quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

hortas

Cada vez há mais gente da cidade a dedicar-se à horticultura. em terrenos baldios cruzados por auto-estradas nascem pequenas cooperativas de entreajuda que amanham o terreno, pensam na melhor sementeira e dividem tarefas para transportar água e arrancar as ervas daninhas. vemos crescer os nabos e os pés de feijão perfeitamente alinhados onde antes eram silvas e lixo. Era costume de pobre da Musgueira e Rinchoa, para poupar uns cobres ou não perder o jeito de amanhar a terra, saudosos das paragens de onde vieram, dos campos que os viram nascer, mas agora a moda pegou aos intelectuais citadinos que compram em lojas Gourmet. Suspirantes do trabalho braçal ou apenas requintados, vão ter aulas de horticultura para semear e colher o produto não conspurcado de frigorífico e estufa que vem do Chile, da Argentina e da China, e sabe a cartão plissado (julgo, embora nunca tenha experimentado o dito cartão). A Câmara cede os terrenos e o pessoal da cidade propõe-se reinventar a agricultura como alternativa à falta dela onde abunda terra ao desvario. Parece-me coisa saudável e de bom gosto, na verdade soube-me bem a couve que comprei a um homem que as vende ali no bairro, e a batata doce, as nabiças têm outro sabor e são tenras e verdes. Farejo também o ar, no vislumbre de um pedaço de terra e faço contas ao apartamento onde vivo e ao desejo renovado de poisar pé no chão. O meu pai sempre disse que não há nada como ter terra. Também quero ter a minha horta. Agora que estou a ficar calma e contemplativa, ver crescer a fruta e as rosas parece-me inadiável. Com amor, paciência e persistência tudo se compõe e eu adoro a sensação de ir buscar salsa ainda com o orvalho da manhã a roçar as botas.

10 comentários:

S disse...

Posso te dizer que os meus planos futuros passam por ai, tentar regressar às minhas origens e à terra. Do que mais sinto falta é do cheiro a terra molhada pela manhã e o orvalho a cobrir tudo.

jp disse...

Apetece-me gritar - Tenho uma horta! Tenho uma horta! E o que de lá se come sabe mesmo bem ,nada parecido com o que se compra ,nem "gourmet" ,nem "biológico" .

E um cafézinho com couves lá mais para o verão!!!?
bj.

jp

R. disse...

A moda chegou às cidades e também às instituições de solidariedade social. Há tempos ouvi uma interessante reportagem sobre instituições que disponibilizam talhões de terra a quem, por vicissitudes da vida, dela precisa para se ocupar e alimentar. Não tem faltado adesão, e os efeitos, a variadíssimos níveis, superam as expectativas. Sempre tive o privilégio de ter à mesa iguarias vindas directamente do quintal. Agora mesmo, as tangerinas do cesto da fruta vieram da árvore que, pela primeira vez, as produziu sem outro auxílio que não os do sol, da chuva e da terra que a acolhe.As ditas são pequeninas e a casca não é perfeita, mas sabem à essência do fruto. Por comparação com as 'produções controladas', estão para estas últimas como a ficção para a realidade: qualquer semelhança entre elas é pura coincidência.
Abraço e bom apetite :)

CCF disse...

Ah bom, morasse mais perto de mim, e já estaria a juntar-me à cooperativa hortícola.
~CC~

ana p disse...

Recomendo o Alentejo :)

g disse...

Pois é, eu nunca me afastei dessa exigência da minha natureza, mais pelo lado das flores em casa ou no canteiro, a horta na terrinha, são o meu anti stress preferido e não há realmente como comer do que plantamos.

via disse...

ss: Pois também eu acalento sonhos de ter um bocado de terra para plantar rosas e salsa. será um gosto por bons cheiros ou apenas um romantismo pela pureza.

jp: eu sei que tens, eu sei, não precisas de gritar, que inveja...
eheheh nunca experimentei mas porque não? bjo

Ai R, adoro ocheiro das tangerinas descascadas, és também uma mulher de sorte, fizeste-me crescer água na boca.

CCF: por aí também não devem faltar! Haja terra e boa vontade!

Magnolia: Eu gosto da zona oeste mas o Alentejo também não está mal que o diga a jp.

g: Mais uma sortuda que pode fazer o gosto ao dedo, estou a ver que aqui as moçoilas têm todas veia rural apurada.

Unknown disse...

O regresso à fifiocracia.
A tua análise está correcta.

Há uns anos atrás, o que se obtinha da terra tina um sabor único e que ainda ocupa um espaço delicioso e aromático na nossa memória.

Com o aperfeiçoamento das redes de frio e a agilidade das redes de distribuição, passou a ser possível ter frutos da terra acessíveis e em qualquer época do ano -- FORA DA SUA SAZONALIDADE CONSAGRADA MUITO ANTES DESTA OCORRÊNCIA -- sem, todavia o sabor que conhecíamos.

Agora, o interesse que certas franjas de elite dedicam à actividade agrícola é uma novidade.

Bjs

Rui disse...

está pela hora da morte um cantinho de terra em Lisboa. e não estou a falar da sua aquisição. ocupar um pedaço de terra para cultivo não é tarefa fácil: ou é a fiscalização camarária, ou a intolerância do condomínio vizinho ou, simplesmente, porque já não há. as bermas do IC 19 são só couve galega e feijão verde.

via disse...

JPD: estamos todos cansados de tanta fruta sem sabor, de tanto grelo ácido e a terra, não só o seu produto mas também a fuga ao betão, são uma alternativa e quando há alternativa, sobra liberdade. Bjos

Rui: eheheh, gostei dessa das bermas...eheheh, mas há ainda terra por aí, as câmaras estão a cooperar, é tentar.