sábado, 5 de março de 2011


A GRELHA E O GRELHADO

Agora também os professores, mas a obsessão está mesmo generalizada, falo da exigência de ter objectivos para todas as actividades, como se, sem eles, nos sentíssemos perdidos, inúteis, incompetentes. para cada assunto, tema, tarefa, há outros tantos temas, assuntos ou tarefas a atingir com aqueles, numa espécie de escala onde são estabelecidas formas de atingir e formas de aferir a sua obtenção. Dá-se-lhe depois um nome: monitorização. o seu suporte: a grelha. tudo, de preferência, é monitorizável e a ideia é a de que falta sempre qualquer coisa para monitorizar. A actividade é insone.Quantas vezes levou o aluno o lápis à boca? quantas fichas foram bem aceites? que objectivo monitorizavam? A urbe, a cultura, a aprendizagem são como a criação suína.quantos e quanto tempo levam a engordar? quais as condições ideais para a engorda rápida e com menor custo? testaremos esta e esta, até ao resultado ser optimizado.
Estarão as Escolas melhores com tanto controle? Estarão os alunos mais educados, sábios e capazes? Não, não estamos mais capazes, mais espertos, mais sábios, não, só estamos mais medidos, mais controlados, e mais paranóicos do controle. cada um com a sua grelha de sucesso.cada um com a sua escala, feita por peritos em escalas que são por cada escala pagos. Se não fosse actividade maníaca era só enjoativa. nem vou explicar porquê, é alarve a explicação, isto é, fede. e as escalas das comidas? as calorias? monitorizemos o que comemos. e o sexo? quantas vezes? qual a melhor posição? o que é preciso para atingir o orgasmo?Venha daí a loiça das Caldas, chamemos o Bordalo, invoco a Invenção do Amor. Posso?


mas antes, porque o registo é assaz diferente, respiremos fundo, façamos uma pequeno esquecimento voluntário como se nada do que se escreveu antes fosse realmente importante e, não é.miudezas.


Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração
e fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
Embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A policia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique
Antes que a invenção do amor se processe em cadeia

Há pesadas sanções paras os que auxiliarem os fugitivos

Chamem as tropas aquarteladas na província
convoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passiva
Todos
Decrete-se a lei marcial com todas as suas consequências
O perigo justifica-o
Um homem e uma mulher
conheceram-se amaram-se perderam-se no labirinto da cidade
É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-los
antes que seja demasiado tarde
e a memória da infância nos jardins escondidos
acorde a tolerância no coração das pessoas

4 comentários:

jp disse...

Não podia estar mais de acordo com o teu texto. Maníaco, enjoativo- o puro vómito.

Como ficou marcado em mim este poema...

Não esperava era que, hoje, alguém ainda o evocasse como necessidade premente.

bj

via disse...

jp: sim, é bonito e é actual, evoquemo-lo então, sempre que nos apetecer.bjo

R. disse...

O controlo imperativo, imposto por grelhas frequentemente tão adequadas para o fim a que se propõem, quanto o uso de um barómetro para medir a febre. A imposição do controlo que driva, não raras vezes, da falta de auto-controlo de alguns... da falta de brio e de seriedade. Solução: tome-se a parte pelo todo. Controlem-se todos para controlar a falta de controlo de alguns...

E depois o descontrolo intencional e deliberado de um encontro único, a beleza de olhar para o outro sem 'paranóias' de auto-monitorização.

é isso mesmo: entre um (des)controlo e outro há a esperança.

Um abraço grande.

manhã disse...

Ó R, esse final é lindo! mesmo! abraço