terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O estado do mar

Para sermos justos teríamos de admitir que individualmente nós, homens, temos rasgos e que somos imprescindíveis uns aos outros, esta é a boa suposição, perfeita e inatacável. Os actos eremitas seriam bem-vistos por medievais e ainda são, em certos casos, idealizados por mentes confusas com o marulhar "non- sense" da humanidade ruidosa, mas o eremita não deixa de ser, mesmo em sonhos, um selvagem irado ou um louco feliz. Se vivemos em humanidade porque a ela pertencemos e só com ela podemos fazer e falar e alterar e desfazer, sendo nisso que gastamos o labor mundano, não podemos contudo admirar a humanidade, a humanidade nos seus dados materiais e objectivos parece-nos gananciosa, destruidora e cobardolas. Veja-se os encapuçados com câmaras de vídeo filmando as ondas que destroem os carros e levam as esplanadas da costa, veja-se a mesquinhez da coisa, se fosse alguém a ser levado pelas ondas a sua exultação seria, possivelmente, ainda maior, o momento seria precioso para mais tarde recordar. Esta forma tão moderna de se esconder atrás de máquinas é a mesma mania moderna de as pôr por todo o lado para nos dar a sensação de controlo e eficácia mas que perante a natureza explosiva só nos dá a medida de uma inutilidade confrangedora, parecemos macacos cujas cascas vazias das nozes que fomos devorando tivessem crescido tanto que nos tapassem a visão, vivemos no meio do lixo dos nossos artifícios, às vezes, quando a natureza vem, vem forte, e varre de um só impulso as construções erigidas para gáudio do consumo de whisky ao pôr-do-sol com mar ao fundo, temos oportunidade de pensar e quiça perceber. Se calhar esta imbecilidade de instrumentalizar da pior forma a natureza seja culpa da publicidade. Mas, apesar dos estragos serem um aviso ou indício, como parece mais correcto pensar-se, para quem não tem negócios com o mar, apesar da majestade das ondas, a consequência destas pequenas tragédias é nula  para a mudança de hábitos, amanhã voltar-se-á a empurrar o mesmo lixo para perto do mar e,se possível, um pouco mais para dentro.

4 comentários:

cs disse...

a mente panóptica já não se reduz à direção sociedade-humano, mas sim humano-sociedade. Sim, somos humanos, anatomo-vigiados, e já alterados.

E só assim considerados anatomicamente perfeitos. Lamentavelmente aqui nos conduziu este "admirável mundo novo"

Justine disse...

A humanidade é uma migalha de tempo no mundo conhecido, e a natureza por vezes parece vingar-se da estupidez, ganância e fraca memória do homem.
Texto-reflexão com que concordo, foto bela e assustadora (ou vice-versa...)
Obrigada pela visita ao Quarteto(a literatura é uma constante, o inverno é apenas uma circunstância)

CCF disse...

Tudo se fotografa de forma indecente, quase pornográfica. Ainda me repugna isso, talvez por ter nascido no século passado. :)
~CC~

via disse...

cs: excesso de homem, excesso de perspectivismo. vigiados, sim, concordo.

Justine: é verdade a ganância e infinita megalomania da humanidade face à natureza que não lhe pertence.

CCF: é tudo para mais tarde recordar...

Bom Fim-de-semana para todas!!