear o livro da vida da Leibovitz,  fotografias de uma vida, a vida das fotografias, imensas e absolutas as imagens de Sontag, sem as palavras é visível, sólido tanto quanto as formas, o poder do amor que as unia. O amor que transborda mesmo quando a modelo nos olha com a dor imensa da doença, no abandono aos cuidados de uma enfermeira, vulnerável mas  humana, piedosamente humana, bela. Bela por amada, benditos e eternos são os amantes!  Esse amor que passeia nos lugares mais íntimos, os quartos em Berlim, Veneza, Londres, os objectos, as conchas, os papéis, o tacto das coisas usadas, as manchas na pele, os hotéis, os lençóis. O fulgor de uma cama desmanchada,  a curva da carne, os pelos púbicos de um sexo quente, a história de um corpo progressivamente castigado e devassado mas continuamente descoberto a cada instantâneo da máquina. Um corpo vibrante, um corpo possuído e impossuído. Gesto desesperado de querer guardar, querer manter, o que a doença vai progressivamente separando, afastando.  De repente uma fotografia de um cadáver.  Um velório de uma idosa da aldeia, possivelmente. Procuro a legenda, nada. Era uma fotografia larga, a ocupar duas páginas de um livro grande. Qualquer coisa naquela imobilidade mumificada era alarmante e incompreensível. O cabelo cortado curto, branco, uma teia apertada e seca de texturas rígidas, já não um corpo mas um tronco, uma árvore antiga que expunha as suas raízes. A compreensão trouxe-me o choque. Era o cadáver de Sontag mas não era a mesma mulher. Uma desconhecida, uma estranha num estranho ritual de imobilidade. A morte é mesmo incompreensível, um salto, nem isso, não é na vida que existe.
 

 

Um comentário:

cs disse...

Olhando o sofrimento dos outros". Um grande livro da Sontag que me lembrei ao ler este post.