quarta-feira, 11 de abril de 2012

filosofia a mais ou a menos

Palácio Fronteira e Alorna, no largo S. Domingos de Benfica.


A palavra escrita e a palavra dita. Qual delas é capaz de exercer melhor o seu poder? Terão finalidades diferentes? A questão ganha relevo quando pensamos na actividade docente, e esse relevo acentua-se quanto ao ensino da Filosofia. Muitos professores deixam testemunho escrito, trabalhos de monografia, poucos ganhando estatuto de pensamento filosófico. A exigência é postulada pela carreira, também pela curiosidade no conhecimento, no entanto há hoje uma certa aridez de mestres, aqueles cuja palavra dita e/ou escrita é reconhecida como verdadeiramente livre e original. Concordo com os que defendem o primado da fala pois é, da dinâmica gerada pelo diálogo, que a Filosofia surge. A nossa tradição é, todavia, pesada e escolástica. Quando andávamos na universidade, precisávamos ler muito para poder discutir, ora nesta exigência elidíamos o principal: a incompletude de todo o pensamento, a sua necessidade de correcção ou de amplificação, as intuições e as vivências. Os mundos que se acordam quando alguém fala interpelando a nossa atenção, impedindo-nos o sonambulismo onde estamos geralmente acomodados. Se o texto escrito tem também esta função de interpelação ele age muitas vezes como factor inibidor, como se face à sapiência de um sistema toda a interpelação fosse vã ou pueril. Só a palavra dita pode tornar viva e actuante a palavra escrita, ruína testemunhal que sem essa interpelação permanece enquanto tal. Herdeiros da tradição escolástica, nós professores somos frequentemente assombrados por este problema.

6 comentários:

JR disse...

E se não pudermos encontrar quem diga a palavra?
E quando se procura a palavra para nos determos a reflectir, não será a escrita mais firme?
Há sempre o problema de talvez não formularmos a pergunta correcta para a resposta que está no livro e aí, provavelmente, a palavra escrita perde-se.
O que me parece é que não podemos prescindir de nenhuma. Creio ainda que a palavra dita precede quase necessariamente a escrita, porque mesmo sem o queremos, somos por ela interrogados.
O resto virá depois

via disse...

João raposo: dizemos nós.mais firme, mais disponível e certamente mais conforme, sim. Concordo que a pergunta correcta faz tudo o resto encaixar ou fazer sentido. Não, ambas são essenciais e andam ligadas, mas, muitas vezes, certas tradições, como a nossa descuram a palavra dita, o diálogo vivo, a favor da erudição. Obrigada pelo comentário.

cs disse...

Eu gosto da palavra dita.
Um professor lembra-se pela palavra DITA :)
acho :)

R. disse...

É uma dialéctica interessante, a que se pode estabelecer entre ambas as "palavras". Dependerá em muito da abordagem que lhes é feita. A palavra escrita beneficia da perenidade; a palavra dita tende a ser efémera. Mas esta é "viva" e dinâmica, e aquela é rígida e estática... Viveriam uma sem a outra?

Beijinho e boa semana!

via disse...

cs: Sim, tens razão, um professor fala e é ouvido (quando é) e este "ser ouvido" depende da excelência, acutilância da sua palavra dita.

R: Não, mas saliento, numa tradição como a nossa, que é preciso mais atenção ao dizer e mais compromisso na efemeridade do dizer. Beijos R, boa semana para ti.

R. disse...

Subscrevo-te em absoluto, via! E é uma necessidade transversal a todas as áreas, não se fica pelo ensino.
Beijinho.