domingo, 14 de dezembro de 2008

Ao Fernando

O frio, o lancil molhado do passeio, o vento que soprava vindo do mar, a brancura sem mácula da parede onde a gaiola se recortava a negro com dois ou três vestidos dependurados, compuseram esta tarde. Venho por este meio, eheheh, não vim por este meio, enganados ambos, o meio ou nós que se viemos fomos vindo e aqui aportamos gente a olhar como olhamos simultaneamente para dentro e para fora de nós. Há sem dúvida uma mágoa na mulher que se abeira de rosto enrugado, mas ela nem sabe, enquanto vimos a Arte no Museu, e aconchegamos o cachecol, há mulheres sem eira nem beira para as quais o museu é uma cinza escorregadia e incógnita, nenhum museu, para elas, a tocha do tempo, o gesto dos amarrotados, procurar no lixo, como um gato. essa a verdadeira arte, o som ritmado do sofrimento e a sua infinita, colossal surpresa.
Mas nesta tarde, ao olhar para dentro reconheço-me, o puzzle de repente acertou peças num bocado de céu, e escrevo aqui em tua homenagem, que não te esqueças que guardámos o teu sorriso numa caixa de ferro da memória e que nenhum mecanismo de desfazer pode simular o teu desaparecimento. O suicídio, o teu suicídio não faz nenhum sentido.Mas qualquer in memorian é ridículo. Continuaremos todos, na vida, com esse teu gesto. Consertou-nos algumas peças, reagrupar-nos-emos como feras feridas à roda dessa força cega que nos faz seguir e ter esperança.

Um comentário:

SMA disse...

Bem escrito
excelente pontuação
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ao fernando de mulher
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bjo doce