quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Os 50

William Eggleston, Mulher no " Outono"

fiz 50 e entrei em pânico. total. as mãos e as rugas em redor da boca parece que cavaram canais, de repente perdi faculdades (a única que não perdi e que parece ter aumentado é a de sofrer, magoar-me terrrivelmente e passar uns dias a gemer baixinho e a fugir não sei para onde) a idade, certo, parece o discurso da costureira despeitada, perdoem-me, não sou costureira mas a minha mãe sim, era costureira, ficou-me o dedal da hereditariedade, costuro como ela costurava, no éter eu, ela no pano, eu na caixa de ferramentas das palavras, com a caixinha dos alfinetes ela, eu toda susceptibilidades e emoções,ela saia-casaco. sou um caso definitivamente perdido para a costura, embora houvesse tentativas, aliás, sou um caso perdido para muitas coisas e essa verdade acabadinha de encontrar lembra-se agora de nos entrar pelos olhos dentro.Sei, não há interrupções na estrada, caminha-se simplesmente.Mas aos 50 há um deslizamento de terras, por ali já não podes continuar. uma pequena catástrofe individual. até me sinto com má consciência trazendo à baila um tema que só interessa às mulheres da minha idade e quiça nem a elas, quando há verdadeiras catástrofes a acontecerem, mas é assim, já contribui para a Madeira, agora deixem-me comprazer nas minhas efabulações.

15 comentários:

Cassandra disse...

Acho que costuras bem as linhas da tua vida. Não te esqueças do dedal, para a próxima. Picas-te sempre com tanta emoção.

Agora de forma menos polida: hoje estive numa reunião com uma tipa com menos 3 anos que tu e só tinha papos no pescoço, quase peru. Estás linda, gaja. E eu adoro-te!

Apple disse...

Vim aqui deixar os parabéns, sim, porque acredito que por mais que se piquem os dedos por não usar dedal, quem costura com tanta delicadeza como tu, está sempre de parabéns.
Ao ler as palavras da Cassandra, foi impossivel não sorrir, na certeza de que estarás longe de ser um peru.
Parabéns, Via.

Beijinho

R. disse...

Querida Via (peço desculpa por este tratamento, mas já me afeiçoei a si (ti?) ou, pelo menos, à identidade cibernáutica que dá a conhecer. O tema interessa, sim. Mesmo a quem ainda lá não chegou. Percebo bem, porque às vezes dou por mim com as mesmas questões e menos uns anos. Seja como for, e embora possa não ser grandemente reconfortante, em momentos assim, costumo pensar no meu (recém partido) bisavô, que viveu, jovialmente, sem contar os anos, e com grande qualidade até aos 100 anos e meio (pormenor não desprezível). E que certamente nos seus 80 (apesar de nunca o ter confessado) há-de ter secretamente desejado poder voltar a comemorar, apenas, 50! Por isso, percebo o desabafo, mas aqui fica também um testemunho sentido, na tentativa (ainda que provavelmente gorada) de a animar :)

R. disse...

PS: Também gostei muito do comentário de Cassandra. Concordo com a beleza e emoção das suas "picadelas". E achei muito graça ao tratamento. Pensei que "gaja" era um (carinhoso) epíteto tipicamente nortenho (desculpem-me a ignorância dos "regionalismos" :) )

Ana Paula Sena disse...

Parabéns!

Ora, estás óptima :) Esses 50 recomendam-se. Daqui a poucos anos faço-te companhia neles...

(claro que entendo muito bem a sensação.até já tenho pensado nisso também. gostei da ideia do deslizamento de terras. é inevitável. mas tenho a certeza de que as tuas deslizam bem. é o que importa.)

Beijinho amigo.

via disse...

Cassandra: pico-me,sim, amíude ou bem mais do que sugerem as conveniências ou do que gostaria.Peruas?? ai ai! tantas glu, glu, glu também te adoro ou eu bis, bis tris...gaija...

