a minha impressão espúria sobre o irreversível envelhecimento da Europa confirma-se no casal à minha frente. ele de pé envia um MSN, ela, sentada, com a criança ao colo. a criança, meio adormecida, vai engolindo o sumo que a mãe lhe dá e mastigando o hambúrguer devagar. São 10h30 da noite no centro comercial dos subúrbios. No amplo espaço do serviço de restaurantes, há ainda muitas mesas ocupadas apesar de ser um dia de semana, os écrans gigantes debitam a novela da SIC, Laços de sangue. A criança não quer mais hambúrguer e a mãe põe a criança no chão e o lixo no contentor. O casal deve rondar os 30. Ambos com ar estafado e tristonho, parecem estar há muito fora de casa. Daqui a poucas horas terão de estar todos de pé, novamente, não serão muitas as horas de sono. Pergunto-me quem, no seu perfeito juízo, quererá ter filhos nesta situação de trabalho até à medula, sem horário definido, e com o espantalho da competição e do desemprego nos calcanhares? Quem quer ir buscar a criança ao infantário ao começo da noite ou, no melhor dos casos, fim da tarde, depois de saber que ela lá está há oito horas? Quem quer chegar a casa e fazer jantar, loiça e todos os dias o mesmo? Fim de semana, tratar da roupa, fazer compras. Quem quer uma merda de vida destas? Que sentido tem uma sociedade que não deixa espaço para a respiração familiar? Que não cuida do futuro? Depois admiram-se da Europa estar a envelhecer. Só pode.sexta-feira, 29 de outubro de 2010
estado de coisas
a minha impressão espúria sobre o irreversível envelhecimento da Europa confirma-se no casal à minha frente. ele de pé envia um MSN, ela, sentada, com a criança ao colo. a criança, meio adormecida, vai engolindo o sumo que a mãe lhe dá e mastigando o hambúrguer devagar. São 10h30 da noite no centro comercial dos subúrbios. No amplo espaço do serviço de restaurantes, há ainda muitas mesas ocupadas apesar de ser um dia de semana, os écrans gigantes debitam a novela da SIC, Laços de sangue. A criança não quer mais hambúrguer e a mãe põe a criança no chão e o lixo no contentor. O casal deve rondar os 30. Ambos com ar estafado e tristonho, parecem estar há muito fora de casa. Daqui a poucas horas terão de estar todos de pé, novamente, não serão muitas as horas de sono. Pergunto-me quem, no seu perfeito juízo, quererá ter filhos nesta situação de trabalho até à medula, sem horário definido, e com o espantalho da competição e do desemprego nos calcanhares? Quem quer ir buscar a criança ao infantário ao começo da noite ou, no melhor dos casos, fim da tarde, depois de saber que ela lá está há oito horas? Quem quer chegar a casa e fazer jantar, loiça e todos os dias o mesmo? Fim de semana, tratar da roupa, fazer compras. Quem quer uma merda de vida destas? Que sentido tem uma sociedade que não deixa espaço para a respiração familiar? Que não cuida do futuro? Depois admiram-se da Europa estar a envelhecer. Só pode.domingo, 24 de outubro de 2010
word is out
Word is out é um documentário americano de 1978, o primeiro do género, são 26 testemunhos de pessoas que contam a sua experiência da sexualidade homo numa época em que o assunto era escondido como se não existisse. O que ressalta nestes testemunho é a diversidade de experiências e de atitudes face ao facto incontornável de cada um deles descobrir que amava pessoas do seu sexo. Desde os que se organizaram em sociedades secretas em busca de um pouco de apoio, aos que a viveram silenciosamente tentando apagar a pulsão que sentiam e levando a vida normal, casando e tendo filhos, até à impossibilidade de o fazerem sem o sacrifício de si mesmos e dos outros, aos que se sujeitaram a terríveis tratamentos de choque sem qualquer resultado prático. Todos eles falam com um brilho no olhar, como se todo o sofrimento por que passaram não tivesse alterado um milímetro o gosto de estarem vivos, sem ódio, sem ressentimento. As atitudes são díspares mas têm em comum a inteligência e a compreensão de que não pode haver juízos morais face a factos, claros e inequívocos. O modo como essa verdade se inscreve no seu sorriso de aceitação, demonstra a íncrivel vitalidade das suas convicções e das suas personalidades, a força positiva que emana do seu discurso e da sua postura é absolutamente essencial para desmistificar esse mundo que continua a aparecer-nos distorcido pela escandaleira e pelo voyeurismo social e mediático.
