domingo, 19 de dezembro de 2010

O luto vai bem com Electra


Nunca sei o timing destas coisas! Já se pode fazer a árvore e desejar Bom Natal? Não é cedo demais? Talvez ainda venha aqui ao blogue e depois tenho de renovar o desejo. Não é de bom augúrio, de modo que o melhor é deixar os votos para mais tarde e entreter-me a falar da noite de ontem, sentada durante quatro horas a assistir ao texto do O Neill "O luto vai bem com Electra" em Almada, no meio da chuva, uma tragédia.


Não sei se poderemos inventar hoje o espírito da tragédia. A tragédia explode dentro da ignorância da condição do homem no tempo, da sua relação com o destino inexorável. Essa relação hoje eclipsou-se. A nossa relação com o tempo não é metafísica mas física. O tempo deixou de obedecer à sua voz de comando, deixou de ser a espada da justiça divina, é apenas um conjunto de coisas que reunidas têm um determinado resultado, se soubessemos a natureza de todas essas circunstâncias que se relacionam até poderíamos prever o que pode acontecer, mas não podemos saber, às vezes, nem queremos, preferímos arriscar. O que O'Neill tentou foi projectar essa necessidade humana de justiça na psicologia, quando cometes um crime, de sangue, não é a sociedade que te julga mas a consciência, a linha de culpa e remorso inscreve-se na necessidade de expiação e esta conduz à destruição. Juntamos o incesto e temos um simulacro de tragédia. Falta-lhe o divino, e não há tragédia sem essa força. De qualquer modo, o gosto por estes textos clássicos, pelo teatro puro e duro, as grandes personagens, as grandes histórias, são como um espelho onde compreendemos, não só quem somos, mas sobretudo o modo como nos vemos e como entendemos a representação.

6 comentários:

S disse...

Que saudades que eu tenho de ir ao Teatro, da expectativa que antecede a peça. Do falar depois da mesma. Vamos ver se até ao fim do ano faço o 'gostinho ao dente'!
:)

R. disse...

É isso mesma, via. Uma projecção recíproca: a do teatro no espectador e a do espectador na interpretação da arte. O tempo e as tragédias mudam, mas ambos têm inexorável existência. Muda o Homem, mudam os valores, mudam as crenças e as relações, mas o tempo e a tragédia são indissociáveis desta nossa condição. Electra personifica, de um modo intemporal, os erros e as lutas a que todos estamos sujeitos. Parece-me que voltar pontualmente a ela, poderá constituir um bom exercício de humildade e de reflexão.
Um abraço sempre grato pelas tuas reflexões partilhadas. E até ao Natal, haverá ainda tempo para reforçar os melhores e maiores votos :)

uminuto disse...

e lidas as tuas palavras deixa-me subscrevê-las na íntegra, porque esse tempo onde mora a saudade, não se enquadra no tempo diário em que naufragamos
e...espero ser este o tempo de te desejar um Bom Natal e óptimo 2011
um beijo

Unknown disse...

Feliz Natal!
Bjs

R. disse...

muito obrigada pelos votos via. Aqui ficam inteiramente retribuídos: que tenhas um magnífico, harmonioso, feliz e encantado Natal!
Abraço perene :)

via disse...

SS: Espero que tenhas feito, que o desejo se tenha cumprido, senão, tens um ano novinho em folha para ver muitas e boas peças.

R:O tempo e a tragédia talvez sejam indissociáveis mas a forma como perspectivamos os erros parece-me pouco trágica, hoje pensa-se que "amanhã será melhor" e que não há erro que o tempo não apague, ora isso é exactamente o contrário do espírito trágico.Bom Ano R, que tudo corra pelo melhor!

uminuto:Também para ti, que saibamos encontrar as jangadas para navegar. Navegar é preciso como diz a canção!

JPD: Ena, o Natal parece que já foi o Ano passado! eheheh Boas entradas!