
Nas livrarias, de ano para ano, aumentam os colossais volumes de papel, vulgo romances. Formam por esta altura grossas colunas por cima das bancas. Livrarias, bibliotecas e editoras lutam contra a falta de espaço. Na biblioteca que frequento o Zé, pesaroso, abana a cabeça, não, não aceitamos doações, temos que mandar livros para abate, não temos onde os pôr. (curiosa a expressão
livros para abate, óbvia analogia entre o livro e o gado bovino ou caprino). Nunca se escreveu tanto, oh, orgulho da cultura! Livros, para que vos quero! Como fazer a seriação? Como saber, entre os milhares de páginas escritas, quais são verdadeiramente livros e quais são letras com egos lá dentro!? Sou suspeita em relação ao que se escreve hoje, folheio, e decido-me sempre pelos clássicos, quando tenho de escolher. O romance actual não me interessa. Nem no estilo, nem no conteúdo, os escritores portugueses esticam-se para ser originais, e não há pudor, escreve-se sobre tudo, pedras, lenços, fantasmas ou divórcios, morangos ou sida, e sobre o amor, claro, sobre o amor obviamente. A geração dos verbalistas do amor, das relações, da paixão, as variações possíveis e impossíveis, as repetições possíveis e impossíveis. Acredito que no meio da xusma haverá novos escritores dignos desse nome, mas perdem-se na nebulosa gigantesca de títulos. Dos novos um apenas: Dulce Maria Cardoso. Os antigos, depurados pelo tempo dão-me mais garantias, mas pergunto-me: Qual será o critério do Zé quando tiver de queimar umas centenas de volumes? Haja pudor!! Interditem-se imediatamente José Rodrigues dos Santos e Migueis Sousa Tavares e outros quejandos, Fátimas Lopes e por aí fora. Escrevam à família e deixem-nos em paz!!
Quadro: Biblioteca de Vieira da Silva