domingo, 6 de novembro de 2011

impertinências

estava a tentar escrever qualquer coisa e a perceber quão longe está o entusiasmo dos blogues. já risquei umas dez frases. as frases são sempre o começo de tudo. quando se trata de escrita. uma boa frase salva ou perde o dia. uma boa frase lança-se sobre nós e contamina-nos um dia inteiro. vai connosco para todo o lado. reparo que ao tentar enumerar "todo o lado", associo tarefas, lugares mas escapam-me os rituais, esses tempos nomeáveis, o tempo do trabalho, o tempo das refeições, o tempo do sono, o tempo do prazer, o tempo da diversão. estas separações cada vez mais se confundem, e daí todo o tempo ser tempo gasto, não tempo renovado, o tempo do ritual. O ritual vive da repetição, exige a entrada num outro patamar, implica a existência dos outros com quem o cumprimos e com os quais o acto adquire um certo significado. cada vez mais as refeições são comer, meter comida na boca num lugar qualquer mais à mão. e o tempo do trabalho contamina o da diversão e o do prazer ou vice versa, confundem-se. não me orgulho disso, sempre o combati, não posso nem quero ser vítima deste tempo linear curvado para nenhures onde as coisas são coisas e os actos actos, movimentos para coisas, intenções. hoje falta-me tudo mesmo. sem mediação. daí a frase não surgir. pensava escrever sobre os blogues e acabei a falar do tempo. ou de mim. ou estava a falar das frases sem nenhum deles. nem o tempo nem o sujeito. fechados. ambos a cadeado. na frase.


Gustave Courbet, A vaga

5 comentários:

Unknown disse...

Fazer alguma coisa com criatividade, antes de se verificar o resultado final desse esforço, houve todas essas angústias que relatas.
É da natureza da criação.
Haverá coisa mais fabulosa que a de possuir uma frase, uma imagem, uma ideia que germinou em nós e nos acompanha até ser partilhada e, finalmente comentada?
A resposta é ób(Via)

Bjs

hl disse...

"Por desgraça, o desprendimento é indiferença à linguagem, insensibilidade às palavras.E é ao perdermos o contacto com as palavras que perdemos o contacto com os seres" ( Cioran)
Bjo

CCF disse...

Não fique impertinente...todos ficamos às vezes presos na frase.
~CC~

S disse...

via,
fiquei logo presa na tua primeira frase e identifiquei-me de imediato com todo esse 'estar' ou não conseguir 'estar'.
Ultimamente apenas divago pelos dias à espera que me surjam novas ideias e novas sensações.

via disse...

JPD: a resposta seria ó via, óbvia, engraçada a tua brincadeira com as palavras. sim, a criação tem sempre as suas dores, a questão é saber se , neste caso, se trata de um filho com pernas pra andar...bjo

hl: Cioran, claro. neste caso, absolutamente certeiro. bjo

CCF:já me passou, mas que foi parto difícil, foi.

ss: há de facto como dizia o Cioran uma certa indiferença, talvez pela excessiva e rápida e omnisciente e omnipotente presença de palavras, causam algo perto da intoxicação.