Apple:Por quem sois Apple! (não me digas que pelo Sporting...) que me estragam com mimos. A delicadeza, digo-vos, é mútua e mutuamente reconhecida. Obrigada pela gentileza.

R: Cem anos é muito ano, não quero durar tanto porque sei não ter estrutura física para viver assim como o teu bisavô, mas se for hereditário bem podes esperar longa vida. deve haver um segredo qualquer para a longevidade mas nem sequer penso nisso, vivo muito para o presente, definitivamente para o presente, não sei se é melhor ou pior, do ponto de vista moral não faço juízos e, é verdade, podes (deves) tratar-me por tu.Gaja usa-se a norte e quiça daí a origem mas o sul adoptou-o e ainda bem! porque é tão informal, engraçado e caloroso. Obrigada pelo incentivo dado. um bjo

Ana Paula Sena:
Obrigada,és uma querida, ainda te falta, enjoy o melhor possível, os quarenta pareceram-me preciosos, saboreei e gostei, mais que dos 30, muito mais, os meus 30 foram soturnos.
bjos

mdsol disse...

Ora, também nos 50. Não tarda nada e acumulo meia dúzia em cima do meio século. Sim, de um certo ponto de vista despenca tudo, mas ... haja saúde, minha cara. As rugas são atestados de vida!

:))))

R. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
R. disse...

Viver o presente parece-me a melhor estratégia. É aliás, do ponto de vista psicológico, a mais saudável. O passado já lá vai e o futuro é uma incógnita. Por isso, "carpe diem" (sempre!) :)
Bom (ventoso) fim-de-semana.

via disse...

mdsol: Bem-vinda! É Engraçado pensar que 50 é considerado meia idade, quando essa categoria, da mulher balzaquiana era para os 30 no sec.XIX. Atestados de vida, lá isso são, sem dúvida!

R:Prefiro, embora o presente seja o instante, esse instante entre o que já não é e ainda não é. mas não posso evitar a sensação de déja vu, que unidade de medida de tempo será o presente, Um dia? Uma hora? um mês?( a casa está prestes a sair pelo ar fora!!)será que vou ficar sem tecto, sem abrigo...tou a brincar, betão é betão.

in_side disse...

Com a Altura da Idade a Casa se Acrescenta

Com a altura da idade a casa se acrescenta.
Não é que aumente a quantidade ao espaço.
Mas, sendo mais longínquos, o desapego pensa
maior distância quando se fica a olhá-lo.
Ou, se quiserem, uma realeza
se instala à volta dessa altura de anos,
de forma a que os objectos apareçam
na luz de quase já nem os amarmos.
Então a casa distende-se na intensa
inteligência de estarmos
a ver as coisas amarem-se a si mesmas.
Ou com a forma a difundir seu espaço.



Fernando Echevarría
in "Figuras"

ana p disse...

Mas este texto e lindissimo.... coisas que só com a idade se aprendem a dizer...
Bj

CCF disse...

Conhecendo apenas a identidade virtual, só posso falar do que transparece dessa alma aos 50, e quanto a essa não há dúvida de que se está bem e se recomenda, mesmo que também ela tenha as marcas do tempo.
Parabéns muito atrasados e um abraço,
~CC~

Rui disse...

a alguém que sempre coseu à mão, é imposta uma máquina de costura. "coisa boa", "facilita o trabalho", "torna tudo bem mais rápido". ela resigna-se, que remédio. é máquina ou nada. está assustada: é que antes, sabia as linhas com que se cosia.

via disse...

in side:gosto de ver as coisas amarem-se a si mesmas, é tranquilizador.bjo

Magnólia: Olá! verdade, nem tudo se perde, obrigada.

CCF: Obrigada por teres falado em alma, na alma pela alma, essa que nos sacode e nos identifica.bjo

rui: é isso, um susto, um ter de se habituar a uma nova máquina.