quarta-feira, 6 de maio de 2009

de manhã o jardim cheirava a relva cortada e ao entardecer ao cheiro adocicado das flores,não saberia nunca enumerar o nome de todas elas ou identificá-las, sabia como me sabiam, como contornavam os olhos e conversavam com a memória. das flores ordenadas amores perfeitos roxos da paixão e das rosas do meu canto, quando tinha um canto com rosas...mas o jardim...nunca fui pessoa a quem oferecessem flores, não têm muito de flores aquelas braçadas em papel colorido, opacas cortadas, não, apesar da tentação para o lamento, não acharia graça...prefiro que me arranquem uma, pequena, e ma dêem na ponta dos dedos com pedaço de musgo esfarelado, a sujar as unhas de terra. Passear no jardim era um momento de sussurros, fala-se baixo com medo de acordar ou espantar aquele adormecimento, então levava um caderno onde desenhava versos e planetas, saturnos vários com suas órbitas de esferográfica preta e assim me deixava ficar por ali, escutando os silêncios interiores. se falo de jardins é porque os deixei num qualquer sítio para onde não sou capaz de voltar, onde não sei chegar, e do alto do meu corpo de saturno cheio de voltas e mais voltas, transformei-me, e agora ao andar de um lado para o outro, piso as flores e vejo nítidas as folhas do caderno
de desenhos a voltarem-se abandonadas ao vento. se pudesse escrevia outro verso e quebrava o encantamento, mas agora não posso.
fotografia de Adriana Silva Graça

4 comentários:

g disse...

Agora é sem dúvida outro tempo, mas essas flores de que falas ainda habitam na tua memória, e aí elas nem sequer envelhecem.

Eu tenho algumas espalmadas entre os meus cadernos, e quando inesperadamente as encontro, o meu pensamento voa.

Ana Paula Sena disse...

Gosto do que escreves :)

Também eu me afastei de jardins e lamento-o. Talvez ainda os visite, em todos os sentidos, uma ou outra vez... :)

Anonyma disse...

Porque nos deitamos a perder os nossos sentidos...as nossas pertinências, o que faz de nós quem somos...intriga-me...

via disse...

g. verdade, para as múltiplas formas de guardar, de desviar da voragem do tempo, servil a memória.

ana paula. obrigada,voltemos aos nossos jardins uma e outra vez, e lutemos por jardins mais uma vez.

anonyma: não podemos fcar com tudo, aliviamos algumas cargas para melhorar a rapidez da reacção mas depois quando a queremos de novo, ela já não está lá, é mesmo assim e não há que lamentar, penso.