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
divagações a propósito da Arte
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
segmentos de recta
neste mundo de Orçamento de Estado haverá tempo para outras vozes que não sejam lamúrias? outras vozes sem teatradas? Voto, não voto, passa, não passa? O discurso político, embaraça-nos, meus senhores. vamos nós de coração nas mãos, tontas, atrasadas para o bendito trabalho e em vez de uma musiquinha louca, uma diatribe cómica, uns parodiantes de Lisboa, (valha-nos o Portugalex), temos de ouvir variações infinitas do mesmo.agora não há nada a fazer, não batam mais! há quem pense, eu sou uma delas, que ninguém confia nesses políticos de meia tigela que se põem em bicos de pés por umas luzinhas de ribalta. A verdade é que deviam ter previsto o descalabro antes dele nos rebentar as mãos! Façam-nos o obséquio: Mudem ou deixem-nos! Tenho esta maldita impressão que a água correrá do mesmo modo, os job for de boys, as empreitadas, os investimentos e a banca governam, governarão. Os políticos falam.domingo, 17 de outubro de 2010
uma coisinha e uma grandeza, para assinalar a semana

terça-feira, 12 de outubro de 2010
do prazer
domingo, 10 de outubro de 2010
doclisboa
Aí está uma nova edição do doclisboa, (é por estas e por outras que é bom viver perto de Lisboa). Temos "à mão" documentários impressionantes. Alguns exemplos: há dois anos, passou um sobre uma casa em Paris (pós 2ª guerra) onde habitavam famílias de judeus exilados, o seu sentido de comunidade, as trocas, a ajuda, a alegria apesar da pobreza e da difícil situação. Ainda um outro sobre uma comunidade de famílias egípcias no Cairo que habitavam o cemitério e faziam dos túmulos casas de habitação. Chamava-se a Cidade dos mortos. Outro ainda com uma câmara oculta relatava as consultas de um médico de clínica geral numa vilazita de província, as situações que por lá passavam eram no mínimo caricatas, trágicas ou apenas risíveis. É surpreendente o papel do médico em determinados lugares, as suas funções ultrapassavam largamente a prescrição de medicamentos e o dianóstico. Só boas surpresas. Este ano o cartaz é também muito bom. A não perder.sábado, 9 de outubro de 2010
LA PASIÓNSalimos del amor
como de una catástrofe aérea
Habíamos perdido la ropa
los papeles
a mí me faltaba un diente
y a ti la noción del tiempo
Era un año largo como un siglo
o un siglo corto como un día?
Por los muebles
por la casa
despojos rotos:
vasos fotos libros deshojados
Éramos los sobrevivientes
de un derrumbe
de un volcán
de las aguas arrebatadas
y nos despedimos con la vaga sensación
de haber sobrevivido
aunque no sabíamos para qué.
Cristina Peri Rossi
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
prefiro o Joseph ao Philip
Os escritores vivos precisam comer, comem da escrita, são profissionais do ofício.Os direitos de autor de um escritor vivo e famoso são uma barbaridade, os direitos dos escritores mortos há anos, nem por isso, daí as editoras rentabilizarem o investimento feito com a promoção. o marketing. Temos também os prémios e o facto de morrerem novos, como o Bolano e o Larsson. Mas veja-se por exemplo, Roth, Philip Roth. Entrevistas, fotos, reportagens, opiniões, críticas. os "gajos" são como as novelas, a toda a hora,em todo o lado, familiares, mais até que primos, gente de braço dado, grandes escritores acessíveis. É o isco. Neste momento o protagonista é o José Luís Peixoto, não há mais nenhum como ele, confesso, não aguento três linhas daquela escrita a"olhar para o espelho" e a fazer malabarismos. Em cada linha leio:"olhem com'eu sou bom escritor!!" Sorry dizer-te: "Não és, garanto-te que não, mas tens mulher e filhos e quem vive só do ofício, à conta de ter boa pinta, tem de vender senão morre à fome!" Agradece ao teu editor!!O marketing livreiro funciona, pena que seja com os objectos errados.
