domingo, 13 de junho de 2010

mostrar o corpo

talvez seja "bota de elástico" (onde terá vindo o raio desta expressão idiomática? ) mas esta moda modernaça de mostrar o corpinho mais as partes íntimas a toda a toda a hora e em qualquer situação causa-me uma certa náusea, aquela de que falava o Sartre, quando sentado no café, com uma bica caneta e papel, imagino, se punha a olhar em volta e via a opacidade das vestes e das expressões. diria que se vivesse no Brasil, talvez não lhe desse para escrever sobre essa espécie de tédio antecipado que deriva da súbita emergência de uma falta de sentido, talvez que para os países quentes faça sentido esse despe despe já com umas tantas bejecas e caipiras, uma boa música uma disposição para seguir embriagado em desejos, mas aqui no país de Viriato, não sei, não cola bem, parece exibição de boneco de feira, tipo olha para mim, que despudorado sou, que me estou lixando pra roupa, é uma montra de vaidades de ginásio ou de banhas de hamburguer ,coca cola e tardes mornas entre canais Zon a ver os Losts deste e doutro mundo. temos uma rigidez de costumes, ou se quiserem, uma tradição que não se dá bem com isto de andar a mostrar o rego do rabo, ou o tronco nu, no restaurante ou nas aulas ou no centro comercial, seja onde for. serei "bota de elástico" mas gosto de decoro, de um certo pudor, o pudor é infinitamente mais erótico que a barriga ao léu. dirão que o pudor é um sentimento íntimo que nada tem a ver com a forma como vestimos e concordarei, se nos vestirmos, claro, continuarei no entanto a pensar que o corpo é a nossa intimidade, expô-lo demasiado é fazer da intimidade um "out door" com luzinhas a acender e a apagar.fica tudo no mesmo plano, há só o corpo na sua imediatez, para ser visto, sem que o olhar, possa seguir desocultando-o, entrevendo ou imaginando, quando tudo se dá ao olhar, ficamos cegos, cansados de ver.há uma certa confusão modernaça entre a exaltação do corpo e a libertação sexual, a sexualidade é da intimidade ou do privado, a exaltação do corpo é público, confundi-los molesta as duas esferas, enfraquece-as ou mesmo nadifica-as, tira a graça toda, o mistério de haver corpos por dentro de coisas que os protegem, roupas.
Fotografia de Verena Grobli

8 comentários:

Ana Paula Sena disse...

As minhas palavras são para quê, via?! Disseste tudo o que penso, de um modo directo e exemplar! Só para te elogiar :)

(Ah, que náusea... que falta de imaginação...)

Beijinho

ana p disse...

E fica faltando o prazer imenso que é imaginar....
Bj

Unknown disse...

A ideia de corpo e a relação que cada um constrói com o seu corpo e a importância dele enquanto centralidade, é recente e terá contribuído para alterar os padrões de pudor.

O corpo como emissor de signos nos contextos da intimidade e no exterior; o corpo cultivado, o corpo falsamente abandonado à sua evolução, até ao pavor do corpo sofrido e/ou decrépito... Chego a pensar que muitas vezes se sabe mal o que fazer dele.

Porque razão as pessoas aderem tão alegremente aos nus em massa e pousam para Spenser Tunick?

Por ele garantir celebridade?

Não está garantida.
A maioria permanece no anonimato!

Há um livro da Sophia de Mello Breyner sobre «A Nudez Feminina Na Grécia Antiga»
Interessantíssimo.

Unknown disse...

Adenda, Via

A ideia da eterna juventude e todos os seus fulgores.

Não referir isto seria deixar o comentário "coxo!"

Cassandra disse...

Via, que dizer... se aparecer já tudo escancarado perde-se uma arte maravilhosa e profundamente erótica: despir. Cambada de gente pouco imaginativa, pá! Disseste tudo, de forma muito mais bela, bien sur. beijinhos.

R. disse...

Não podia estar mais de acordo, via. O erótico, o sensual, até mesmo o belo (digo eu) nada tem de óbvio ou explícito. Pôr tudo a nu antes de, na intimidade, despir, retira uma boa parte do estímulo para ,e do interesse pelo, corpo alheio. Aliás, andar meio despido é, já de si, uma forma de linguagem, uma forma de comunicação. Cabe ao receptor emitir a resposta que tal escâncara lhe suscita. Pela minha parte, partilho do gosto pela discrição que subtilmente se insinua.
Um abraço com os votos da continuação de uma óptima semana.

via disse...

Ana Paula Sena: Tens andado desaparecida, espero que não seja apenas trabalho.bjo

Magnólia: e não é?bjo

JPD: Tens razão. As múltiplas formas de dizer a cultura do corpo, a beleza física ganha a palma, sobre as outras que são menos ou pouco visíveis.O pior é que a exposição do corpo não tem intenções estéticas, se o tivesse não teríamos que ver as montanhas de carnes flácidas que por aí se mostram. não li, não sou entusiasta da prosa da Sophia, de alguma poesia, sim, mas hei-de ver.

cassandra:a arte de despir, com os olhos, claro!ehehe tu parles français, maintenant, tu sais, j'aime le français. bjo miúda!

R:é isso, retira o estímulo da descoberta ou de forma geral, desvaloriza o corpo, isto é, tem o efeito contrário ao pretendido, torna-o uma espécie de matéria de consumo, rápido. a discrição é infinitamente mais estimulante.um abraço para ti e boa semana.

Ana Paula Sena disse...

É mesmo só trabalho, via :))