quarta-feira, 11 de julho de 2012

birar a página

Hoje nas escolas fala-se em Missão, diz-se: "Tens de vestir a camisola!", trocando por miúdos, acenam-nos com uma viagem sem volta (estou apenas a repetir a fórmula da maioria e da Direcção) num destino comum contra o insucesso. O insucesso sai caríssimo ao Estado e é um desperdício de tempo e dinheiro. Temos de rentabilizar, e o lema é criar Escolas de Sucesso,  para isso todos os sacrifícios podem e devem ser exigidos aos professores porque o investimento em recursos materiais é impossível por causa da crise, ora se o investimento do Estado é menor, o investimento pessoal tem que ser maior. Este princípio neo-liberal ou liberal (não percebo bem a diferença) alastra a todas as áreas da sociedade, trata-se de eleger o trabalho como prioridade. Enquanto uns embarcam nessa viagem deixando para trás as suas vidas pessoais rarefeitas, outro ficam em terra escavando buracos na areia, procurando desesperadamente fazer qualquer coisa que os outros já fazem, o trabalho é coisa de eleitos, dispostos aos maiores sacrifícios. Este estado de coisas é fracturante para uma sociedade como a nossa, humanista. Os chineses parecem modelares, têm uma cultura do trabalho arredada da pessoalização, trabalham porque essa é a sua forma de viver, anulam-se num todo sem fracturas nem resistências, vemo-los nos Restaurantes ou nas Lojas dia e noite, sem mostrar cansaço. Mas, nós, ocidentais, não queremos. Porque o trabalho, na sua essência, é (ainda) uma forma de alienação. Poderemos responder com o fosso entre as instituições e as pessoas, sentimos que trabalhamos para algo que não é nosso, que não elegemos enquanto filosofia ou enquanto sistema económico e daí a sensação de alienação e cansaço. Poderemos responder com uma certa filosofia judaico-cristã que entende o trabalho como um castigo necessário à sobrevivência, que de algum modo é uma escravidão fora do real desígnio do indivíduo.Cumprimos o castigo com abnegação. Esta nova visão do trabalho como razão de vida é-nos estranha, mas, cada vez mais a tradição judaico-cristã está a esmorecer, a diluir-se num capitalismo religioso, fé, esperança, rendimento. Nesta sociedade que aí vem não há alternativa.

4 comentários:

CCF disse...

Percebo o que diz...mas prefiro pensar que por baixo do slogan- luta contra o insucesso- há de facto um conjunto de miúdos que não vão a lado nenhum se não fizermos o melhor que pudermos por eles (isto é. com eles).
~CC~

mjc disse...

A maior parte dos profs que conheci
faziam o melhor que podiam. A escola pública é uma escola de qualidade.

Qto ao insucesso, não se cura só na escola...mas isto dava pano para mangas.

A alternativa não tem que ser a destas políticas - poupar na escola pública para subsidiar os privados ou pps. Os tais que passam os tais diplomas!

mjc

cs disse...

grande texto.
parabéns!
Uma sociedade falida de valores onde missão, punição e, até, vigilância (denuncia o teu vizinho que bate na mulher, vigia a tua saúde senão és responsável pela tia doença, vigia o amigo que tem um carro excelente e melhor que o teu e o ordenado é o mesmo, etc)
começam, com a maior da naturalidades (muito conveniente), a fazer parte do vernáculo de muitos.
Bom Domingo

via disse...

CCF: essa é a leitura positiva do movimento. sem dúvida deverá ser aquela que chamamos a nós para dar sentido a este fado mercantil.

mjc: concordo, a escola pública ainda é uma boa escola, selo-á enquanto formos capazes de colocar a ética acima da pragmática.

cs: vigilância dobrda e simultaneamente apologia da autonomia do indivíduo, resta saber se resistimos sãos a este chorrilho de contradições, mas o mais natural é ficarmos esquizóides, todos. Obigada. boa semana.