Porque não podemos comprar o Joseph em vez do Philip? O primeiro nasce 50 anos antes, também judeu, naquele caldo Austro-húngaro da 1ª guerra mundial, jornalista, pobre e bêbado mas fulgurante, não se compreende a dificuldade para comprar um livro seu. "A Marcha de Radetzky", a sua obra-prima, não existe, pura e simplesmente (foi editado no Brasil e está esgotado). Podemos encontrar na Assírio e Alvim " A Lenda do Santo Bebedor" e é de ler. Ficamos com um "piqueno" excerto do Hotel Savoy:
"sou um egoísta", disse eu, "um verdadeiro egoísta". "Isso é uma palavra culta", repreendeu-me Zvonimir. "Todas as palavras cultas são uma vergonha. Em linguagem simples tu não podias dizer um horror desses." p.62
temos na fotografia o Joseph a apanhar o comboio, algures nos anos 30
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
o estado de algumas coisas
Os efeitos da crise, o espectro da recessão, da austeridade e da fragilidade dos empregos, já tem implicações práticas, faz-nos sentir medo, medo de errar porque os erros associados a frases ou acções mais arriscadas que têm o poder de nos fazer sentir vivos, livres e criativos, podem custar-nos caro. exemplo: para poupar dinheiro levo o computador avariado a um centro comercial longe, carrego com ele para o carro em vez de chamar a casa um "mecânico de informática", na precipitação deixo que as chaves se envolvam no computador porque já estou atrasada, efeito: ficam as chaves no porta-bagagem e o carro fechado. Chamo um táxi, para não faltar ao emprego, aviso, quando chego uma colega já ocupou o meu lugar, indiferente ao meu acidente considera que iniciou a aula de substituição e não vai de lá sair. resultado catastrófico: tenho falta, zango-me com a colega e ainda derreto 20 euros no táxi.A crise faz-nos ser agarrados. junkies da prestação funcional, obedientes à norma e vigilantes cegos do nosso percurso e interesse.Não é bonito, não senhora, mais ainda; torna-se perigoso porque nos torna cães uns para os outros e facilmente manipuláveis por "superiores", aos olhos dos quais, independentemente do valor do que fazemos e do que somos, queremos estar bem vistos. Esta tendência, só por si, sem daí retirar as devidas consequências, (óbvias para quem pense em regimes totalitaristas) é responsável pelo esmagamento das liberdades individuais.domingo, 3 de outubro de 2010
coisas da vida
Surpreende-me a dificuldade (eufemismo de incapacidade) que muito boa gente tem de confessar um fracasso, assumir uma derrota, um desaire, uma impotência, seja ela qual for, é tudo gente excelente e com excelentes resultados, como uma voz colectiva que fala por todos e com eco repetido, num mundo de heróis, como dizia o Pessoa: "não conheço ninguém que tenha levado porrada", "os meus conhecidos são campeões em tudo" e eu, eu "tantas vezes vil " "irrespondivelmente parasita", "indesculpavelmente sujo". Estas palavras no poeta que transcendeu a vil matéria anónima, transformam a vileza mais mesquinha em sublime consciência, mas numa tipa com gravidade q.b, olheirenta e normal, quero dizer, sem traço distintivo ou aparência fulminante, é só queixa, e todos fugimos das queixas como do vírus da gripe, esforçamo-nos muito por ser gente bem sucedida e com um sorriso na cara. o resto é restolho, coisa cinza que embaraça e corrói. percebe-se então o corrupio a psiquiatras, psicólogos e outras sumidades nos tratamentos das almas adoentadas, (nós por cá temos muitas), é que toda a gente secretamente e só ao abrigo de um contrato confessional rigoroso, deseja desmanchar-se e dizer toda a verdade que lhe entope a garganta, sim, fui enganada, sim enganei-me, sim fiz um erro grosseiro, sim gozaram comigo, sim, ignoraram-me, sim não faço a mínima do que se passa mas estou triste e pesada e um farrapo e....ai se eu tivesse uns dinheiritos a mais... enterrava-o todinho no divã de um psicanalista, e ficava por lá, há tanta coisa por resolver, tanta para falar, mas não me posso dar ao luxo, ou ao vício, não sei bem, se os dois se um deles, porque das duas uma: ou estas queixas e desabafos vão saindo para alguém, ou viram letra de música e faz-se poesia, ou então se não nos calhou nem pinga de talento, o melhor é começar a juntar dinheiro para as consultas senão desabamos a chorar só porque o semáforo virou vermelho, justamente no momento em que íamos a passar.