sábado, 17 de abril de 2010

Beauvoir e Lawrence



Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo, a propósito de D.H. Lawrence:




"macho ou fêmea, nunca deve procurar nas relações eróticas o triunfo do orgulho nem a exaltação do eu; servir-se do sexo como instrumento da sua vontade é um erro irreparável; é preciso destruir as barreiras do ego, ultrapassar os próprios limites da consciência, renunciar a toda a soberania pessoal.(...)o sexo não é ferimento ; cada um dos indivíduos é um ser complexo, perfeitamente polarizado; (...)o acto sexual é, sem anexação sem rendição de nenhum dos parceiros, a realização maravilhosa de um pelo outro."




a velhinha Simone com o seu feminismo militante, um livro que o ano passado fez 60 anos de publicação e é hoje considerado demasiado radical, volta a ser acutilante, numa época cheia de mariquices ego/relativistas de "eu acho" e "eu não acho" e "cada um acha", etc. A propósito dos casos frequentes nos tablóides de que há gente viciada em sexo. A questão de reduzir o sexo a um acto de consumação da conquista torna-o vazio. Sempre existiram esses comportamentos, basta lembrar-nos do D.Juan, mas enquanto no passado era crime moral e civil, hoje é de louvar, os viciados em sexo são secretamente invejados, porque há muita frustração na sexualidade e a frustração é terrível para deturpar o juízo. A repetição exaustiva do mesmo comportamento resulta do vazio que se instala no depois, como se o acto se esgotasse no momento e não trouxesse qualquer fulguração de mudança. Não se sai do eu, da imanência, depois de consumado, volta tudo a ser o que sempre foi, renovada a necessidade de conquista. A conquista dá a ilusão de poder satisfazer essa carência, mas é uma mera ilusão. Quando se faz do corpo um instrumento que só com o outro pode transcender a condição mais ou menos carente de que todos padecemos, libertamo-nos dessa ferida. Faz todo o sentido.

7 comentários:

R. disse...

Muito pertinente e interessante esta tua escolha, Via. "Numa época de mariquices" egocentristas, faz absoluto sentido. "Os viciados em sexo" só podem se invejados por quem ignora o sofrimento que deriva de qualquer vício. Os aprisionados no seu próprio ego transformam o sexo num simples exercício de masturbação, instrumentalizando o outro e potenciando a frustração. Um assunto inesgotável, inspirado numa mulher inspiradora e rara. Magnífica escolha!
Votos de uma excelente semana.

via disse...

R: está um pouco esquecida, contra mim falo que a considero demasiado feroz nesta apologia da mulher mas há propostas de análise soberbas e que não são desmentidas pela actual "liberdade" dos comportamentos. Obrigada e boa semana para ti também.

Unknown disse...

Eu acho que a questão do sexo e da sexualidade esta por resolver.

Sobrecarregada de tabus, indecisões, tão constrangedor falar dele(a) projecta em cada jovem mais uma árdua tarefa de descobrimento de como lidar com a estranha pulsão libidinal sem afectar a coisa mais banal e comum qual seja a do afecto.

É muito actual esta edição da passagem da SB.

Bjs

Arábica disse...

O sexo como preenchimento do vazio
emocional, de afectos e laços...

Sobrevive Simone...

Boa semana, Via.

R. disse...

Via: Sem dúvida que a pretensa "liberdade" de hoje não as desmente. Tanto no plano individual (já que uma coisa é o discurso para o exterior e outra são os dilemas internos), como no plano global. Nesse, então, há todo um abismo de distância entre a realidade actual de muitas mulheres e as apologias de Beauvoir... Ainda assim, e até por isso mesmo, vale bem a pena avivá-las.

via disse...

JPD: é verdade que apesar de se falar de sexo a toda a hora e em todo o lugar, a verdade, a clareza ou a naturalidade do sexo não ganhou com tanto discurso, continua, como dizes, opaco e cheio de mal-entendidos.

Arabica: é isso, preencher o vazio quando me parece que a fórmula contrária é infinitamente melhor: transbordar. Bom resto de semana para ti!

R: tens razão, neste caso, bom senso, muitas mulheres são ainda alheias a estes preciosismos do eu e do outro e luta com situações de verdadeira escravidão sexual a sua libertação não depende apenas de palavras mas de mudanças sociais e económicas, mas as palavras também têm o seu poder não as subestimemos.boa noite de chovisco!

via disse...

errata: chuvisco, sorry